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Agroindústrias

Quer uma fatia da BRFoods?

Nova empresa, montada a partir do acordo com o Cade, pode custar até R$ 2 bilhões e deve mudar o setor de alimentos no País.

O executivo José Antonio Fay, presidente da BRFoods, está preparando com cuidado um prato farto para servir no ano que vem. Com a ordem do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de desmembrar a BRFoods, maior companhia de alimentos processados do País, surgirá uma nova empresa que deve ser vendida por R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões, segundo estimativas de mercado. A nova companhia terá dez fábricas espalhadas por Bahia, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Com faturamento inicial de R$ 1,7 bilhão, estaria no oitavo lugar no ranking geral das companhias brasileiras de alimentos e em segundo lugar considerando apenas alimentos processados no mercado interno. “Será uma grande empresa nacional, com capacidade para tornar-se inclusive exportadora, se o comprador desejar”, disse Fay à DINHEIRO RURAL. Apesar de atuarem hoje no mercado interno, as marcas que compõem a fatia que será desmembrada da BRFoods dispõem de logística de transportes capaz de acessar os portos e montar um sistema próprio de escoamento, ou exportar por meio de tradings.

Dos 20 mil produtores agrícolas integrados hoje à cadeia da BRFoods, cerca de 1.300 serão transferidos para a nova empresa. Destes, 750 são criadores de suínos e 550, avicultores. O comprador levará, ainda, 8.500 dos 120 mil funcionários da companhia, além de capacidade de produção de 456 mil toneladas de alimentos. A nova empresa terá 7,6% do faturamento total da BRFoods, ou 13,4% de seu resultado no mercado interno. Ao todo, ela contará com treze marcas de produtos populares, como Confiança, tradicional no Nordeste, Rezende e Wilson, além da margarina Doriana. São marcas que hoje na BRFoods são classificadas como ‘de combate’, cujos preços mais baixos protegem as marcas ‘premium’ Sadia e Perdigão. Assim que a empresa for vendida, entrará em vigor a suspensão, por até cinco anos, das marcas Perdigão e Batavo, o que abrirá um espaço de mercado para ser ocupado pelo novo competidor, especialmente na venda de produtos como salames, presunto e salsichas a granel, tradicional nicho da Perdigão- a Sadia é mais forte na venda de produtos embalados. “A empresa terá grande potencial na classe C, seu maior público”, afirma Adalberto Viviani, da consultoria de varejo Concept, de São Paulo. 

A perspectiva do negócio já está criando intensa disputa entre os interessados. Grupos como Marfrig, Tyson Foods e JBS já manifestaram intenção de adquirir o passe da “mini-BRFoods”, além de dois fundos estrangeiros. Essa lista de possíveis compradores deve aumentar nos próximos meses, especialmente com o interesse de grandes grupos estrangeiros que atuam no setor. Vieram ao Brasil, recentemente, em missões para avaliar ativos, grupos como o indiano Suguna Group, o egípcio Cairo Poultry Company e o cingapuriano Angliss, além da Anaan International, da Arábia Saudita, e a Alyasra Foods, do Kuwait. “A criação da nova empresa marcará uma reacomodação importante no setor e pode trazer surpresas com o interesse dos estrangeiros”, afirma Francisco Turra, presidente da União Brasileira de Avicultura (Ubabef).

Até agora, a candidata número um na bolsa de apostas é a Marfrig. Dona da marca Seara, poderia dobrar seu faturamento na área de produtos processados no Brasil, com a compra dos ativos à venda pela BRFoods. A Seara fatura R$ 1,7 bilhão no mercado interno e R$ 3,2 bilhões com exportações. “A aquisição faz mais sentido para a Marfrig pelo reforço que representaria para a operação da Seara”, afirma o analista Cauê Ribeiro, da corretora SLW. O principal problema para concluir a operação é o fato de o endividamento da Marfrig já ser elevado, R$ 5,7 bilhões, ou quatro vezes sua geração de caixa. 

Para outro interessado, o grupo JBS, a aquisição seria a oportunidade de diversificar o negócio para carne suína e de frango industrializadas no Brasil. Embora tenha atividades semelhantes às da BRFoods nos Estados Unidos, onde adquiriu a Pilgrim’s Pride, no Brasil a empresa concentra-se em carne bovina in natura e produtos derivados. O JBS mantém também uma operação de vulto na área de lácteos, com as marcas Vigor e Leco. No entanto, a exemplo da Marfrig, seu endividamento é alto, equivalente a 3,3 vezes sua geração de caixa. Uma saída tanto para a Marfrig quanto para a JBS seria fazer emissões de ações no mercado para bancar a transação.

Uma alternativa para interessados endividados, como a Marfrig e a JBS seria recorrer às fontes de financiamento público. O conselheiro do Cade, que articulou o acordo com a BR Foods, Ricardo Ruiz, defende o apoio do governo ao comprador para fortalecer a competição. “Há um conjunto de agentes públicos com uma série de instrumentos que podem ajudar na solução”, disse Ruiz à DINHEIRO RURAL. Parte desse conjunto de ações consistiria em financiar – possivelmente com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – as empresas que competirão com a BRFoods. Isso inclui a que vier a assumir a fatia da antiga Perdigão que o Cade mandou vender como parte do acordo. Também poderia haver dinheiro da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para investimentos em tecnologia que aumentem a eficiência das empresas menores. O presidente da BRFoods diz não temer a interferência governamental na escolha do vencedor do processo. “Vamos vender para quem pagar mais”, afirma Fay. “Se o comprador precisar de ajuda, não temos nada a ver com isso.” Pelo acordo, o Cade só pode interferir na venda se o grupo de ativos for desfeito. O BNDES não comentou o assunto.

