Ainda sem regras bem definidas para a exploração e produção de “shale gas” (gás extraído de folhelho) e também com ausência da infraestrutura necessária para o bom aproveitamento do insumo, o Brasil realiza hoje o primeiro leilão de blocos exploratórios voltado para áreas com potencial para gás natural. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) se apressou para aprovar uma regulação para a exploração do “shale gas”, mas sem sucesso.
Em meio às polêmicas levantadas por especialistas e integrantes da sociedade para a exploração do “shale gas”, que necessita de cuidados especiais para evitar a contaminação de lençóis freáticos, a ANP conseguiu apenas fazer audiência e consulta pública sobre o tema, concluídas na última semana. Waldyr Barroso, diretor da agência, explicou que grande parte das 195 sugestões recebidas na audiência pública será acatada. Mas não há prazo para a aprovação das regras.
Fora da disputa que tem 21 empresas inscritas, o diretor de Produção da Queiroz Galvão Exploração e Produção (QGEP), Danilo Oliveira, afirmou que não acredita que o país possa iniciar a exploração do gás não convencional de forma importante dentro dos próximos dez anos. Dentre os empecilhos citados, estão a ausência de regulação, de infraestrutura e equipamentos.
“Acho que a realidade do gás de xisto [“shale gas”] no Brasil pode vir a acontecer, mas nunca a curto prazo”, disse a uma plateia de investidores, durante Apimec-Rio, na terça-feira.
Durante consulta pública da ANP sobre o assunto, instituições como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) criticaram a forma e a pressa com que a ANP está conduzindo o tema. Segundo Barroso, embora a aprovação das regras não aconteça antes do leilão, a “espinha dorsal” da resolução está pronta.
“O agente que vai para um leilão desse tem pleno conhecimento do que ele tem que seguir e com o que ele vai ter que se comprometer. Por isso a gente tentou antecipar um pouco essa discussão”, disse o diretor, durante audiência pública. O tema traz forte polêmica já que a exploração do “shale gas” pode ser muito danosa aos lençóis freáticos, por necessitar da injeção de produtos químicos no subsolo, além da explosão de rochas subterrâneas. O uso intensivo de água também é demandado.
Parecer técnico publicado pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção (GTPEG), formado por membros como Ibama e Ministério do Meio Ambiente, disse que não há conhecimento geológico suficiente para uma tomada de decisão sobre a exploração do “shale”. “É preciso intensificar o debate na sociedade brasileira sobre os impactos e riscos ambientais envolvidos nessa exploração e avançar na regulamentação e protocolos para atuação segura”, diz o parecer.
O aproveitamento do “shale gas” no país tornou-se uma das pautas do governo depois que os EUA mostraram-se bem sucedidos na campanha exploratória deste insumo. Mas a estrutura no país americano e suas leis são diferentes das existentes no Brasil, já que têm um ambiente regulatório mais ágil e uma regulação ambiental menos restritiva.
Um dos principais pontos que facilitam a exploração do “shale gas” nos EUA é que o subsolo do país pertence aos proprietários das terras e não à União, como é o caso do Brasil. Desta forma, os exploradores do gás podem tratar a atividade de exploração diretamente com os proprietários.
Por outro lado, a forma como os EUA exploram o insumo encontra opositores em diversos países, embora políticos e representantes industriais vejam como uma importante fonte de renda, além de um mecanismo para desenvolver a economia. A pesquisadora da Fiocruz Bianca Dieile criticou a “pressa” na aprovação de regras, durante a audiência pública da ANP, e frisou que determinadas áreas brasileiras dependem muito de aquíferos subterrâneos para o consumo humano, o que pode gerar conflitos para o uso da água.
Cristiano Villardo, coordenador-geral de licenciamento de petróleo do Ibama no Rio, concordou com a colocação de Bianca. “Por que colocar nossos aquíferos em risco se a tecnologia não está ainda dominada?”, disse Villardo. Ele colocou em dúvida a capacidade da ANP de gerenciar a atividade e chegou a qualificar como “uma aventura” a realização da 12ª Rodada antes da aprovação de regras para o “shale”.
“Como cidadão, estou bastante assustado com a rapidez com que isso está acontecendo”, afirmou Villardo, que também defendeu que o Ibama seja o órgão responsável por licenciar a exploração desse tipo de insumo.
Olavo Bentes, procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e subprocurador-geral da ANP, observou que a exploração de “shale gas” já acontece no Brasil “de forma muito tímida” e não regulada. “Se não há lei que vede determinada ação ela não pode ser coibida”, afirmou Bentes, defendendo a necessidade da aprovação de normas para a atividade.
Neste leilão, serão ofertados 240 blocos terrestres, em sete bacias sedimentares. A expectativa é que as bacias Sergipe-Alagoas, Recôncavo e São Francisco tenham mais potencial para “shale gas”.