A FAO divulgou recentemente informações sobre a fome global que alcançou 870 milhões de pessoas nesse ano sendo 97% os habitantes dos países em desenvolvimento, enquanto no Brasil algo em torno de 13 milhões ainda sofrem com a desnutrição. A diminuição de 132 milhões afetados nesse contingente tem permitido inferir que ainda é possível atingir os Objetivos do Milênio e reduzir para metade o número de famintos até 2015, embora na África o número tem aumentado consistentemente e desde 2006, adicionam-se outros 3 milhões de famintos nos países desenvolvidos.
Tais pressupostos confirmam que para as pessoas comerem bem não basta apenas aumentar o suprimento, mas também assegurar a qualidade sanitária dos alimentos disponíveis e o conteúdo nutricional a fim de extirpar a paradoxal coexistência da subnutrição e da obesidade. Esse desafio arrebatador demanda maior afinidade entre a teoria e a prática e máxima sinergia entre as autoridades reguladoras que formulam as políticas públicas e o setor privado, co- responsáveis pelo dinamismo das cadeias produtivas.
É importante salientar que a sociedade contemporânea convive em um ambiente “glocal” – neologismo resultante da fusão dos termos globalização e localização – e a produção local transcende fronteiras para servir uma cultura absolutamente global.
O cenário multidimensionado tem alterado sobremaneira os sistemas voltados à segurança, principalmente por conta das alterações do clima e práticas agrícolas, aumento no volume e diversidade de alimentos comercializados, maior demanda por proteção à saúde e modificação do comportamento humano e ecologia. Esse conjunto de fatores focado na segurança alimentar tem exigido sistemas de detecção mais eficientes e o gerenciamento dos perigos à ela inerentes.
No caso das carnes, ovos e leite, o vetor resultante deve proporcionar condições adequadas ao processo de elaboração, inclusive de caráter higiênico-sanitárias, assegurar a conformidade e a inocuidade dos produtos destinados à alimentação dos animais doadores e assim garantir a segurança dos alimentos consumidos.
O Brasil é um dos protagonistas na produção de alimentos e líder na exportação de proteína de origem animal, não por acaso, mas por conta das contínuas melhorias implementadas que asseguram a credibilidade dos nossos produtos pecuários, os quais alcançam mais de uma centena de destinos além das fronteiras e tem faturado quase 15 bilhões de dólares na exportação de carne bovina, suína e de frango, além de alimentar e empregar milhões de trabalhadores e contribuir decisivamente para o superávit da balança comercial e desenvolvimento econômico local.
Um bom exemplo de melhoria eficaz foi o reforço orçamentário aplicado pelo Ministério da Agricultura no Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes/PNCRC que recebeu investimentos em infraestrutura e capacitação das equipes, teve aumentada sua capacidade laboratorial, aprimorados os mecanismos de supervisão e controle capazes de quadruplicar o número de amostras analisadas anualmente e de monitorar mais de 200 analitos em 2012. O escopo legal do PNCRC é proteger o interesse e a saúde dos consumidores, da produção agropecuária e dos produtores, do ponto de vista da segurança química e microbiológica.
O retorno desse investimento veio através dos inspetores do Food and Veterinary Office/FVO que recentemente declararam reconhecer os progressos significantes da implementação do programa que cobre todos os grupos relevantes de substâncias requeridos pela Diretiva Europeia e que particularmente resultou em avanços no processo de preparação para acreditação e validação de métodos analíticos.
Simultaneamente, o Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários/DFIP tem interagido com os demais representantes que integram os Comitês de Medicamentos Veterinários e Contaminantes em Alimentos do Codex Alimentarius e contribuído decisivamente na revisão dos respectivos protocolos, além de participar ativamente da Força-Tarefa que vem elaborando o protocolo harmonizado para análise do risco e do guia para priorização de perigos químicos e microbiológicos em alimentação animal.
Em 2011 o Sistema Europeu de Alerta Rápido em Alimentos/RASFF notificou 396 violações envolvendo o Brasil, sendo que 86 delas referiam-se à produtos para alimentação animal. Os fabricantes dessas soluções nutricionais desempenham papel fundamental na minimização das não conformidades porque estabelecem o elo de transição de insumos (cereais, oleaginosas, farinhas e gorduras de origem animal, minerais, aditivos e melhoradores de desempenho, etc.), dos fornecedores primários até os criadores de animais.
Dentre diversas ferramentas acessórias, o empreendedor do setor lança mão do programa de boas práticas de fabricação que estabelece as condições higiênico-sanitárias das instalações, equipamentos, utensílios, pessoal e linha de produção, qualificação de fornecedores e controle de matérias-primas, prevenção de contaminação cruzada, rastreabilidade e recolhimento dos produtos avariados. No caso do emprego de medicamentos veterinários, deve manter locais separados para armanezamento e pesagem, controlar rigorosamente a sequência e homogeneidade de mistura, validar os procedimentos de limpeza, e dosar de acordo com a prescrição originária do médico veterinário que é o responsável legítimo pelo uso racional (dose e tempo de retirada).
Há algum tempo, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem enviesado mais supervisão e incentivado a cadeia produtiva a estabelecer protocolos de responsabilidade mútua. Ou seja, a iniciativa privada deve comprovar a eficácia e segurança do produto, enquanto cabe ao Governo atestar sua viabilidade.
A integração dessas ações público-privadas tem culminado na promoção do desenvolvimento sustentável, defesa da competitividade da pecuária e benefício da sociedade no contexto “glocal”.
A FAO celebra o Dia Mundial da Alimentação nesse Outubro que se finda, mas continua o esforço do Brasil no combate à fome.
Ariovaldo Zani é Vice-Presidente Executivo do Sindirações