Em frente à lavoura de trigo de Zhao Yuanyi, do outro lado da estrada, na província chinesa de Shandong, o Chonche Group amplia uma fábrica de vagões de trem em 227 hectares antes ocupados por terras agrícolas. Nas proximidades, a Geely Automobile Holdings produz sedãs em área de 87 hectares, que há quatro anos estava coberta de lavouras.
As fábricas alastrando-se a partir da cidade de Jinan, 350 quilômetros ao sul de Pequim, colocam Zhao na linha de frente do confronto entre a política da autossuficiência alimentar e o crescimento industrial que tornou a China a segunda maior economia mundial. Quem vem ganhando é a industrialização, sinal de que os preços de culturas como o trigo e milho aumentarão, com a China cada vez menos capaz de alimentar localmente sua população e tendo de concorrer nos mercados mundiais para se abastecer.
“Neste ano, talvez no próximo, eles vão desenvolver o meu campo”, diz Zhao, embaixo de uma torre de telefonia celular da China Mobile, em uma das margens da terra que cuidou por toda sua vida. O governo comprará sua propriedade, pagando 1,8 mil yuans (US$ 276) por mu (667 metros quadrados), o que significa cerca de 2,7 mil yuans por pessoa no vilarejo.
A terra para agricultura na China encolheu em 8,33 milhões de hectares nos últimos 12 anos, segundo Chen Xiwen, principal assessor agrícola do premiê Wen Jiabao. A terra cultivada já caiu quase para o limite estipulado pelo governo, de 120 milhões de hectares, após virar alvo de fábricas, prédios residenciais, campanha de reflorestamento e ser atingida pela desertificação. A seca atingiu a principal região de plantio de trigo.
“O aumento na demanda chinesa por commodities agrícolas significará uma alta nos preços mundiais”, disse David Stroud, executivo-chefe do fundo nova-iorquino TS Capital Partners. “A China pode superar qualquer outro ofertante pelas commodities que desejar”.
Os investidores deveriam apostar em culturas com menor oferta na China, sendo que o trigo e o milho atualmente oferecem as melhores oportunidades, afirmou.
Os contratos futuros de trigo em Chicago poderão fechar o trimestre com preço médio de US$ 8,05 por bushel, 89% a mais do que o ponto mínimo de 2010, uma vez que os agricultores encontram dificuldade para recompor os estoques mundiais, segundo informe do Rabobank. Os contratos de milho podem chegar ao recorde de US$ 10 por bushel, disse o analista Alex Bos, do Macquarie Group.
Um declínio de 5% na colheita total de grãos da China potencialmente exigiria 20% das exportações mundiais de grãos para que as necessidades anuais do país fossem atendidas. O trigo em Chicago atingiu em fevereiro seu maior patamar desde 2008, por receios de que a seca estivesse afetando a colheita chinesa e elevando o risco de o país drenar o mercado mundial.
Altas nos alimentos provocam distúrbios, além de ampliar a diferença entre ricos e pobres, segundo estudo do Fundo Monetário Internacional, elaborado pelos economistas Rabah Arezki e Markus Brueckner. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, disse em fevereiro que a alta dos preços era “um fator agravante” nas manifestações no Oriente Médio.
A Geely, com ações listadas em Hong Kong, e a Chonche, de capital fechado, vêm usando terras que a China precisaria para compensar as deficiências em áreas mais desenvolvidas. O crescimento das cidades e a disseminação das fábricas em regiões costeiras úmidas de plantação de grãos, como Jiangsu e Zhejiang, aumentam a pressão sobre as províncias de clima mais seco, como Hebei e Shandong.
“A produção de alimentos está cada vez mais concentrada nas áreas do norte, que sofrem com falta de água”, escreveu Chen, o assessor agrícola. Isso é “preocupante para a segurança alimentar”. Wen comprometeu-se a domar os custos e colocou o combate à inflação, que ameaça a estabilidade social, como prioridade do governo.
O espaço para melhorar o rendimento pode ser limitado, já que os agricultores de trigo na China já são 51% mais produtivos em relação à área plantada que os dos EUA, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Embora o investimento em irrigação e tecnologias como os transgênicos possa incrementar a eficiência, a falta de água e de terras, assim como a migração de mão de obra para as cidades, deixa a produção de grãos sobre uma “base instável”, disse Qian Keming, chefe da divisão de informações econômicas e de mercado do Ministério da Agricultura. “Com o aumento no padrão de vida e um consumo maior de carne, ovos e laticínios, inevitavelmente, o consumo de grãos também estará em alta.”
Em 2010, os chineses comeram 20% a mais de frango do que em 2006, enquanto o consumo de carne suína subiu quase 11%, conforme o USDA. São necessários 2 quilos de ração para produzir 1 quilo de frango e cerca do dobro disso para 1 quilo de carne suína, de acordo com o Earth Policy Institute, de Washington.
A China, maior produtor de grãos do mundo, era exportadora líquida de soja até 1995. Para este ano, a previsão é de importar 57 milhões de toneladas, quase 60% do comércio mundial do produto, usado em rações e tofu.
Archer Daniels Midland, Bunge e Cargill estão entre as empresas de alimentos americanas que em janeiro fecharam acordos de US$ 6,68 bilhões para fornecer soja á China, segundo o Conselho de Exportação de Soja dos EUA.
Os alimentos importados pela China representam uma parcela “minúscula” do consumo doméstico, em torno de 3%, segundo Frederic Neumann, economista do HSBC Holdings, que trabalha em Hong Kong. “Se isso duplicasse para 6%, implicaria compras enormes no mercado mundial. Quem tiver mais poder de fogo financeiro levará o preço para cima, e países menores terão de pagar”.
A produção mundial de alimentos terá de crescer 70% entre 2010 e 2050, à medida que a população global deve alcançar 9,1 bilhões e a renda maior elevará o consumo de carne e laticínios, segundo previsão da Agência para Agricultura e Alimentação da Organização das Nações Unidas (FAO, na sigla em inglês) feita em 2010.
Até 2015, 51,5% da população da China morará em cidades. Em 2000, a parcela era de 36%, de acordo com números do Banco Mundial. A população da China é superior a 1,3 bilhão atualmente.
O crescimento das cidades chinesas faz parte de uma tendência mundial, que pressiona o preço dos alimentos para cima, disse Jeffrey Currie, chefe de análise de commodities do Goldman Sachs Group, em Londres. Com a aceleração da demanda decorrente da “urbanização e da mudança de dieta, com maior consumo de proteínas, precisaremos cultivar áreas maiores”, disse Currie, em fevereiro, em Hong Kong. O problema é que “temos uma área finita”.
A terra agrícola per capita da China é inferior à metade da média mundial e equivale a um sexto do verificado nos EUA. A perda real dessas áreas pode ser ainda maior do que indicam os números oficiais, já que autoridades distorcem dados e o uso ilegal das terras se prolifera.