Mesmo com todos os incentivos fiscais e políticas de financiamentos e de proteção dos governos federal e estadual para o desenvolvimento do agronegócio, inúmeros impostos pesam no bolso dos agricultores e, por consequência, dos consumidores. Na comparação com os vizinhos do Mercosul, Argentina, Uruguai e Paraguai, o Brasil dispara na frente com a maior carga tributária, cerca de 20% mais alta. Enquanto os hermanos operam com taxação única por meio do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o Brasil possui quase 90 tributos entre impostos, taxas e contribuições. Essa é uma das principais dificuldades do País com relação à concorrência com produtos latino-americanos.
“Não tenho dúvidas de que o Mercosul é bom para o Brasil, mas altamente prejudicial ao Rio Grande do Sul”, declara o deputado federal Jerônimo Goergen, vice-líder do PP na Câmara e um dos defensores do agronegócio em Brasília. A ideia do mercado comum era unir esses países em um único bloco a fim de abrir as portas para as grandes nações compradoras, como o Canadá, por exemplo. Segundo o deputado, hoje não há mais necessidade disso, pois desde o acordo assinado, em 1991, o Brasil cresceu economicamente quase cinco vezes mais. “Temos um custo muito alto para o Estado”, afirma o deputado, autor da Lei de Fronteira (nº 12.427), que obriga a análise química e fitossanitária de todos os produtos que entram no Estado como forma de conter a importação.
O Plano Brasil Maior, estratégia do governo federal para estimular a competitividade e o crescimento econômico do País, poderia ser uma alternativa para mudar os rumos e dar um incentivo à atividade. “Mas agronegócio não fui incluído Plano Brasil Maior”, lamenta Goergen. Além disso, o endividamento do setor é bilionário, alerta o deputado. No dia 31 de maio, a Medida Provisória 556, que incluía assuntos tributários como o crédito presumido, perdeu a validade por não ter sido votada. De acordo com o parlamentar, o acerto ficou para que a proposta de restituição dos valores cobrados a mais da agroindústria sejam colocados na MP 563.
Mas os grandes vilões no custo da produção brasileira são os insumos. Para o assessor econômico do sistema Farsul Antônio da Luz, o agronegócio vai muito mal em relação a outros países, pois o Brasil tem um dos maiores custos operacionais do mundo, principalmente na produção da soja, trigo e milho.
Os fertilizantes e as máquinas agrícolas, conforme o especialista, entravam o processo produtivo devido ao alto preço. A incidência de impostos faz com eles cheguem a custar 100% mais do que na Argentina, por exemplo. A importação de insumos mais baratos dos países do bloco é proibida. “Ninguém vende mais caro do que o Brasil”, indigna-se o economista. Um exemplo é o hussar, herbicida utilizado em pós-emergência no controle de plantas daninhas nas culturas do arroz, cana-de-açúcar e trigo é vendido por R$ 205,85 o litro na Argentina. Porém, no Brasil, sai por R$ 541,48. “Esses produtos não podem entrar no País, mas o contraditório é que eles estão presentes nos alimentos que importamos,” lembra o assessor.
Temor é que aconteça a desagriculturização – As expectativas quanto ao futuro do agronegócio incluem cenários nebulosos. O temor é que o País passe por uma desagriculturização, termo copiado da indústria, desindustrialização, que serve para denominar as perdas diante da importação de produtos mais baratos do exterior. Já está ocorrendo uma desagriculturização, em especial com o arroz e o trigo, devido ao alto custo de produção, o que dificulta a competitividade com os nossos vizinhos”, explica o assessor econômico do sistema Farsul Antônio da Luz.
Uma colheitadeira fabricada no Rio Grande do Sul chega a custar de 28% a 100% mais caro do que nos países vizinhos, conforme o especialista. O grande problema, segundo ele, é que isso desestimula os produtores e industriais a permanecer no Brasil. Eles acabam atravessando a fronteira a fim de se instalar naqueles países.
Na ponta do lápis, o comparativo realizado pela Farsul demonstra a disparidade entre os custos de produção de algumas culturas. De acordo com dados da entidade, o valor operacional da soja no Brasil é o dobro da Argentina e 30% mais cara que nos Estados Unidos. A produção do milho chega a custar 90% a mais que na Argentina e 40% superior ao praticado nos EUA. O preço do trigo é 40% maior que na Alemanha e 90% mais que nos EUA. O arroz tem custo superior de 27% do que na Argentina, 38% que nos EUA e 30% maior do que no Uruguai.
O princípio da neutralidade dos impostos, ou seja, que não influencia na competitividade, de acordo com Antônio da Luz, não ocorre no Brasil. “A nossa carga tributária não é neutra e acaba deturpando as nossas vantagens comparativas por não respeitar essa regra”, afirma. Em sua opinião, se o governo baixasse para 30% o peso dos tributos haveria um acréscimo de “competitividade violenta” no Brasil.
Produtores de arroz defendem incentivos por parte dos governos – O Rio Grande do Sul é responsável por aproximadamente 65% de toda a produção de arroz do País, segundo o Instituto Riograndense do Arroz (Irga). A reclamação do setor é com relação aos produtos que entram no Brasil oriundos do Mercosul. Uma das medidas comemoradas pelos produtores e industriais é a unificação da alíquota do ICMS em 4%. Para o presidente do Irga, Cláudio Pereira, o Rio Grande do Sul só perde no que não é beneficiado dentro do Estado.
Com relação ao Mercosul, cada um tem sua política, e hoje o Brasil compete com o arroz uruguaio e o argentino no mercado internacional. Mas, conforme o presidente do Irga, o Estado tem competitividade e consegue vender com preços mais baixos. Isso, de acordo ele, é graças às ações de proteção do Estado. “No ano passado o governo colocou mais de R$ 1 milhão no arroz e isso é retorno em impostos”, garante.
A safra de arroz 2011/2012 no Rio Grande do Sul deve ser 13,5% menor que a safra anterior. A redução em 9 milhões de toneladas para 7,8 milhões não chega a ser problema, conforme demonstra a entidade. O maior mercado é o interno e para os produtores o momento é bom, o que não acontece com outras culturas em razão da estiagem. De acordo com o produtor e presidente do Sindicato Rural de Tapes, Juarez Petry, o setor orizícola tem ótima irrigação. “Não temos problemas de quebras de safras, além das boas condições de infraestrutura, é um produto da cesta básica”, explica.
No entanto, os insumos determinam o custo do grão e como os tributos brasileiros são os mais altos da América Latina, os grãos importados ganham espaço nas prateleiras dos supermercados e no prato dos consumidores. Conforme Petry, produzir arroz sempre foi um negócio rentável e contou com apoio de pesquisas e investimentos.
Porém, com a condição de entrada livre do Mercado Comum do Sul, sem taxação nenhuma, acaba causando “concorrência desleal”, pois os impostos brasileiros encarecem o produto. Conforme Petry, no ano passado o Brasil exportou 2,8 milhões de toneladas e até o momento o País já exportou quase 400 mil toneladas. “O mercado está forte, firme, sendo abastecido pelos produtos, o arroz não pode ser segurado nas mãos dos produtores, pois o mercado precisa fluir”, diz o produtor.
Apesar dos bons negócios, Petry comenta que dentro da porteira os impostos pagos pelos produtores chegam a média de 20%, mas até chegar ao final da cadeia, alcança quase 40%.
Segundo Pereira, a inclusão do arroz no Plano Brasil Maior é essencial para o setor, pois trará medidas importantes de desoneração dos investimentos e das exportações para iniciar o enfrentamento da apreciação cambial, avanço do crédito e fortalecimento da defesa comercial e ampliação de incentivos fiscais. Além disso, aposta também na facilitação de financiamentos e maior competitividade das cadeias produtivas. De acordo com a entidade, para o arroz beneficiado ser incluído no programa, ele tem que ser considerado produto manufaturado. O programa do governo federal para o período 2011-2014 visa a aumentar a competitividade da indústria nacional, a partir do incentivo à inovação tecnológica e à agregação de valor.
Embargos e altos impostos afetam setor de máquinas agrícolas – Apesar de o setor de máquinas e de implementos agrícolas no Estado não sofrer concorrência com outros países do Mercosul, a indústria paralisou com os embargos da Argentina
Os embargos impostos ao Brasil pela Argentina fizeram com que cerca de 200 itens fossem bloqueados na exportação para aquele país. O Rio Grande do Sul sofre diretamente as consequências e os prejuízos. O Estado produz 65% de máquinas agrícolas do Brasil e exporta 25% da produção para a Argentina (que é o terceiro maior produtor de soja do mundo), de acordo com Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers). “Estávamos trabalhando em prol de uma CPI do Mercosul, mas suspendemos a coleta de assinaturas visto que o governo sinalizou com a possibilidade de reação”, comenta o deputado federal Jerônimo Goergen (PP).
“Não estamos vendendo nada, está tudo trancado”, angustia-se o presidente do Simers, Cláudio Bier. De modo geral, de 35% a 40% do que o Rio Grande do Sul fabrica é vendido aos países do Mercosul. Desde quando se instituiu o mercado comum, todos os intercâmbios, com exceção de raríssimas mercadorias manufaturadas e, principalmente, dos gêneros supérfluos e produtos de cesta básica, possuíam o mesmo tratamento tributário, o que continua sendo amparado com os acordos de créditos recíprocos. No entanto, segundo Bier, os calçados são sobretaxados na Argentina.
