Há setores do agronegócio brasileiro que parecem pouco preocupados com o cenário de turbulência da economia mundial. É o caso do complexo soja (grão, óleo e farelo), e a explicação para isso é a China, que compra 1 milhão de toneladas de soja por semana, segundo estimativas da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Este ano (safra 2011/2012), o setor prevê exportar cerca de US$ 23 bilhões em grão, óleo e farelo, bem acima do patamar dos US$ 17 bilhões das últimas três temporadas, o que resultará num salto de pelo menos 35%. “Será o recorde dos recordes”, avalia Fábio Trigueirinho, secretário executivo da Abiove.
De fato, as estimativas de exportação da entidade vêm sendo sistematicamente revisadas desde o início do ano. Em fevereiro, a projeção era vender para o exterior US$ 21,83 bilhões, cifra superior à estimativa de janeiro, de US$ 19,9 bilhões. Até agosto, a receita das exportações somou US$ 12,5 bilhões, mais do que o registrado em todo o ano de 2010 (US$ 11 bilhões).
Dos 32,4 milhões de toneladas de soja em grão que o Brasil espera exportar nesta safra (2011/2012) – na temporada anterior foram 29,2 milhões de toneladas -, a China será responsável pela compra de quase 70% (mais de 22 milhões de toneladas). Só no último trimestre deste ano estima-se que cerca da metade das importações chinesas de soja será do Brasil e da Argentina. “Esse crescimento se traduz no aumento de renda dos chineses e, consequentemente, na expansão do consumo de carne, que, por sua vez, implica o crescimento da importação de soja”, explica Trigueirinho.
Outro mercado importante é a Europa, que, mesmo enfrentando uma nova crise financeira, não deixou de consumir soja para a produção de carne. Só que o mercado europeu compra 70% das exportações de farelo de soja do Brasil. Este ano, dos 14,2 milhões de toneladas de farelo previstos para ir para o exterior, quase 10 milhões devem desembarcar na Europa. “China e Europa respondem por 80% de nossas exportações do complexo soja”, acrescenta Trigueirinho.
No longo prazo, as perspectivas para os produtores de soja, que é o carro-chefe do agronegócio brasileiro por liderar não só o ranking das culturas de maior Valor Bruto da Produção (VBP) como o das exportações agrícolas, também são muito boas, tanto na avaliação da Abiove quanto na de empresas de consultoria em agronegócios. Em função disso, a área plantada com o grão deve aumentar.
Leonardo Menezes, analista de mercado de soja e consultor em agronegócios da Céleres, estima que ela deve passar de 24,2 milhões de hectares da safra 2010/2011 (3% superior à de 2009/2010), para pelo menos 25 milhões de hectares nesta de 2011/2012, um aumento de 3,6%. “O crescimento não vai ser ainda maior porque o preço do milho, que havia perdido espaço para a soja, também está muito interessante para o produtor”, diz ele.
Em relação aos preços, Menezes avalia que o cenário é incerto. Com a queda de oferta de soja dos Estados Unidos, que enfrentam problemas climáticos, e diante de demandas firmes, a tendência do preço do grão é aumentar. Além disso, os estoques americanos estão críticos. De acordo com estimativas mensais da Céleres feitas por Menezes, o país conta com um estoque de segurança menor do que 5 milhões de toneladas ou 20 dias de abastecimento. Em função disso, a responsabilidade para atender a crescente demanda mundial recairá sobre os países da América do Sul (Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia). “Nesse ritmo de crescimento da China, por exemplo, vamos ter de aumentar a nossa produção”, diz Trigueirinho.
Para isso, entretanto, a produtividade também terá de aumentar. Na safra colhida em 2010/2011, a produtividade alcançou o recorde de 3.115 quilos por hectare, ante 2.927 quilos por hectare na safra 2009/2010, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Mas ela pode ser ainda superada. No Desafio Nacional sobre Máxima Produtividade, promovido pelo Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), o ganhador superou os 6 mil quilos por hectare. “Mas também precisamos melhorar muito a infraestrutura e logística para escoá-la”, diz o executivo da Abiove, ressaltando que essa é uma grande preocupação do setor.
Mas as boas perspectivas não se resumem apenas a esta temporada ou a próxima. Trigueirinho avalia que, para 2020, o Brasil terá aumentado a produção em pelo menos 25 milhões de toneladas, chegando quase a 94 milhões de toneladas naquele ano. A produção na safra 2010/11 foi de 69 milhões de toneladas, de acordo com a Abiove. Para a Conab, entretanto, a safra de soja do Brasil em 2010/11 foi um recorde de 75,3 milhões de toneladas.
Em relação aos preços internacionais da soja, Trigueirinho disse que eles vêm se mantendo num patamar alto, atingido nos últimos dois anos devido à forte demanda da China e aos estoques baixos dos EUA, que têm enfrentado dificuldades para incorporar novas áreas à produção. Segundo a Céleres, o preço médio registrado na exportação da oleaginosa em agosto voltou a ultrapassar a barreira dos US$ 500/t (US$ 515,8/t), e ajudou a sustentar um ótimo preço de venda – o melhor de 2011.
Para Menezes, diante do cenário conturbado, de problemas externos ao mercado da soja, e de fundamentos de oferta, que levam firmeza aos preços no médio e longo prazos, as cotações da soja deverão continuar a reportar volatilidade, principalmente no curto prazo. O preço FOB em julho no porto de Paranaguá (PR) estava em US$ 530,79 a tonelada, cerca de 3,6% a mais em relação a junho, e bem acima dos US$ 404,57 de julho de 2010.