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Energia

Reservatórios não atingem meta que daria 'folga' em 2014

Os reservatórios entram oficialmente no período chuvoso, a partir da semana que vem, longe do nível-meta fixado pelo governo.

Hydroelectric plant, Tucurui, Para
Hydroelectric plant, Tucurui, Para

Os reservatórios entram oficialmente no período chuvoso, a partir da semana que vem, longe do nível-meta fixado pelo próprio governo para garantir uma “folga” na operação do sistema elétrico em 2014. A intenção era terminar o mês de novembro, quando normalmente chega ao fim a temporada de estiagem, com 47% de capacidade nos reservatórios das usinas hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste e com 35% no Nordeste. Esses níveis, segundo as autoridades do setor, eram capazes de garantir com tranquilidade o abastecimento do país no ano da Copa do Mundo e das eleições presidenciais, mesmo se o próximo verão for o pior em chuvas da série histórica em mais de oito décadas.

Até ontem, no entanto, o estoque de água se mantinha abaixo do pretendido. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o armazenamento baixou para 41,5%, mas está quase nove pontos percentuais acima do verificado exatamente um ano atrás e não chega a tirar o sono dos especialistas.

No Nordeste, o estoque acumulado nos reservatórios diminuiu para 22% e marca o nível mais baixo dos últimos dez anos, tendo ultrapassado até o antigo limite mínimo de segurança à operação do sistema. A curva de aversão ao risco, como esse limite era conhecido no setor elétrico, determinava o momento a partir do qual todas as térmicas – independentemente do custo – podiam ser ligadas em caráter emergencial para poupar água das represas. Ela deixou de existir, na prática, desde que uma nova metodologia de preços da energia implementada em setembro “antecipou” o acionamento das térmicas. Mas ainda serve para ilustrar a dimensão do problema.

“A situação é aflitiva”, diz o presidente da consultoria Thymos Energia, João Carlos de Oliveira Mello. Há um ano, quando os reservatórios do Nordeste marcavam 33,4% de armazenamento, o quadro já despertava a preocupação dos analistas. De acordo com Mello, ainda é cedo para pensar em restrições ao consumo de energia na região e deve-se esperar pelo menos até meados de janeiro para ter uma ideia mais clara da hidrologia neste verão, mas tudo indica que as térmicas continuarão ligadas nos próximos meses. “Tem que vir muita chuva. Se não vier, não há outra saída”, comenta o especialista.

Agora em novembro, a energia afluente (o quanto chega de água nos reservatórios) no Nordeste ficou em 43% da média histórica. O centro de estudos climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicou tendência, entre dezembro e fevereiro, “maior probabilidade” de que haja chuvas no trimestre “em torno da faixa normal”.

O resultado é que “acabou aquela visão de uso esporádico das térmicas”, conforme ressalta Roberto Pereira D’Araújo, diretor do Instituto Ilumina, um centro de estudos do setor elétrico. Para ele, a impressão é que “estamos usando as nossas reservas hídricas além do que poderíamos usar”. D’Araújo tem uma suspeita: a garantia física de muitas usinas – o montante que elas podem comercializar por terem a segurança de produzir mesmo em condições desfavoráveis – pode estar superestimada, prejudicando a operação do sistema.

A PSR, uma das consultorias mais respeitadas do setor, também trabalha com uma hipótese bastante parecida. “Os modelos matemáticos não capturam com suficiente detalhe o que ocorre na operação real”, afirma Rafael Kelman, membro da equipe da PSR e ex-diretor da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH). No início de 2013, a consultoria já havia divulgado um relatório no qual estimava em 11% a ineficiência na operação de hidrelétricas. Ou seja, para produzir um megawatt-hora, as turbinas acabam gastando 11% a mais de água do que os modelos oficiais indicam.

A hipótese de Kelman é que isso ocorra, na prática, porque parte da água que deveria estar passando pelas turbinas e gerando energia esteja correndo indevidamente pelo vertedouro das usinas. Com isso, o sistema acredita que está gerando um determinado volume de eletricidade, mas a produção real é menor.

Kelman também reforça o coro dos especialistas que pedem a revisão das garantias físicas das usinas. “Existem dados de entrada utilizados pelos modelos de planejamento que precisam ser revistos. Por exemplo, parâmetros técnicos da época da inauguração de usinas de 30 anos ou mais que nunca foram atualizados. É como um carro que, rodando há três décadas, hoje obviamente precisa de mais gasolina do que quando era zero quilômetro.”

Outro ponto levantado recentemente pela PSR é que, em 19 dos últimos 20 anos, a vazão dos rios do Nordeste ficou abaixo da média histórica. A consultoria cogita a possibilidade de uso excessivo – inclusive clandestino – de água do rio São Francisco, para fins de irrigação.