Provocar um aumento significativo na rentabilidade do campo através da redução dos índices de infecção do rebanho suíno é a tarefa assumida pelo professor Odir Dellagostin, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ele trabalha há seis anos para criar uma vacina eficiente contra a Mycoplasma Hyopneumoniae, bactéria que retarda o desenvolvimento dos animais e abre caminho para doenças graves.
Embora a bactéria não cause riscos ao consumidor, nem provoque diretamente danos maiores que a perda de peso e o atraso no crescimento dos animais, ela afeta quase a totalidade das criações de suínos, nenhuma região do mundo escapa. Infectados, os porcos apresentam lesões na mucosa do sistema respiratório, feridas internas que dão acesso privilegiado para outras bactérias capazes de comprometer inclusive o status sanitário do País. Neste ano, a exportação de carne suína já responde pelo ingresso de US$ 829 milhões, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), referentes aos sete primeiros meses.
“Existem vacinas contra a Mycoplasma no mercado. Mas são vacinas que deixam muito a desejar, porque, mesmo vacinado, o animal pode adoecer. Em função disso, buscamos desenvolver uma vacina mais eficiente. A ideia surgiu com o projeto Genoma Sul, um trabalho feito em rede, por laboratórios do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, para sequenciar o genoma dessa bactéria. Com a conclusão dessa etapa, demos início ao que chamamos de Fase 2, quando começamos a esmiuçar as informações e tentar transformar esse conhecimento em produto”, explicou o professor, que já foi agraciado com o prêmio O Futuro da Terra em 2007.
Desde a conclusão dos trabalhos do Genoma Sul, em 2005, os 20 pesquisadores ligados ao laboratório comandado por Dellagostin selecionam, no genoma da bactéria, os segmentos que codificam para proteínas de superfície, aquelas que entram em contato com o sistema imunológico dos animais e têm maior potencial para serem usadas em uma vacina. O grupo tem o apoio de mais 100 cientistas, de outras universidades e centros de pesquisa no País.
Identificados esses genes, eles são clonados e as proteínas, de forma purificada, é que são avaliadas para compor a vacina. Os testes já começaram, mas o cientista resiste à ideia de apontar um prazo para a transformação das experiências em produtos comerciais. Segundo ele, no melhor dos cenários, com os testes dando os resultados esperados, a conclusão pode levar seis meses. Mas é possível que os resultados sejam adversos e o processo tenha que recomeçar.
“Este trabalho, por causar perdas de forma pulverizada em toda a suinocultura, tem o potencial para aumentar significativamente o rendimento da atividade. Entretanto, a produção não está exatamente em risco, já que a infecção por Mycoplasma não mata e a bactéria pode ser controlada por antibióticos. O uso desses medicamentos, porém, é economicamente inviável na maior parte dos casos, já que teriam que ser usados em todas as etapas da vida dos porcos”, detalhou o professor, que no ano passado recebeu a Menção Honrosa, da Sociedade Americana de Microbiologia.
Distanciamento entre empresas e universidades dificulta pesquisas
Além da busca por essa vacina para suínos, o pesquisador de Pelotas trabalha para encontrar formas de imunizar o rebanho bovino contra a tuberculose e para desenvolver uma vacina contra a leptospirose. Embora o desenvolvimento dos trabalhos não enfrente dificuldades para encontrar financiamento (as pesquisas recebem recursos do CNPq, da Fapergs e da União Europeia através de um programa do Mercosul), Odir Dellagostin aponta como prejudicial o tradicional distanciamento entre as universidades e as empresas no Brasil.
Para ele, as empresas temem investir em pesquisa científica, já que são processos feitos a longo prazo e não há como garantir o retorno financeiro do investimento. Em seu laboratório, o professor negocia um convênio com empresas fabricantes de vacinas, mas ainda não conseguiu formalizar uma parceria.
“Acredito que o distanciamento ocorre porque no meio acadêmico a cobrança se dá sobre a produção científica, não sobre a colocação de produtos no mercado. Essa é uma realidade de todo o País, que começa a receber mais atenção do governo federal e das agências de fomento, assim como dos cursos de pós-graduação em biotecnologia”, afirma Dellagostin.
Ele conta que recentemente assumiu a coordenação adjunta da área de avaliação de biotecnologia da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A entidade tem feito da aproximação com empresas uma nova exigência na avaliação dos cursos, mas a cooperação ainda é pequena.