Imagine dois cargueiros cheios de grãos. Agora, imagine ambos encalhados no interior de Minas Gerais. Em Araguari, no oeste do Estado, um dos maiores terminais de transbordo do Brasil em termos de capacidade de armazenagem de grãos tem dimensões comparáveis às de dois navios. E ele poderá ficar ainda maior.
A estrutura é parte do terminal ferroviário da VLI, empresa de logística controlada pela Vale. No mês passado, a mineradora vendeu 35,9% da companhia para o grupo japonês Mitsui e para o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS). Outra fatia da VLI também está sendo negociada com os canadenses da Brookfield Asset Management.
O terminal de Araguari é considerado pela VLI seu melhor equipamento. Uma referência para outros quatro terminais de grãos em projeto. Em operação desde fevereiro de 2012, o terminal tem capacidade de estocagem de 126 mil toneladas (120 mil no mega armazém e 6 mil em um silo anexo). Os funcionários se gabam com as comparações navais. No ano passado, foram movimentadas aqui 3,4 milhões de toneladas de soja e milho. E o giro em 2013 está mais elevado. Só nos primeiros seis meses do ano, foram 2,3 milhões.
Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, caminhões desembarcam soja e milho trazidos, por ordem de volume, de Mato Grosso, Goiás e da região oeste de Minas. A carga é estocada e depois embarcada em trens que seguem até o porto de Tubarão, no Espírito Santo, e de lá para compradores sobretudo na Ásia. Os clientes da VLI são tradings estrangeiras e brasileiras.
Essas tradings que operam no Triângulo Mineiro, onde se localiza Araguari, dispõem de uma estrutura férrea já bem estabelecida. A cidade tem história secular como entroncamento de linhas ferroviárias. O que mudou para o comércio de grãos na região com o terminal de Araguari foi o tempo que as cargas levam para chegar aos porões dos navios ancorados na costa capixaba. Para encher um trem de 90 vagões, eram necessários entre quatro e cinco dias. Hoje, a VLI leva de seis a oito horas na operação.
Na tarde da quarta-feira passada, quando o Valor visitou o terminal, um dos computadores da pequena sala de controle mostrava que acabara de levar 3 minutos e 38 segundos para encher dois vagões de uma vez com 73,2 toneladas de milho.
O que permitiu essa economia de tempo foi uma mudança no desenho da linha férrea. A VLI construiu uma “pera” – um ramal arredondado anexo à linha principal que facilita muito a manobra dos trens -, e, além disso, passou a concentrar o carregamento dos vagões em seu novo terminal. Antes, tinha de desmembrar as composições. Enviava 20 vagões para o armazém da Bunge, outros 20 para o da ADM e mais 20 para a Selecta, por exemplo. As três têm armazéns menores nas imediações do novo terminal. Era uma operação que se arrastava e, atualmente, uma parte menor das cargas ainda segue esse modelo.
A nova estrutura da VLI demandou investimentos R$ 150 milhões.
“Esse terminal é um dos maiores da América Latina e é o ‘proxy’ para outros projetos que a gente vai fazer. Nosso intuito é crescer muito no agronegócio e para isso vamos ter que contar com terminais eficientes como esse, além de integrar o terminal, a ferrovia e o porto e ter bons níveis de serviço para os caminhões para poder descarregar rapidamente. Esse é o nosso primeiro projeto, e temos outros que vamos fazer nos próximos anos”, afirmou ao Valor o diretor comercial da VLI, Fabiano Lorenzi.
A empresa, segundo ele, já avalia a possibilidade de aumentar a estrutura de Araguari. “Preparamos esse terminal de forma que praticamente podemos dobrar sua capacidade estática”, disse Lorenzi. “Eu estou tendo conversas com nossos clientes para definir se vamos aumentar ou não a estrutura. O que posso dizer é que já temos algumas coisas [sobre expansão] sendo discutidas.”
O Brasil tem uma grande carência de armazenagem de grãos. Segundo dados da Conab, a capacidade de armazenagem registrada no país é de 145 milhões toneladas e as previsões para a colheita de grãos nesta safra 2013/2014 apontam para pelo menos 190 milhões.
Dona de uma frota de 600 locomotivas e 13 mil vagões, a VLI englobou a Ferrovia Centro-Atlântica e a Ferrovia Norte Sul. Tem vários terminais intermodais, além do de Araguari. Entre eles estão os de Palmeirante (TO) e Pirapora (MG) – ambos para grãos. Outros três em Minas são para transbordo de produtos siderúrgicos. A empresa também opera terminais portuários. Em 2012, a VLI obteve receita líquida de R$ 2,6 bilhões, e o agronegócio representa cerca de 40% de seus negócios.
Cliente da VLI em Araguari, a múlti de origem francesa Louis Dreyfus Commodities informa que transporta por trem um quarto dos grãos que comercializa no país. Só por Araguari, passam mais de 10% de seus grãos. Segundo Luciano Lafaiete, diretor de “supply chain” da LDC, o terminal “contribuiu para a consolidação da carteira de fornecedores e da logística da empresa na região leste de Goiás”. Ele não fala sobre preços do frete, mas diz que, como os volumes da LDC são grandes, “o modal ferroviário oferece um ganho de organização significativo em relação ao rodoviário”.
No Brasil, trens são a opção preferencial para o transporte de minério e carvão mineral. No ano passado, essas representaram 77% das cargas das ferrovias. O agronegócio ficou em segundo (14,4%).
A VLI vê uma tendência de migração de cargas da rodovia para a ferrovia em algumas rotas – em particular, nas novas fronteiras agrícolas do Norte e do Centro-Oeste. “O transporte rodoviário não sustenta o aumento da produção agrícola do país. Fala-se em supersafra, da expectativa de que o Brasil passe os EUA na produção de soja. Veja o caos nas estradas para acessar os terminais portuários. Com a ferrovia não tem isso”, diz Lorenzi.