A conclusão hoje do primeiro acordo comercial global em quase 20 anos depende da Índia e dos Estados Unidos. Após negociações que terminaram quase às 4h desta manhã em Bali, especificamente sobre a questão de estoques de alimentos para segurança alimentar, os negociadores foram dormir sob uma proposta.
O Valor apurou que na negociação mediada pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, para quebrar o impasse, os EUA apresentaram algumas propostas, a Índia deu sinais de flexibilidade, mas depois voltou atrás. Agora Washington espera uma resposta final dos indianos esta manhã.
Um acordo não ficou acertado totalmente nem tampouco descartado, insistiram negociadores em meio a um manto de segredo. Além disso, depois será preciso resolver outras dificuldades menores, mas que vão exigir novas barganhas. A reunião da OMC, com a presença de mais de 120 ministros, termina hoje à tarde.
O ministro de Comércio da Índia, Anand Sharma, fez viagens entre o hotel e o centro da conferência durante a noite, até não voltar mais quando foi consultar o primeiro-ministro por telefone. Mandou em seguida seu embaixador na OMC com um texto.
A questão era de como fazer a ponte entre a necessidade de a Índia de ter uma “solução interina permanente” para seu programa de estoques de commodities por razões de segurança alimentar, sem ser acusada de romper os limites de subsídios que pode conceder. E como dar uma garantia jurídica aos Estados Unidos em meio à ambiguidade linguística envolvendo os subsídios pedidos pelos indianos.
Mesmo um acordo entre americanos e indianos era ameaçado pelo Paquistão, que mostrava irritação nos corredores, reclamando que diminuiu seu programa de segurança alimentar para se enquadrar nos limites de subsídios autorizados pela OMC, e não aceitará que a Índia agora tenha o direito de aumentá-los de forma permanente. O Paquistão foi incisivo na ameaça de bloquear um acordo, se a Índia obtiver o que vem pedindo.
De madrugada, o ministro de Comércio da Indonésia, Gita Wirjawan, saiu bocejando da sala de reunião e disse que as negociações continuariam. Pela manhã, o indiano Sharma avisou, em entrevista coletiva, que “acordo nenhum é melhor que acordo ruim”.
O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Luis Alberto Figueiredo, manteve-se confiante, pela manhã, sobre a possibilidade de acordo em Bali, que envolve facilitação de comércio, agricultura e questões de desenvolvimento para países mais pobres. O Brasil não esteve envolvido nas negociações entre indianos e americanos, porque não faz parte do problema.
Para o economista Jagdish Bagwati, da Universidade de Columbia (EUA), a posição indiana era fraca desde o começo. Enquanto o objetivo geral hoje é reduzir subsídios, a Índia parece acreditar que sua agricultura precisará eternamente de ajuda, segundo o professor.
Outros analistas acham que a Índia é o bode expiatório, como aconteceu em julho de 2008, quando a Rodada Doha sofreu outro colapso. Para esses analistas, o culpado foi os EUA, devido à incapacidade de tratar de seus subsídios ao algodão, que afetavam países pobres da África ocidental. Hoje, os EUA perderam apetite pelo sistema multilateral de comércio e negociam dois mega-acordos preferenciais de comércio (TPP, na Ásia Pacífico, e TTIP, com a União Europeia), por meio dos quais vai impor seus próprios padrões aos parceiros.
Se hoje for anunciado fiasco, o impacto é bem além de econômico. Primeiro, é o enterro definitivo da Rodada Doha, lançada há 12 anos para liberalizar os setores agrícola, industrial e de serviços. Segundo, atrasará qualquer nova agenda de liberalização global por um bom tempo. Terceiro, o próprio sistema de solução de disputas vai sofrer com a irrelevância da OMC, na medida em que as decisões dos juízes poderão ser menos obedecidas pelos países.
Se, ao contrário, sair um acordo, como alguns apostam, a OMC poderá se concentrar-se nas negociações globais e incluir novos temas na agenda.