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Brasil Foods

A vida da Brasil Foods depois do Cade

Após ter a fusão aprovada pelo Cade, a BRF enfrenta o desafio de integrar Sadia e Perdigão e abrir mão de R$ 1,5 bi em ativos.

Na última quinta-feira, os funcionários da Sadia receberam novos crachás. Eles agora fazem parte, oficialmente, da Brasil Foods (BRF), a empresa criada depois da fusão entre Sadia e Perdigão. O negócio foi fechado em maio de 2009, mas só na semana passada o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) autorizou a junção das duas companhias.

O aval do Cade deu a largada para um processo de integração que promete ser acelerado. Na sede da companhia em São Paulo, onde Sadia e Perdigão funcionavam em andares separados, o pessoal administrativo já começa a ser realocado hoje. Nos próximos meses, será a vez de unir a produção, a distribuição e a área comercial das empresas.

A BRF agora vai colocar em prática um plano de 223 ações desenhado pela consultoria McKinsey, que está pronto há mais de um ano e inclui desde medidas simples – como escolher uma única seguradora para toda a companhia – até a nova distribuição da produção pelas várias fábricas. A parte mais complicada deve ser a integração comercial. Os times de vendedores das marcas Sadia e Perdigão serão mantido em separado, mas a operação financeira será uma só.

Até agora, um documento firmado com o Cade restringia a integração em várias áreas. Na semana passada, esse impedimento finalmente deixou de existir. Depois de intensas negociações, os conselheiros do Cade aprovaram a fusão – mas com algumas restrições. A BRF terá de vender um grupo de 12 marcas populares e outros ativos, como 10 fábricas, oito centros de distribuição e quatro abatedouros, além de suspender temporariamente as marcas Perdigão e Batavo em um grupo de produtos.

José Antonio do Prado Fay, presidente da nova companhia, embarca nesta semana em uma maratona. Com o jatinho da empresa, ele vai visitar as fábricas a serem vendidas. A Brasil Foods mantém sigilo sobre a localização dessas plantas, porque o processo de transferência ao novo dono promete ser traumático. Em cidades pequenas, a vida da população praticamente gira em torno da companhia. “O foco agora é comunicar aos nossos funcionários o que está ocorrendo”, diz Fay.

Para dar conta de tudo que precisa ser feito, a BRF criou um “comitê interno de reconfiguração”, com 80 pessoas de áreas como marketing, produção e distribuição. Até o início de agosto, esse grupo precisa traçar planos em duas frentes: definir as novas estratégias diante dos compromissos assumidos com o Cade e organizar os ativos a serem vendidos em uma nova empresa. É preciso, por exemplo, concentrar a produção das marcas populares nas fábricas à venda.

O objetivo final desse processo é capturar as sinergias da fusão – que podem chegar a R$1 bilhão por ano, segundo estimativa do banco Credit Suisse. A empresa é mais conservadora e espera atingir metade disso. Independentemente do número, o mercado recebeu com otimismo a decisão do Cade. Analistas veem um potencial de alta nas ações da BRF. A margem Ebitda (uma medida importante de rentabilidade) deve chegar a 14,5%, contra a média de 11% dos últimos dez anos.

Boa parte da receptividade do mercado se deu porque o acordo com o Cade foi mais brando que o previsto. No mês passado, o relator do processo, Carlos Ragazzo, votou pela reprovação da fusão. “Foi um resultado muito positivo para a BRF, já que as restrições não foram tão onerosas como poderiam ter sido”, disseram os analistas do banco HSBC em relatório.

Perdigão. Das restrições impostas pelo Cade, a mais dura é a suspensão, entre três e cinco anos, da marca Perdigão em oito categorias. Mas o impacto é relativo: apenas 8% do faturamento total. Provavelmente, a empresa só terá grandes dificuldades com a concorrência nos mercados de presunto e linguiça, que apresentam maior volume.

