* Por José Goldemberg
As eleições do próximo ano criam uma oportunidade histórica para discutir os rumos que o País deve tomar na área de energia: ou continua com políticas voltadas para ações imediatistas, de curto prazo – muitas delas com objetivos eleitorais -, ou escolhe um novo caminho, em que objetivos de longo prazo sejam estabelecidos e investimentos sejam feitos em áreas que nos levem a um desenvolvimento sustentável, isto é, que seja duradouro.
Na formulação de tal caminho, o papel do movimento ambientalista é de importância fundamental, por duas razões:
A proteção ambiental, incorporada no processo de desenvolvimento, pode evitar que ele seja predatório, o que pode comprometer os próprios objetivos desse desenvolvimento; e a posição dos ambientalistas – se levada ao extremo – poderá dificultar ou até impedir o desenvolvimento.
Há uma linha tênue entre esses dois caminhos e não é fácil segui-la sem cair em exageros nos dois lados.
O que temos visto na última década não é muito encorajador, com manifestações explícitas de ministros, e até de presidentes da República, ridicularizando posições de movimentos ambientalistas na Amazônia e dando pouca – ou nenhuma – atenção aos sérios problemas do aquecimento global. Essas atitudes refletem o imediatismo de políticos de plantão e impaciência com as dificuldades e os atrasos que a ação dos ambientalistas pode infligir na execução das obras. Sucede que em muitos casos eles têm razão e seria de fato melhor executá-las de forma diferente, que levasse mais em conta a proteção ambiental.
Exemplo claro desses conflitos, que não foram bem resolvidos, é o que está ocorrendo com a construção de hidrelétricas na Amazônia, como em Belo Monte, onde a criação de reservatórios de água foi praticamente abandonada. A função desses reservatórios é regularizar a geração de eletricidade ao longo do ano, mesmo nos meses em que não chove. Além disso, em casos de períodos de seca prolongados – que podem durar de dois anos a três anos -, os reservatórios são uma garantia de continuidade da operação do sistema elétrico.
Reservatórios, no entanto, realmente inundam áreas onde existem florestas, afetam populações ribeirinhas e, até certo ponto, a biodiversidade local. No caso de Belo Monte, essas questões provocaram sérios conflitos com comunidades locais onde as organizações não governamentais (ONGs) são muito atuantes.
O governo brasileiro pode argumentar que venceu o movimento ambientalista, que tentou impedir que a usina fosse construída, porque as obras estão em andamento. Em contraposição, poder-se-ia dizer que o movimento ambientalista derrotou o governo, forçando a construção dessa usina praticamente sem reservatório. A área inundada será apenas de cerca de 500 quilômetros quadrados, que não é muito grande comparada com o desmatamento da Amazônia, de cerca de 5 mil quilômetros quadrados todos os anos.
Para os dois lados foi uma vitória de Pirro. Hidrelétricas sem reservatórios não são boas para o sistema elétrico do País e a falta deles já se está fazendo sentir, com o aumento da produção de energia elétrica usando usinas térmicas queimando gás natural (que é caro) ou carvão (extremamente poluente) e até usinas nucleares.
Existe uma solução para esses problemas?
Ao que tudo indica, a resposta é positiva. E um caminho a ser explorado acaba de vir da ONG WWF-Brasil (a seção brasileira do Fundo Mundial para a Natureza), uma entidade ambientalista séria e responsável.
Diferentemente de outras entidades ambientalistas mais radicais, o WWF-Brasil, em sua recente tomada de posição a respeito de geração de energia elétrica no Brasil, declarou: “O WWF-Brasil não se opõe a nenhuma fonte renovável, incluindo as hidrelétricas ‘per se’. Estamos muito preocupados com a forma como foram e ainda estão sendo planejadas e construídas hidrelétricas, especialmente na Amazônia e nas nascentes do Pantanal. Portanto, recomendamos que sejam tomadas todas as medidas para mitigar esses impactos, considerando seu efeito cumulativo e de longo prazo nas bacias e buscando o menor custo socioambiental. O WWF desenvolveu uma metodologia para contribuir nisso, permitindo uma visão integrada de bacias hidrográficas, de forma a que se possam avaliar, discutir, antecipar e prevenir maiores impactos na biodiversidade, nos serviços ambientais e nos povos tradicionais, e permitindo manter trechos estratégicos dos rios livres de barragens. Este método pode e deve também ser aplicado para outras fontes renováveis de energia”.
Essa é uma proposição das mais importantes, porque abre caminho para que o governo federal inicie um diálogo com o movimento ambientalista. Nesse diálogo o governo deveria considerar com seriedade as objeções ambientais levantadas.
Em contrapartida, os movimentos ambientalistas precisariam ser esclarecidos quanto ao fato de que os impactos locais produzidos por uma hidrelétrica na Amazônia são, sim, reais, mas a eletricidade gerada atende às necessidades de milhões de habitantes que vivem a mais de mil quilômetros de distância. As populações atingidas – algumas dezenas de milhares em alguns casos – podem e devem ser realocadas, como foi feito com sucesso quando da construção de muitas hidrelétricas no País, como a de Itaipu. Populações indígenas merecem, é claro, um tratamento diferenciado, que lhes pode também ser dispensado em muitos casos.
Há que atentar também para o fato de que o Brasil necessita acrescentar cerca de 3 milhões a 5 milhões de quilowatts por ano ao seu sistema elétrico e que é difícil fazer isso sem usinas hidrelétricas. A contribuição da energia dos ventos, da biomassa e da eficiência energética é importante e muito bem-vinda, mas não pode atender a toda a demanda.
*José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo, foi secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e secretário do Meio Ambiente da Presidência da República.