Embora possua um regime de câmbio flutuante, o Brasil é um dos países que mais fazem intervenções no mercado cambial. Nos últimos anos, a média de atuação foi elevada – a cada dez dias, o Banco Central (BC) comprou ou vendeu dólar em seis. O excesso de intervenções, com o objetivo de suavizar tendências (majoritariamente, de valorização do real frente ao dólar), está aumentando a previsibilidade da taxa de câmbio e, dessa forma, gerando lucros para agentes privados.
Em janeiro de 2004, o BC anunciou oficialmente o início do processo de acumulação de reservas internacionais, pautado, segundo explicitou à época, “pelas condições de liquidez existentes a cada momento, objetivando atuar de forma neutra sobre a volatilidade do mercado cambial e sobre a flutuação da taxa de câmbio”. De lá para cá, as reservas saltaram de US$ 49,1 bilhões para US$ 290,6 bilhões (posição do dia 17).
A acumulação de divisas se mostrou, com o tempo, uma decisão acertada. Depois de sofrer uma crise cambial no início de 1999, o Brasil adotou o regime de câmbio flutuante, sistema que permite amortecer o impacto de crises externas. Nos anos seguintes, no entanto, indo na contramão de muitas economias, especialmente das asiáticas, o país não acumulou reservas. Em 2002, sofreu uma nova crise de confiança e, para não quebrar, foi obrigado a pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional.
A forte acumulação de reservas a partir de 2004 permitiu que o Brasil sobrevivesse à severa crise financeira internacional de 2008/2009. A formação desse seguro anticrise, como se sabe, tem elevado custo fiscal, graças ao diferencial de taxa de juros existente entre o Brasil e o resto do mundo. Agora, o professor José Luiz Rossi Júnior, do Insper, decidiu estudar o grau de previsibilidade da taxa de câmbio no mercado brasileiro e verificar se isso tem alguma relação com as intervenções do Banco Central.
Rossi Jr. analisou o período que vai de 2 de janeiro de 2004 a 30 de setembro de 2009, quando o volume de intervenções somou US$ 165,5 bilhões. Ele constatou que, nesse intervalo, o BC atuou em 60,6% dos dias analisados. O estudo mostra também que a probabilidade de intervenção em determinado dia, dado que houve atuação no dia anterior, foi de 89,02% nesse período.
“Esses dados apontam para uma particularidade das intervenções oficiais no Brasil, que é a alta frequência com a qual a autoridade monetária atua no mercado de câmbio, frequência essa que é rara de ser encontrada em estudos realizados em outros países”, diz o especialista. Apesar disso, há enorme pressão de setores da sociedade e mesmo do governo (Ministério da Fazenda) para que se intensifiquem ainda mais as intervenções.
As atuações no câmbio revelam que o BC teve sempre um comportamento “leaning against the wind”, isto é, contra a corrente. A instituição comprou divisas – e segue comprando – quando a taxa de câmbio apreciou e vendeu nos momentos de desvalorização acentuada da moeda nacional. A análise técnica de Rossi Jr. conclui que a atuação do BC está provocando algum nível de previsibilidade no comportamento da taxa de câmbio.
“A hipótese testada é de que a presença do BC no mercado como um agente relevante em termos de volume e informação, e que não necessariamente tem como objetivo o ganho financeiro em suas intervenções, poderia, de alguma forma, estar relacionada com previsibilidade no comportamento da taxa de câmbio. De fato, quando as intervenções oficiais são removidas da amostra testada, a lucratividade da regra de negociação se torna estatisticamente não diferente de zero”, explica o professor.
Em outras palavras, o aumento da previsibilidade provocada pelos constantes movimentos do BC no mercado de câmbio está levando os agentes privados a lucrarem com as intervenções. As autoridades alegam que o objetivo dessas atuações não é defender uma determinada taxa de câmbio. É fato que não há uma meta clara, um piso pré-definido, mas, como a tendência de longo prazo do câmbio no Brasil é a apreciação, fica claro que o BC age para impedir que o dólar caia abaixo de determinados níveis.
O regime de flutuação “suja” do câmbio não é uma particularidade brasileira e ele se justifica pela necessidade de evitar movimentos abruptos nas cotações. Uma forte depreciação, lembra Rossi Jr., pode provocar inflação e prejudicar empresas endividadas em dólar. Já uma apreciação rápida diminui a competitividade dos produtores nacionais e deteriora as contas externas.
“Parece estar aí a resposta sobre os motivos que levariam o BC a transferir recursos para o setor privado. Provavelmente em seu entender, esse custo é mais do que justificado pelos benefícios trazidos por um gerenciamento cauteloso do regime cambial e das reservas. A julgar pelos resultados obtidos até aqui em termos de indicadores macroeconômicos, a estratégia parece estar funcionando”, diz o especialista.
Tudo isso é verdade, mas não dá para negar que o excesso de intervenções gera custos e distorções. A previsibilidade do câmbio, com geração de lucros para particulares, é um desses efeitos.