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Economia

Brasileiros testam novo sonho para o Pacífico

"Novo" caminho do Centro-Oeste brasileiro para o Pacífico, passa pela Bolívia e chega ao Chile em estrada sinuosa.

Brasileiros testam novo sonho para o Pacífico

Era 2003 quando Jorge Soria ficou plantado no saguão de um hotel aguardando a comitiva do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mal o ex-metalúrgico chegou, Sória, prefeito da cidade portuária chilena de Iquique jogou em suas mãos o plano de uma rota unindo dois oceanos do continente sul-americano através da Bolívia, seu sonho “há mais de 40 anos”. O traçado, anunciado no mesmo ano pelos presidentes dos três países envolvidos, se tornou realidade no início de 2013 quando foi asfaltado o último trecho da estrada entre Puerto Quijarro e Santa Cruz de La Sierra, obra financiada pelo BNDES.

Iniciativa de produtores e transportadores do Mato Grosso do Sul, que para fugir dos problemas com o escoamento da safra de grãos no país tentaram ver a viabilidade da saída pelo oceano Pacífico, a rota precisa de ajustes para ser usada em larga escala. Durante oito dias, uma expedição de 27 caminhonetes ocupadas por produtores rurais, empresários do ramo da logística e donos de concessionárias do Estado, mais dois mecânicos, um coronel boliviano, um assessor econômico da presidência do Paraguai e um vereador de Iquique – acompanhada pela reportagem do Valor, percorreu os 2,7 mil quilômetros do caminho. Sem ter muita ideia do que encontrariam pela frente, o grupo saiu de Campo Grande, passou por Corumbá, as cidades bolivianas de Santa Cruz de La Sierra, Cochabamba e La Paz e as chilenas Arica e Iquique, onde existem dois portos subutilizados e com tarifas baixas.

A “nova” rota para o Pacífico dobra o caminho do Centro-Oeste até um porto marítimo (de 1,2 mil quilômetros para 2,7 mil), mas permitiria uma redução de cerca de 30% no frete da soja e diminuiria em 7 dias (de 32 para 25) a viagem de navio até a China, em estimativas preliminares dos envolvidos na operação.

A estrada está pronta e asfaltada, mas o tempo de demora nas aduanas de Chile e Brasil com a Bolívia, a falta de sinalização e de acostamentos em alguns trechos e a inexistência de posto de abastecimento de diesel em dois trechos de cerca de 400 km cada são desafios que impedem um caminhão brasileiro, de tonelagem mais alta que a permitida pela legislação dos vizinhos, fazer o trajeto. Animais na estrada são uma constante no trecho do pantanal até a subida da cordilheira. Bois, vacas, porcos e até um javali passearam, soltos, no asfalto. Feiras à beira da estrada após Cochabamba também aumentam a insegurança para a jornada, pelo risco de acidentes.

Como os empecilhos maiores se concentram em solo boliviano, uma alternativa foi costurada com o sindicato de transportadores do país: terceirizar o transporte com mão de obra e caminhão locais quando a carga passar pelo país. Na Bolívia, o transporte de cargas é feito por autônomos, o que facilita a negociação para as empresas brasileiras e pressiona o governo de Evo Morales para regulamentar o transporte trilateral, que ainda carece de regras uniformes.

Os caminhões bolivianos, muitos da década de 1970 e que as vezes rodam a 15 km/h, vão mais devagar que os brasileiros, mas conseguem passar pelos Andes. Os motoristas, que ganham a metade do salário de um caminhoneiro brasileiro – na média em dólares – também aparecem como vantagem competitiva. O litro do diesel, subsidiado pelo governo local, custa metade do cobrado no Brasil. Hoje, o frete da tonelada da soja de Campo Grande a Paranaguá sai por R$ 200, em média.