É provável que os grupos estrangeiros interessados devem financiar a aquisição com recursos próprios. Para um deles, a Tyson Foods, maior processadora de proteína animal do mundo, a compra da “mini-BRFoods”, representaria um salto importante, no Brasil. A empresa americana, que foi ao Cade durante o processo expressar o interesse na compra dos ativos da BRFoods, atua no País com a marca Macedo e conta com apenas três unidades industriais. Seu faturamento global é de US$ 4,4 bilhões, mas uma parcela muito pequena, que a empresa não divulga, provém da subsidiária brasileira. “Todos os grandes players brasileiros e estrangeiros estavam esperando o Cade para se posicionar”, afirma o professor da Fundação Getulio Vargas, Roberto Kanter. 

A competitividade da nova companhia dependerá em muito da reação da própria BRFoods, que está reavaliando sua estratégia, depois do acordo com o Cade. Proibida de usar a marca Perdigão ou de criar outras em diversos segmentos, a exemplo dos derivados de suínos como presunto, lombo, pernil, linguiças e salames e alimentos prontos como pizza, quibes e almôndegas, a BRFoods avalia qual o melhor posicionamento para a marca Sadia, depois que os produtos da Perdigão forem suspensos. Fay diz que não quer perder a participação que a empresa tem na classe C com as marcas de combate. “É mais difícil, temos restrições impostas pelo Cade, mas vamos lutar para não perder esse espaço”, afirma. Ao mesmo tempo, a BRF também avalia novos investimentos para repor o faturamento de R$ 3 bilhões que está perdendo com o acordo.

O surgimento da empresa desmembrada da BRFoods não implicará apenas um realinhamento de forças na indústria de alimentos.

Seu impacto também deverá ser considerável sobre os produtores rurais. Os produtores integrados de Perdigão e Sadia aguardavam o acordo da BRFoods com o Cade para saber como ficarão seus contratos. Segundo Fay, as eventuais mudanças só deverão ocorrer no ano que vem, quando for completada a venda. Mesmo com o novo dono, os 1.300 produtores terão mantidas as condições de seus contratos por, no mínimo, um ano. “Tivemos o cuidado de proteger os integrados, como fizemos com nossos funcionários”, afirma Fay. “Depois do primeiro ano, o produtor pode avaliar se quer continuar com a nova empresa.” 

A despeito do discurso oficial, as garantias dadas pela BRFoods não estão sendo suficientes para acalmar os integrados que serão transferidos para a nova companhia. Fernando Cezar Ribeiro, diretor do Sindiaves e produtor integrado da BRFoods, na região de Brasília, onde está localizada uma fábrica que será vendida, está frustrado. “Fiz um investimento de longo prazo, com aval da Sadia, e agora não sei quem será o comprador”, afirma. Ribeiro investiu R$ 10 milhões em sua fazenda em Santo Antônio do Descoberto, em Goiás, dos quais R$ 6 milhões foram financiados por crédito bancário de 12 anos, com aval da BRFoods. O produtor fatura em média R$ 900 mil por ano vendendo 600 mil frangos e 8 milhões de ovos. Para ele, a garantia de um ano de manutenção dos contratos não resolve o problema, porque o crédito precisa ser pago em 12 anos e levou em conta os contratos atuais. A preocupação de Ribeiro encontra eco no Cade. O conselheiro Ruiz sugeriu o uso de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para financiamento dos produtores de suínos e aves. 

Mas há quem veja vantagens no surgimento de um novo concorrente para comprar a produção. O presidente da Associação Catarinense de Criadores de Suínos, Losivânio Luiz de Souza, acredita que a venda será positiva, especialmente na área de suínos, na qual os produtores reclamam de queda de rentabilidade nos últimos anos. “O mercado pode ficar um pouco mais concorrido”, diz Souza. O presidente da Associação Brasileira de Criadores de Suínos, Marcelo Lopes, concorda. “Podemos ganhar um pouco mais de poder de barganha, que tínhamos perdido com a fusão”, afirma Lopes. 

Embora os produtores integrados estejam protegidos da variação de preços, eles reclamam de mudanças nos cálculos dos bônus de produtividade que acabaram reduzindo seus rendimentos. Edson Ferronato, pequeno integrado da Perdigão, de Treze Tílias, na região de Videira (SC), berço da empresa, diz que perdeu rentabilidade com a extensão do prazo de alojamento dos suínos em sua propriedade. O suíno que antes ficava três meses e dez dias em sua fazenda agora permanece quatro meses. Ele entrega 1.100 suínos por ano e seu rendimento é de cerca de R$ 60 mil. “Minha rentabilidade anual caiu uns 30%, afirma Ferronato. Fay, da BRFoods, nega mudanças na rentabilidade dos produtores e diz que os pagamentos são feitos com base na produtividade. “Na verdade, eles estão protegidos das oscilações de preços, não estão expostos à crise dos suínos neste momento.” 

Fay afirma que com a fusão houve até aumento na remuneração de alguns produtores. Ele procura tranquilizar os integrados, afirmando que a demanda será mantida nas fábricas que hoje fazem produtos da Perdigão. “Vou precisar repor parte da capacidade produtiva que estou vendendo e posso precisar de mais matéria-prima”, diz Fay.