Um projeto voltado para o aproveitamento sustentável dos dejetos está mudando a qualidade de vida de centenas de famílias de criadores.
Nos últimos anos, o biodigestor vem sendo cada vez mais adotado por sítios, fazendas, cooperativas e empresas em várias regiões do Brasil. Muitos dos novos projetos surgiram por iniciativa de agroindústrias do setor de carnes, como Marfrig, JBS, Aurora, entre outras.
O advogado Paulo Rossato coordena o programa de biodigestores da Sadia, atual BR Foods. Criado em 2005, o projeto já instalou o equipamento em 1.186 granjas de suínos em cinco estados brasileiros. Os criadores são integrados, ou seja, fornecedores exclusivos que recebem ração e assistência técnica da empresa.
“É natural que a produção de suínos gera impactos. Então, nós nos sentimos comprometidos em adequar e manter a produção adequada ambientalmente. E outra é que nós temos um consumidor exigente e que nos cobra de fato uma postura condizente com a atualidade”, explica Rossato.
A região do Brasil onde esse projeto está mais avançado é o oeste do Paraná, onde o biodigestor já foi instalado em 400 propriedades.
Ademir Geremias entrou no programa em 2006. No município de Toledo, ele mantém uma granja de porte médio, voltada para a produção de leitões.
Somados os galpões, as atividades e os animais, a granja produz cerca de 43 mil litros de dejetos por dia. O líquido escorre pela tubulação subterrânea até uma baixada. Ademir Geremias conta com dois biodigestores. Ao somar material e mão de obra, cada equipamento desse porte custa cerca de R$ 70 mil. Mas o produtor não põe a mão no bolso. Toda a instalação é bancada pelo projeto. “Já foram investidos nesse projeto R$ 90 milhões, com tudo incluído”, calcula.
O coordenador explica que a agroindústria não visa ter lucro com a iniciativa, mas também não quer ter prejuízo. A ideia é pagar os custos do programa justamente com a redução da poluição.
Ao lado de cada biodigestor a empresa instalou queimadores, que se alimentam do biogás. A queima tem os objetivos de gerar um ganho ambiental, com a destruição do metano, e levar dinheiro vivo para o projeto, o que ocorre com a venda de um produto ecológico conhecido como crédito de carbono.
Crédito de carbono é um certificado emitido pela ONU, que comprova que um projeto, empresa ou entidade está de fato reduzindo a emissão de gases de efeito estufa. O produto foi criado a partir de acordo internacional, assinado em 1997 na cidade japonesa de Quioto e que ficou conhecido como Protocolo de Quioto.
Segundo o tratado, os países mais poluidores do planeta, ou seja, os que mais sujaram a atmosfera ao longo da história, comprometeram-se a reduzir a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Entre os campeões da poluição acumulada estão economias de industrialização antiga, como Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Japão e Canadá.
Esses países podem atingir as suas metas de redução diminuindo de fato a emissão de poluentes em seus territórios ou financiando projetos ou empresas que façam isso em outros lugares do mundo. Esse financiamento ecológico ocorre com a venda dos créditos de carbono, como explica a economista Daniela Bacchi Bartholomeu, da Esalq, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós, que fica em Piracicaba, São Paulo.
“A venda dos créditos de carbono pode ser feita diretamente para países que possuem a obrigação de reduzir as emissões. Pode ser para empresas desses países que, de certa forma, assumiram certa responsabilidade por essa redução das emissões ou até mesmo para fundos constituídos com esse objetivo”, diz Daniela.
Para contabilizar a redução de poluentes em cada propriedade de Toledo, no oeste do Paraná, os queimadores contam com um equipamento eletrônico que, ao longo do dia, registra o volume de gases que está sendo queimado. As informações alimentam um banco de dados, como explica a engenheira ambiental Pauline Bellaver. “O banco de dados contém todas as informações dos biodigestores e da queima individualizada para cada integrado”.
Os produtores do projeto também podem aproveitar o biogás para movimentar motores ou gerar eletricidade. Mas nesse caso, o investimento deve ser bancado pelo próprio criador. O motor ou gerador precisa ser acoplado ao contador de metano para que o projeto continue recebendo os créditos de carbono. A primeira venda de certificados deverá ocorrer ainda em 2011 e será para um fundo de compradores da Europa.
O biodigestor de uma de granja média, com dois mil animais em engorda, poderia gerar algo perto de R$ 15 mil por ano com a venda de créditos de carbono. Mas o programa não arrisca uma previsão de quanto tempo vai precisar para pagar os investimentos em cada granja. Tudo depende do volume de metano queimado e do preço do crédito de carbono, que varia muito no mercado internacional.
Mas os criadores do projeto já estão faturando com o biodigestor de outra maneira. Esse é o caso de Aércio Ely que tem uma engorda de porcos com 550 animais no velho sítio da família. Apaixonado pela atividade, ele cuida do rebanho com ajuda do filho mais velho. O biodigestor da família é um equipamento pequeno, adaptado ao tamanho da criação.
De um lado fica o queimador, para gerar créditos de carbono, e de outro está o biofertilizante, que já está melhorando as contas da propriedade. O biofertilizante produzido no sítio se tornou fundamental para outra atividade da família, a criação de gado leiteiro. O produto serve para adubar uma lavoura de milho e o cultivo de capim tifton, ambos usados na alimentação das vacas.
Esse tipo de adubo tem algumas vantagens em relação ao esterco convencional. Por ser mais suave, ele não queima as folhas do capim e pode ser aplicado por cima do pasto. Outra diferença é que os nutrientes do biofertilizante são absorvidos com mais facilidade pelas plantas.
Mas vale lembrar que esse tipo produto deve ser usado com cuidado, de acordo com análise de solo. Afinal, adubo orgânico em excesso também pode causar problemas de contaminação.
O biofertilizante também trouxe vantagens no cultivo de milho. A família reduziu os gastos com adubo. A produtividade da lavoura aumentou e a silagem das vacas ganhou em qualidade. A melhoria do capim e da silagem de milho também gerou mudanças na produção de leite. Com alimento melhor e mais farto, a produtividade das vacas disparou.
As vacas mais bem nutridas também passaram a produzir um leite mais rico, com mais gorduras e proteínas. Com isso, a família passou a receber da cooperativa local uma bonificação no preço do litro.
No balanço das novidades, o casal Aécio Ely e Gladis explica que somando o aumento da renda com o leite e a redução dos custos com adubo químico, o uso do biofertilizante já está gerando ganho extra para o sítio de cerca de cinco mil reais por ano. Segundo Gladis, faz diferença.
“Pudemos pintar a casa. Compramos uma bomba de dejetos. Também foi comprado um computador para os filhos, que precisam para a escola, e uma assinatura de internet”, diz Gladis.
Na opinião de Aércio Ely, além de trazer ganho financeiro, o biodigestor virou motivo de orgulho para família. “O que eu faço para a natureza, eu estou fazendo para os meus filhos. Eu vou deixar alguma coisa pra eles para o futuro. Eu tenho que deixar alguma coisa de bom exemplo. Se eu não deixar exemplo, o que vai ser dos meus filhos? Eu estou fazendo a minha parte. Se todo mundo fizer um pouco, vai beneficiar todo mundo”, alerta.
História de famílias como a de Aércio Ely não deixam dúvidas de que é possível criar animais em escala comercial, melhorar a renda no campo e, ao mesmo tempo, ter cuidado com a natureza. Essa é uma maneira de produzir alimentos e riquezas no presente pensando também no futuro do planeta e das próximas gerações.