O episódio da descoberta de resíduos de vermífugo acima do permitido em carne bovina industrializada do Brasil nos EUA ainda castiga o setor produtivo nacional e coloca pressão sobre o Ministério da Agricultura, que agora quer endurecer a fiscalização sobre os fabricantes de medicamentos.
Nove meses após a reabertura dos EUA ao produto brasileiro, os exportadores ainda amargam queda nas vendas. O país ficou fechado durante sete meses ao Brasil após a descoberta de resíduos acima do permitido do vermífugo ivermectina na carne industrializada exportada pela brasileira JBS. O limite nos EUA é de 10 ppb (parte por bilhão). Na ocasião, o próprio ministério brasileiro decidiu suspender temporariamente os embarques de todo o país ao mercado americano.
Um acordo com Washington permitiu a reabertura em dezembro do ano passado, mas não foi suficiente para que os exportadores conseguissem retomar os volumes registrados antes do embargo. Entre janeiro e agosto, as vendas do produto aos EUA somaram US$ 81,85 milhões, menos da metade dos US$ 169,80 milhões de igual período de 2009, quando o Brasil vendia ao mercado americano sem nenhuma restrição.
Diante desse quadro e pressionado pelos frigoríficos exportadores, o governo deve endurecer as regras para a venda dos vermífugos. Até o fim do mês, o Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários (DFIP) deve publicar normativa que torna obrigatória a retenção da receita veterinária na venda de antiparasitários, prática semelhante à adotada na venda de antibióticos humanos em drogarias.
O governo, que admite ser “fraca” a fiscalização sobre as vendas desses medicamentos, quer “tomar a dianteira” do processo. Hoje, o ministério credencia os laboratórios habilitados a testar as substâncias. Após a conclusão do processo, o DFIP concede o registro de autorização para a comercialização do produto. A fiscalização pós-liberação, porém, é deficiente, segundo fontes do mercado e da própria Pasta.
Segundo dados do ministério, há hoje 6.641 licenças vigentes de produtos veterinários, mas a quantidade de produtos no mercado é “obscura”, diz uma fonte do DFIP. “O ministério liberou todos e, na maioria, nunca mais fez nenhum teste. Não existem laboratórios suficientes para testar periodicamente todos os produtos”, acrescenta.
Além dos vários registros de resíduos acima do limite em carne vendida para os EUA, também têm havido notificações em cargas destinadas à União Europeia, onde o limite de resíduos é de 30 ppb.
O setor produtivo cobra medidas firmes do governo. Na quarta-feira, o Conselho Nacional da Pecuária de Carne (CNPC) protocolou na Pasta um documento em que cobra a “revisão urgente” dos períodos de carência das formulações registradas no Brasil. A desconfiança é que muitos laboratórios recomendam na bula um período de espera inferior ao necessário, entre a aplicação do medicamento e o abate do boi, para que os resíduos na carne caiam a níveis toleráveis.
“Temos uma enorme variação, difícil de explicar, nos períodos de carência”, afirma Sebastião Guedes, diretor de sanidade animal do CNPC. “Temos no Brasil ivermectinas de longa duração com período de carência de 48 dias, enquanto nos Estados Unidos e na Europa é de 122 dias”, exemplifica.
Pela proposta, os laboratórios teriam 90 dias para corrigir o períodos de carência dos produtos fora do padrão, sob a pena de ter suas licenças de comercialização suspensas. O setor ainda quer que o governo desaconselhe ou mesmo proíba o uso de ivermectinas de longa duração (até 122 dias) nos confinamentos, onde o gado bovino permanece por um período de 60 a 90 dias.
Essas medidas também são defendidas pela Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec), que quer ainda “a divulgação de lista de propriedades, laboratórios e empresas que violarem o período de carência e/ou produzirem produtos com limites de resíduos acima do permitido”, conforme documento enviado ao ministério.
Para Antônio Camardelli, presidente da Abiec, o problema da ivermectina é “de sistema” e a possibilidade de novos casos positivos “é grande”. “O produto não garante que a matéria-prima seja livre de resíduos”, avalia. Segundo ele, o problema levou o Brasil a perder mercado nos EUA para Argentina, Austrália e Nova Zelândia. Outra razão para a queda das vendas são os custos para analisar os animais nas propriedades, a matéria-prima e o produto final que será exportado.
Emílio Salani, presidente da entidade que representa a indústria veterinária, o Sindan, contesta a suspeita sobre os laboratórios. “Se o produtor seguir o que está na bula, não vai haver problema com a detecção de resíduos”, sustenta.
Segundo ele, o que o setor precisa é de uma campanha educativa sobre o uso dos medicamentos. “Muito em breve vamos deflagar uma campanha conjunta de esclarecimento mostrando a todo mundo quais são as responsabilidades, o que deve ser feito e como deve ser feito”, afirma. Salani diz não ser contra a revisão dos períodos de carência, “mas os laboratórios precisam ter o direito de se defender, apresentar seus estudos e sustentar seus prazos de carência. É uma questão de ciência.”
Um empresário do setor produtivo argumenta, porém, que há sim problemas com alguns produtos comercializados hoje no Brasil. “Mesmo seguindo o período que a bula pede, não é suficiente para que a quantidade do remédio diminua a níveis aceitáveis. Isso mostra que não podemos confiar em alguns deles”, diz o empresário.
Procurado pela reportagem, o diretor do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários do ministério, Ricardo Pamplona, não quis se pronunciar.