Além disso, a marca Perdigão será mantida em uma série de produtos, sem restrição de investimentos em marketing. “A marca se mantém totalmente ativa e íntegra, presente na vida dos consumidores”, diz Nildemar Secches, presidente do conselho de administração da BRF e um dos principais responsáveis pelo crescimento da Perdigão.

Se tem uma coisa que preocupa, de fato, os executivos dentro da empresa é como atender a crescente classe C do País praticamente sem marcas populares. A estratégia principal é manter a marca Perdigão um pouco mais barata, enquanto a Sadia segue com posicionamento premium.

Nos segmentos em que a Perdigão será suspensa, os analistas dizem que uma alternativa seria reduzir sutilmente o preço da Sadia para atrair os consumidores emergentes da classe C. O grande temor da companhia é que essa redução acabe arranhando a principal marca. “Esse é um assunto complexo. Honestamente ainda não sei como vamos fazer”, diz Fay.

Ao todo, o impacto das marcas suspensas e dos ativos a serem vendidos chega a 13% da receita da Brasil Foods – um cálculo feito com base nas vendas de 2010. “Acredito que metade dessa receita será retomada até o fim do ano. Em dois anos, a empresa já deve ter recuperado tudo”, diz Gabriel Andrade Vaz de Lima, analista do Santander.

O principal caminho para chegar lá é a inovação. Pelas determinações do Cade, a empresa não pode lançar marcas. Então, a saída para crescer será criar produtos diferentes. Por exemplo: a BRF vai colocar em breve no mercado um queijo Sadia.

Concorrentes. Ao mesmo tempo em que une Sadia e Perdigão, a Brasil Foods será obrigada pelo Cade a, literalmente, “criar” uma empresa e entregá-la a um concorrente. Resultante da junção de todas as marcas e fábricas a serem vendidas, essa companhia pode valer no mercado entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2,2 bilhões, na avaliação do banco Credit Suisse. O faturamento estimado da novata é de R$ 1,7 bilhão, com capacidade de processamento de 730 mil toneladas de carne.

Três concorrentes – Marfrig, JBS e Tyson – já entraram em contato com a Brasil Foods, interessados no negócio, além de dois fundos de private equity. Nesta semana, a BRF vai contratar um banco para organizar a venda. Executivos do mercado acreditam que o mais beneficiado com a compra seria o Marfrig.

Isso ocorre porque a empresa já controla a Seara, que atua no setor de frango e suínos. Se levasse o espólio da Brasil Foods, a Seara mais que dobraria de tamanho, podendo atingir um faturamento de quase R$ 3 bilhões. Apesar disso, ainda seria apenas 30% do negócio da BRF no mercado interno de carnes, excluindo as exportações.

Os concorrentes avaliam que a venda não mudará significativamente o equilíbrio de forças no setor. Segundo um dos prováveis candidatos, as marcas em jogo são pouco relevantes, com exceção da margarina Doriana, e já existe grande oferta de fábricas de alimentos processados no País. O que interessa mesmo é o know-how de vendas da BRF – que não está no pacote.

“Estamos vendendo as nossas fábricas e toda a nossa eficiência de produção. Ou seja, o comprador vai conseguir produzir ao mesmo custo que a BRF, o menor do mercado”, disse Wilson de Mello Neto, vice-presidente de assuntos corporativos da empresa. A BRF não divulga o prazo para a venda dos ativos, mas o Estado apurou que não deve passar de meados do ano que vem. Até lá, as negociações serão intensas e o esforço de integração da empresa, brutal. Só depois disso a fusão de Sadia e Perdigão, anunciada em 2009 e articulada desde muito antes, estará finalmente concluída.

Suspensão de marcas

Pelo acordo assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a BRF será obrigada a suspender – entre cinco e três anos – produtos das marcas Perdigão e Batavo, entre eles presunto, linguiça, lasanha e pizza congelada. 12 marcas terão de ser vendidas, como Rezende, Doriana, Escolha Saudável, Fiesta e Light Ellegant