Existem produtos com redução de ICMS, mas, conforme o presidente, um dos problemas são os encargos recorrentes dos impostos federais, como PIS e a Cofins, que são pagos mesmo quando se tem prejuízo. O Estado já recorreu da Justiça questionando essa contribuição para alguns casos específicos. Além desses, a dor de cabeça dos industriais, são os encargos sociais e trabalhistas, que pesam 25% sobre a folha de pagamento. “Os países vizinhos trabalham com o IVA e pagam sobre os resultados que obtiveram, e isso tem uma equalização mais justa”, compara o presidente.
Estado é contra a taxação de 30% sobre a carne exportada – O mercado da carne está em guerra. As principais entidades que representam os frigoríficos brasileiros solicitam ao governo federal a taxação de 30% na exportação de gado em pé. O Rio Grande do Sul e o Acre são responsáveis pelos maiores embarques de gado para os países do Oriente Médio e Rússia. O Estado possui tradição nesse mercado há pelo menos 60 anos e essa interferência do poderia prejudicar o bom andamento do setor. De acordo com o diretor da Farsul Hermes Ribeiro Filho, a alegação é de ociosidade em questão de matéria-prima para o abate nos frigoríficos. “Somos frontalmente contra a taxação”, diz o diretor. Ele argumenta que a venda para fora do País é muito baixa para justificar a falta de animais aos frigoríficos.
Em 2010, o Estado embarcou pouco mais de 26 mil cabeças de gado para Oriente Médio, em 2011, 17 mil e, em 2012, até o momento, não chega a seis mil. “Eles querem que o mercado externo, embora levando pouco, sirva de balizador para os preços internos”, interpreta. Segundo ele, existem muitos animais no Brasil. Somente no Rio Grande do Sul, nascem em torno de 3 milhões de terneiros por ano.
De acordo com o diretor da entidade, o Estado concede incentivos fiscais e tem o ICMS mais baixo para a indústria frigorífica. Mas, para ter acesso, é preciso entrar no programa Agregar RS, que reduz de 7% para 2% o imposto. Atualmente, de segundo ele, existem apenas 100 frigoríficos dentro desse programa, e há um universo de mais 700 empresas para se cadastrar. “Com o fortalecimento do Agregar RS, se consegue reduzir o abate clandestino e podemos garantir a saúde do consumidor que tem o direito de adquirir carne segura”, garante. Em razão disso, o diretor argumenta que os frigoríficos não podem queixar-se de que a tributação é alta, pois existem ferramentas que viabilizam o setor.
No ano passado, o Brasil exportou mais de 400 mil cabeças de gado, o menor volume desde 2008 devido ao recuo de importação pela Venezuela. Entidades como a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) defendem igualdade tributária entre o exportador de carne e o de gado vivo. O presidente da Abrafrigo, Péricles Salazar, cobra isonomia: “Estamos na contramão da agregação de valor.”
A Associação Brasileira de Exportadores de Gado (Abeg) encomendou estudo técnico que contrapõe os argumentos pró-taxação. Considerando os últimos cinco anos, o volume de gado exportado significou 2,9% do total de vagas ociosas para abate na indústria. E conclui que o imposto limitaria a comercialização, que tem elevado a renda no setor pecuário, e que as exportações são um canal eficiente para diluir o risco na atividade.
Emaranhado tributário engessa o agronegócio
O Brasil tem uma legislação tributária complexa, capaz de confundir até mesmo os maiores especialistas no assunto, que procuram entender a relevância de alguns tributos. Integrante do Instituto de Estudos Tributários (IET), o advogado tributarista da Pandolfo Advogados, Rafael Borin, acredita que, na prática, a carga tributária é prejudicial para economia.
Recentemente, a presidente Dilma Rousseff editou a Medida Provisória 563 que desonera o custo da folha de salários para alguns setores econômicos, em especial aos exportadores de tecnologia da informação. No entanto, Borin observa que essa redução de tributos sobre o custo da mão de obra não atingiu o agronegócio, de forma que ainda continua sendo alto para os empresários. “Se o agronegócio tivesse uma desoneração maior da sua folha de salários, teríamos certamente aumento na participação da receita na economia nacional e mundial”, analisa.
Segundo ele, outro entrave tributário é o acúmulo de créditos de PIS/Cofins em relação às empresas exportadoras. Ou seja, o governo federal está trancando aproximadamente R$ 4,5 bilhões de tributos pagos pelo setor exportador vinculado ao agronegócio, o que força o ingresso em ações judiciais. “Certamente, se tais créditos fossem liberados, teríamos um significativo incremento financeiro que fomentaria o setor”, garante.
O Mercosul, na opinião do tributarista, tem boa matriz, mas, com o passar dos anos, foi apresentando inúmeras distorções que acarretaram em perda de competitividade do agronegócio brasileiro. “Entendo que é importante manter o tratado, mas ele não tem conseguido atingir o objetivo de viabilizar a circulação de produtos entre os países, pois o preço utilizado no Brasil não é atraente”, explica.