Não se engane. A incrível disparada das cotações internacionais dos grãos nas últimas semanas pode ser classificada como um evento histórico de consequências consideráveis, duração de mais alguns meses e saldo negativo sobretudo em países em desenvolvimento, por seus reflexos sobre os preços dos alimentos.
Mas, levando-se em conta os fatores que catapultaram commodities como milho, trigo e soja aos estratosféricos patamares atuais, tanto os ligados aos fundamentos de oferta e demanda quanto os derivados de movimentos financeiros especulativos, as informações disponíveis indicam que uma crise “agroinflacionária” global sem precedentes será evitada, ainda que novas altas possam ser registradas neste trimestre.
Cálculos do Valor Data com base nas médias mensais dos contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) negociados na bolsa de Chicago mostram que o milho encerrou julho 35,5% mais valorizado que no mês anterior. No caso do trigo, a média foi 29,6% maior do que a de junho; na soja, o salto foi de 14,9%.
São variações poucas vezes vistas em Chicago (principal referência de preços para o comércio mundial de grãos), o que colabora para aumentar a ansiedade de quem vende e o temor de quem compra. No mercado de soja, é a maior alta entre médias mensais desde março de 2005; no de milho, desde junho de 1988, no caso do trigo, desde agosto de 1973, de acordo com o Valor Data.
O balanço também aponta que a soja atingiu, em julho, a maior média mensal da história em termos absolutos. O nível médio do milho foi o mais expressivo desde abril de 2011, enquanto o do trigo foi o mais elevado desde abril de 2008.
Os motivos que levaram às altas são conhecidos. Já em dezembro as cotações começaram a reagir às previsões de que o La Niña prejudicaria a produção de soja e milho na América do Sul na safra 2011/12, notadamente Brasil e Argentina, onde as colheitas começariam em janeiro.
Como lembra Antonio Sartori, da corretora gaúcha Brasoja, isso de fato aconteceu, alavancando os preços nos primeiros meses do ano, quando a demanda internacional por essas commodities permaneceu aquecida, com destaque para o apetite da China por soja.
Animados, os produtores americanos partiram para a semeadura de uma safra (2012/13) que tinha tudo para bater recordes. A área plantada de milho, por exemplo, foi a maior nos EUA desde a Segunda Guerra.
Mas o clima não ajudou, a seca e o calor se alastraram pelo Meio-Oeste e as curvas ascendentes de preços tornaram-se cada vez mais agudas em Chicago, “turbinadas” pelas apostas dos fundos de investimentos. Desafiaram inclusive a valorização do dólar, que tira competitividade dos produtos dos EUA, os maiores exportadores mundiais de grãos.
“Há um quadro de desespero entre os investidores globais. Não há quase opções no mundo para a rentabilização do capital, mas os futuros de commodities agrícolas, pelos problemas na oferta, estão entre elas”, afirma Fabio Silveira, sócio da RC Consultores.
O cenário ainda pode piorar. As lavouras americanas de milho ainda estão suscetíveis ao clima adverso e a produtividade poderá recuar ainda mais, ampliando perdas já estimadas em mais de 80 milhões de toneladas em relação às estimativas iniciais para o ciclo 2012/13.
Para a soja, plantada depois, os riscos são até maiores neste momento. Para ambos os grãos, observa Steve Cachia, da Cerealpar, relatório divulgado pelo Departamento da Agricultura dos EUA (USDA) na segunda-feira apontou os piores índices de lavouras em excelentes ou boas condições no país desde 1988.
Para que a situação não piore, são necessárias “chuvas bíblicas” em agosto no Meio-Oeste americano, como brincou um corretor. Mas não há milagres à vista nos radares meteorológicos, e as águas previstas tendem a ser insuficientes.
Nesse contexto, alguns analistas não duvidam que o milho ainda tenha fôlego para alcançar US$ 9 por bushel nas próximas semanas (a média de julho foi de US$ 7,5235) – carregando o trigo, que pode servir de opção na produção de rações -, e que a soja pode atingir US$ 20 por bushel (US$ 16,1032 em julho).
Sartori, da Brasoja, e Silveira, da RC, estão entre os que concordam que haverá forte volatilidade em agosto e setembro em níveis elevados e acreditam que esses picos poderão mesmo ser alcançados. Mas projetam médias próximas às de julho, um pouco superiores talvez.
Em primeiro lugar, porque a produção de milho dos EUA, mesmo menor, começará a entrar no mercado no fim de agosto. O mesmo acontecerá com a soja no fim de setembro, ampliando a oferta.
Também os consumidores já chegaram ao limite. Com seus mais de 5 mil anos de comércio, a China, melhor estocada, já não se mostra tão agressiva no mercado de soja; no México, os apreciadores de tortilla já protestam; no Irã as reclamações são em relação aos preços da carne de frango; e, no Brasil, os frigoríficos de aves e suínos pedem socorro (ver página B15), em um quadro de resistência que pode afetar a escalada.
Silveira observa que esses protesto ganham força em emergentes enquanto países desenvolvidos têm graves problemas, o que é outro entrave para a continuidade das disparadas dos grãos. E não descarta que crises em outras frentes gerem uma fuga dos fundos das commodities.
E, como todo ciclo de commodities, cotações elevadas estimulam a produção, o que ocorrerá na América do Sul em 2012/13. A Agroconsult é uma das consultorias que estimam migração de milho (são grandes os estoques brasileiros) para soja e colheita recorde da oleaginosa no Brasil. Previsões atuais também indicam que chuvas trazidas pelo El Niño poderão beneficiar as lavouras.
Nas contas da consultoria, 60% da safra de soja que começará a ser plantada em Mato Grosso – em uma área maior que na temporada passada – em setembro já está vendida em função dos preços atuais.
O Estado não sofreu com o clima em 2011/12, alimentou as exportações recordes de soja do país no primeiro semestre e tem seus principais polos regionais bem capitalizados – o lado bom de disparadas agrícolas. O Sul teve menos sorte, mas poderá se recuperar mesmo que os preços se estabilizem em patamares um pouco menores.