Um embaixador mostra em seu celular a foto que tirou em uma praia em Bali, capital e principal destino turístico da Indonésia: um grande pôster avisa que, em caso de tsunami, a pessoa deve correr para o segundo andar do prédio mais próximo.
Na véspera da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Bali, que tem na agenda o que poderia ser o primeiro acordo comercial global em quase duas décadas, o verdadeiro temor é o de um tsunami diplomático provocado pela Índia. O país concentra as atenções de outras 159 nações e de toda a comunidade empresarial.
O encontro começa amanhã e segue até a próxima sexta-feira, 6 de dezembro. Importantes negociadores concordam que o resultado de Bali depende da Índia e da ‘cláusula de paz’, ou seja, de autorização para países em desenvolvimento com programas de segurança alimentar darem subsídios acima do permitido para seus agricultores. O objetivo dessa medida é a formação de estoques de commodities.
Na verdade, a Índia colocou-se numa ‘sinuca de bico’, como resume um negociador. Se agir apenas com a lógica eleitoral pode derrubar de vez um acordo na OMC e enfurecer países em desenvolvimento que esperam ganhar com o entendimento. Por outro lado, se optar por flexibilizar e aceitar o acordo precisará saber vender muito bem ao eleitorado que vai às urnas no ano que vem na Índia que o país conseguiu algo importante e, assim, evitar perder votos na área rural.
“Tudo está nas mãos da Índia”, diz um importante negociador em Bali. Os dez textos da negociação estão praticamente fechados. O documento sobre facilitação de comércio tem colchetes, significando divergências, mas elas podem ser logo resolvidas, dizem outros negociadores.
Acontece que a Índia vem a Bali com exigências consideradas impossíveis de serem atendidas por países exportadores agrícolas. Nova Déli quer que, após o prazo de quatro anos, a ‘cláusula de paz’ seja mantida até que uma solução permanente seja alcançada na OMC sobre segurança alimentar. Para vários países, porém, a Índia poderá sempre argumentar que não aceita as propostas dos parceiros. Nesse caso, os quatro anos se transformariam em cláusula perpétua para a concessão de subsídios maiores.
O que a Índia vem fazendo agora é o que fez nos últimos tempos na OMC. Aproveita qualquer oportunidade para reabrir o acordo agrícola. A diferença é que, ao contrário de vários outros países, os indianos querem recuar e dar margem para mais subvenções no setor, alegando que têm centenas de milhões de pobres no campo.
As regras sobre segurança alimentar da OMC autorizam governos a comprar alimentos a preços de mercado e depois vender os estoques a preços subsidiados para os consumidores. Ocorre que o programa indiano de US$ 20 bilhões a mais por ano é visto como encorajamento ao excesso de produção. Mais tarde essa prática poderia derrubar os preços globais, algo similar às montanhas de manteiga e vinho produzidos até recentemente pela União Europeia (UE). A Índia já se tornou, por exemplo, o maior exportador de arroz em 2012, superando Tailândia e Vietnã. Suas exportações aumentaram 120% em relação a 2011.
O ministro de comércio da Índia, Anand Sharma, deverá constatar que a dinâmica na OMC mudou. Não dá mais para argumentar que a defesa de interesses de países em desenvolvimento tem poder para bloquear negociações. Em Bali, contam-se nos dedos os apoiadores das exigências de Nova Déli: Argentina, África do Sul e países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), formada por Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua.
O G-33, grupo da Índia na questão de segurança alimentar, quer o acordo que foi esboçado em Genebra, a começar pela Indonésia, anfitriã da conferência ministerial e ansiosa por um resultado positivo. Países em desenvolvimento também se uniram na sexta-feira em apoio ao diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, para buscar um acordo.
Liderando o G-20 nas negociações, o Brasil tem papel relevante nas conversas. Um dos pontos em que há caminho aberto para acordo é a facilitação de comércio, por meio da qual países se comprometem a harmonizar procedimentos aduaneiros, baixado custos de transações no comércio exterior. Cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que há um potencial de redução de 14%, para produtos manufaturados, dos custos aduaneiros no Brasil.
Um comunicado mistura vários países desenvolvidos, como grupos do Asean (asiáticos), com países mais pobres da África, Caribe e Pacífico (ACP), além dos grupos africano e árabe.
Países mais pobres esperam contar com ajuda financeira para tentar melhorar suas condições de exportação. Somente a União Europeia prometeu € 400 milhões em cinco anos, a partir do momento em que o acordo de facilitação de comércio (simplificação de regras e procedimentos aduaneiros) for assinado.
O comportamento da Índia pode resultar na perda potencial de centenas de bilhões de dólares em negócios, além de causar o enterro final da Rodada Doha e aumentar o risco de irrelevância da OMC, incapaz mesmo de fazer acordos modestos. Sobre o futuro da entidade, um negociador lembra um personagem de Ernest Hemingway que uma vez foi indagado: ‘Como você faliu?’ Sua resposta foi: ‘De duas maneiras. Gradualmente, depois subitamente’.”