Um novo confronto entre o Brasil e os Estados Unidos e outros desenvolvidos ocorreu ontem, em Paris, em reunião de ministros de cerca de 20 países sobre o que seria possível anunciar como medida de liberalização comercial no fim do ano, mesmo sem a conclusão da Rodada Doha.
A negociação global está bloqueada por causa de diferenças irreconciliáveis entre os Estados Unidos e os principais emergentes – Brasil, China e Índia – em torno da demanda americana por acesso adicional ao mercado dessas economias para seus produtos industriais. Em Paris, a maioria dos ministros, com a rara exceção dos EUA, admitiu que é preciso continuar a negociação. E, segundo ponto, de que não podem chegar à conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC), no fim do ano em Genebra, sem ter o que apresentar em termos de compromisso, sob ameaça de debilitar e afetar mais a credibilidade da entidade.
A questão é qual o pacote para dezembro. O Brasil foi o primeiro a sugerir ontem que a única medida possível que não suscita divergência é para beneficiar as exportações dos países mais pobres do mundo, por exemplo eliminando as tarifas de importações sobre seus produtos.
A delegação brasileira, composta do subsecretário de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Valdemar Carneiro Leão, e pelo embaixador em Genebra, Roberto Azevedo, alertou que qualquer tentativa de fazer um pacote maior implicará demandas recíprocas que alimentariam novas divergências e manteriam também essa parte da negociação atolada.
Rob Kirk, o representante dos EUA, e ministros da União Europeia, Austrália e outros, reagiram cobrando a inclusão também de medidas de facilitação de comércio, alegando que isso liberalizaria as trocas mundiais em dezenas de bilhões de dólares.
Facilitação do comércio é algo que todo mundo aceita. Só que, nos detalhes, a divergência começa. Na visão brasileira, implicaria reduzir de forma espetacular as inspeções de mercadorias em trânsito, de forma que um produto passando pelo Porto de Santos com destino ao Paraguai, não seria examinado. Só que os brasileiros sabem que ele depois volta para o Brasil, na chamada circunvenção. O Brasil teria que se comprometer com mais rapidez na alfândega, além de abrir mão de uma série de possibilidades de hoje frear importações, como engavetar licença de importação. O Brasil e outros emergentes aceitam discutir tudo isso, desde que sejam compensados, por exemplo com os americanos e europeus eliminando os subsídios no crédito à exportação de produtos agrícolas, algo do qual nem querer falar.
O que realmente interessa ao Brasil em facilitação de comércio (que é a cooperação aduaneira), para combater subfaturamento de mercadorias, é rejeitado pelo EUA e outros desenvolvidos. Diante da pressão americana, a delegação brasileira disse que acrescentar algo no pacote de dezembro, além da ajuda aos países pobres, empurraria os países para nova armadilha em Doha.
Começou então um bate-boca, com os EUA, europeus e australianos insistindo na posição de que a OMC precisaria aprovar algo para os empresários no fim do ano. O Brasil retrucou que dependia de quais empresários, porque os interesses do “business” americano não é necessariamente o do “business” brasileiro. Diante da “saia justa”, os americanos demonstraram sua insatisfação. O Japão, que cobra também, não quer nem ouvir falar em acabar subsídios para o setor pesqueiro.
Enquanto os ministros divergiam em Paris, os líderes do G-8 em Deauville prometiam mais uma vez insistir na Rodada Doha, repetindo a velha ladainha hoje sem nenhuma credibilidade.