Para Claudio Cavol, presidente do sindicato dos transportadores do Mato Grosso do Sul, inicialmente, “os empresários se assustaram”, principalmente com o sinuoso trecho de 492 km entre Santa Cruz e Cochabamba, quando se deixa o Cerrado e se entra na floresta amazônica para iniciar a subida à cordilheira. “Terceirizando a mão de obra podemos colocar, dentro de seis meses, cerca de cem caminhões no trecho como teste. Havia desconfiança dos bolivianos em relação às nossas intenções, mas os chilenos foram receptivos desde o princípio”, diz Cavol.

Apesar de a rota não passar pela capital boliviana e seguir por Oruro, a expedição foi a La Paz para encontro com autoridades, onde essas questões foram colocadas.

O estrangulamento dos portos de Santos e Paranaguá é uma das forças que levaram os atores do agronegócio do Mato Grosso do Sul a enfrentar uma cordilheira de 4,7 mil metros de altura. Os custos com transporte e a espera para o escoamento dos caminhões fazem parte das reclamações sobre a infraestrutura brasileira. No pico da escoamento da soja do Estado, um caminhão pode ficar até dez dias esperando em Paranaguá. Fora dessa época, a média é de três dias.

No Chile, o escoamento é agendado. Vice-presidente de finanças da Scania para a América Latina e presente na expedição, Frederik Wrange diz que os chineses estão dispostos a pagar mais caso os grãos cheguem mais rápido e, acima de tudo, com maior previsibilidade. “Há mais gana por rotas com menos dificuldades.”

Esse novo comprador tem peso. Em 2002, a China foi o destino de 27% das exportações da soja brasileira. Ano passado, de cada dez dólares obtidos com a venda do grão ao exterior, sete vieram dos chineses, que tomaram o lugar dos europeus, antes principais clientes. Nesse meio tempo, as divisas que ingressaram no país com os embarques de grãos multiplicaram por cinco. Para este ano, a previsão da produção da soja sul-matogrossense é de 6 milhões de toneladas. Há dez anos, ela foi de 4 milhões.

Produtor sul-matogrossense de soja, Milton Pickler nota que a mudança do comprador internacional pesou na decisão de fazer a expedição. Atualmente, segundo ele, o frete chega a custar 15% do que ele recebe por cada saca do grão. “A produção para a exportação sempre esteve perto da costa. Na última década é que ela se deslocou em peso para o Centro-Oeste e a infraestrutura não conseguiu acompanhar esse processo”, afirma.

Foi estudada a viabilidade de um segundo traçado: cruzar o Paraguai, o sul da Bolívia e terminar em Iquique (ver mapa). Apesar da distância menor – total de 1,7 mil km – há um grande trecho, de 280 km, na região do Chaco, sem asfalto. Uma ponte ligando Porto Murtinho, cidade brasileira na fronteira com o Paraguai, também precisaria ser construída.

Prefeito de Porto Murtinho, Heitor Miranda (PT) ajudou a desenhar em 1999 as duas rotas que passam pela Bolívia. No ano seguinte elas foram incorporadas à Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) e chamadas de Corredor Bioceânico Central. Assim como Soria, Miranda espera desde a década retrasada uma ligação com asfalto entre os países vizinhos. Apesar de lenta, ele vê evolução na interligação do continente. “Hoje há empresários interessados na rota. Antes eram apenas governos. A integração é um processo lento.”

Depois de a expedição descer o lado oeste da cordilheira pelo deserto do Atacama, onde também encontrou estradas pouco utilizadas, ela foi recepcionada por motoqueiros iquiquenhos na entrada da cidade. Com todos os movimentos gravados pela televisão local, houve uma recepção com pompas no porto, com o longo discurso do “alcaide” recebendo transmissão ao vivo. Soria, prefeito da cidade há 21 anos e que já tem um de seus filhos como vereador, estava em franca campanha por outro filho na disputa por uma vaga de deputado regional por Tarapacá a ser disputada mês que vem. Emocionado, disse que esperou a vida inteira pelos brasileiros.