Muito se tem falado sobre a chamada agroinflação, a alta dos preços dos alimentos em todo o mundo, que resulta da conjugação de vários fatores.
Em primeiro lugar, os problemas climáticos ocorridos durante 2010 em várias partes do mundo, que afetaram as safras de grãos e, por extensão, reduziram os estoques; segundo, a retomada da atividade econômica internacional após a profunda crise ocorrida entre 2008/2009; terceiro, o efeito China, país que passou a adquirir grandes volumes de soja nos últimos anos para alimentar a sua população emergente, compras essas que devem se estender a partir de agora também para o milho; e, quarto, a destinação de milho para produção de etanol nos Estados Unidos e também de parte dos óleos vegetais como matéria-prima básica para a fabricação de biocombustível no Brasil e na Europa.
Em relação ao milho, 40% da produção dos Estados Unidos é utilizada na produção de etanol, sendo que esse percentual tem crescido ao longo dos últimos anos. Em relação aos óleos vegetais, estima-se que cerca de 10% da produção mundial tenha a finalidade da produzir biodiesel. No Brasil, segundo maior produtor de soja do mundo, a produção de biodiesel se dá, em sua maior parte, com óleo de soja – um produto de valor alimentar tão nobre quanto o milho – para a fabricação de biodiesel, misturado à proporção de 5% no óleo diesel comum. Segundo dados oficiais, mais de 10% da safra brasileira de soja têm essa destinação. Isso tudo faz com que as cotações dessas commodities se mantenham em níveis elevados, relembrando o “boom” de preços que vivemos até meados do segundo semestre de 2008, quando esses mesmos fatores faziam grande pressão sobre as cotações.
Importante ressaltar: é louvável e absolutamente necessária a produção de biocombustíveis por meio de diferentes fontes. Não cabe aqui questionar a política americana de utilização do milho para essa finalidade, ainda que o produto final seja muito menos competitivo que o etanol da cana-de-açúcar. Além de sua contribuição para uma atmosfera mais limpa, eles diminuem a dependência em relação aos países produtores de petróleo – uma commodity igualmente em alta.
A agroinflação suscita estudos que sugerem até mesmo delírios como a regulação dos preços das commodities
No entanto, o tema agroinflação, que toma conta dos noticiários, enseja um cenário preocupante e suscita estudos que sugerem até mesmo delírios como a regulação dos preços das commodities, proposta por alguns países desenvolvidos, algo que contraria a lógica e o próprio entendimento dos mercados.
Cabe lembrar que esses mesmos países, ao longo dos últimos anos, protegeram seus mercados com subsídios e restrições às importações, imputando aos produtores dos países emergentes dificuldades de acesso aos mercados com consequente redução de preços, perda de rentabilidade e redução de investimento em suas lavouras.
Há que se concordar que a situação chegou a tal ponto porque não se fez, em épocas de abundância, o devido e necessário provimento de estoques reguladores, uma prática que deveria ser implementada de forma prioritária por países ricos e emergentes em nome da própria segurança alimentar.
Há que se concordar, também, que o desenvolvimento de países como China, Índia, Rússia e Brasil, entre outros, cuja população adquiriu maior poder aquisitivo nos últimos anos, pressiona fortemente a demanda por alimentos, o que alterou de modo definitivo a fisionomia do mercado internacional.
O problema é que não há como ampliar, em curto período de tempo, a oferta de alimentos, a menos que tenhamos clima favorável em todas as regiões produtoras do planeta. Porém, se em 2011 tivermos novamente problemas climáticos, o quadro tende a agravar-se, assumindo contornos imprevisíveis e acentuando ainda mais o dilema alimentos x biocombustíveis.
No Brasil, avançamos muito nas últimas três décadas, a produtividade foi ampliada com o emprego de modernas tecnologias, mas podemos verificar que a superfície cultivada não avançou no mesmo ritmo. Na Argentina, com todas as suas limitações, a evolução da produção foi mais intensa. Na década que terminou em 2010, a área para produção de soja no Brasil cresceu 78%, enquanto na Argentina a expansão foi de 116%.
Espaço para crescer não nos falta. Temos 220 milhões de hectares de pastagens no país, a maior parte mal aproveitada e de baixo retorno econômico. Com uma pecuária de alta performance, conduzida com enfoque empresarial, seria possível reduzir à metade a superfície de pastos usada pelo mesmo rebanho, abrindo espaço para a agricultura.
Estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) aponta que o mundo precisará aumentar em 70% a produção de alimentos, até 2050, para atender a uma população que deve chegar a 9 bilhões. Como chegar a isso?
No caso específico do Brasil, um grande fornecedor de alimentos, é preciso que se olhe com especial atenção para o desenrolar dos fatos que avançam para o desfecho da tão discutida reforma do envelhecido Código Florestal, de 1965. Eis aí um debate permeado de interesses que vão às raias do absurdo, entre eles a limitação do espaço agricultável em favor de florestas, penalizando milhões de produtores que hoje fazem do país, justamente, um dos principais provedores de alimentos do mundo.
Da mesma forma, é preciso oferecer mecanismos de apoio ao setor produtivo. Para se ter ideia, a lei do crédito rural, editada em 1967, está, a exemplo do Código Florestal, completamente desatualizada.
A questão, portanto, é complexa. Quando a dona de casa vai ao supermercado e reclama do preço do óleo de soja, nem sempre tem condições de entender os desdobramentos de um grande sistema em que, como consumidora final de um produto, está inserida.
Pelo lado da produção, o que o agricultor anseia são condições estáveis para continuar produzindo e alimentando o mundo. Fortes oscilações de preços resultam em desajustes entre custos e receitas, causando ganho em um primeiro momento e perda no segundo. Decisões precipitadas que promovam a ida do céu ao inferno em um curto espaço de tempo somente criam instabilidade na produção, o que resulta no quadro de aperto que estamos vivendo agora.
É preciso que governos se debrucem sobre o tema com equilíbrio e sensatez, em busca de soluções eficazes e duradouras.
Luiz Lourenço é presidente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial