Impulsionada pelo cooperativismo, a agroindústria do Paraná carrega uma de suas principais características: a verticalização da cadeia produtiva. Tanto entre as cooperativas que optam por focar sua atividade industrial em segmentos mais tradicionais (processamento de grãos, por exemplo) como entre aquelas que têm procurado diversificar sua produção, a estratégia verificada é a de criar condições para que o fornecimento ocorra a partir de seus agricultores associados.
Entre as cooperativas com faturamento anual superior a R$ 1 bilhão, de 80% a 100% da matéria-prima é adquirida dos produtores cooperados. É o caso, por exemplo, da Integrada, de Londrina. Nela, conforme o diretor Sérgio Otaguiri, praticamente toda a produção industrial é fornecida pelos agricultores associados – buscar outros fornecedores é exceção à regra, só em casos excepcionais
“Nosso carro-chefe é a soja e o milho e só quando há uma necessidade muito específica é que recorremos a outros agricultores”, ressalta o diretor. Isso ocorre, acrescenta Otaguiri, quando um determinado cliente exige produto industrializado com grão convencional. Nesses casos, como a maior parte dos agricultores ligados à cooperativa lida com transgênicos, é preciso comprar soja de terceiros.
Na Coamo, a maior cooperativa da América Latina, com sede em Campo Mourão, apenas 6% do que abastece as unidades industriais vêm de “terceiros”, destaca o presidente da cooperativa, Aroldo Gallassini. “A Coamo sempre trabalha com seu quadro social. Hoje, 94% do fornecimento vêm dos nossos cooperados.” A cooperativa tem 23 mil associados, emprega 5.400 trabalhadores e atua além das divisas paranaenses: está em Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul.
Uma das cooperativas com produção mais diversificada, a Cocamar (Maringá) também é caracterizada pela verticalização do processo produtivo. Ou seja, fomenta-se entre os agricultores a produção de matéria-prima que atenda aos objetivos da atividade industrial da cooperativa.
“A quase totalidade dos nossos produtos, cerca de 85%, é de cooperados da Cocamar – caso da soja, do milho, do trigo, da laranja e do café”, informa o superintendente de Operações, Arquimedes Alexandrino. “A cooperativa está presente em todas as etapas da cadeia produtiva e controla a qualidade da matéria-prima que vai gerar o produto final.”
Na avaliação do doutor em Geografia Sérgio Fajardo, professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), a verticalização foi a base do processo de agroindustrialização do Paraná. No estudo “O novo padrão de desenvolvimento agroindustrial e a atuação das cooperativas agropecuárias no Paraná”, Fajardo analisa os 20 primeiros anos – da década de 70 à de 90 – da agroindustrialização do estado. “A verticalização representou um salto no crescimento das cooperativas que atuam no meio rural.”
Para o professor, graças a esse “salto”, no Paraná não se repetiu o domínio absoluto das “traders” do agronegócio (ADM, Bunge e Cargill, o chamado “ABC”) verificado no restante do país. “Aqui, a liderança é de cooperativas como a Coamo, Cocamar”, observa Fajardo.
Campo Largo
Apesar de estar situada em Campo Largo, a 30 quilômetros de Curitiba, a indústria de patê, hambúrger e tofu orgânicos Samurai Foods mantém ligação direta com o setor produtivo. Para garantir matéria-prima livre de agrotóxicos e sem a presenção de grãos geneticamente modificados, depende da fidelidade dos fornecedores.
A soja é adquirida de uma empresa de distribuição do Sudoeste do Paraná, que por sua vez recebe o grão dos agricultores orgânicos da região. O produto chega a valer 50% mais do que o transgênico. A seleção dos fornecedores precisa ser criteriosa. Afinal, ressaltam os administradores, uma série de procedimentos devem ser observados para que a soja – e, consequentemente, a produção da fábrica – seja certificada como orgânica.
Os fornecedores não são associados da empresa, mas precisam seguir à risca o uso de sementes convencionais e o controle de pragas no manejo (sem veneno).
A produção da indústria, que tem 19 funcionários, chega a 65 toneladas por ano e tende a ser ampliada para 80 toneladas em 2012, segundo os sócios-administradores, Frantiesco Pessoa e Marcos Vellozo. Os dois não revelam valores, mas asseguram que o faturamento tem crescido de 13% a 15% cada ano.
Apesar de alguns entraves – preço elevado nas gôndolas dos supermercados, desconhecimento de boa parte dos consumidores sobre produtos orgânicos e dificuldades de transporte para levar os produtos às regiões Norte e Nordeste do país –, o mercado está em expansão. “Para o ano que vem, esperamos um incremento nas vendas de 12% em relação a este ano, que está sendo 13% maior que em 2010.”
Sobrenome revela novo perfil do setor
A importância que a industrialização da matéria-prima passou a ter para as cooperativas é simbolizada pela incorporação do termo “agroindustrial” à sua razão social, observa o geógrafo Sérgio Fajardo, professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). Ele explica que isso se acentuou a partir de 2003.
“Quando as cooperativas começaram a trocar seu nome de ‘cooperativa agrícola’ ou ‘cooperativa rural’ para ‘cooperativa agroindustrial’, ficou evidente que o foco delas deixou de ser a atividade primária”, frisa Fajardo.
A Coamo, que acaba de completar 41 anos, é um desses exemplos. De cooperativa de agricultores, fundada como Cooperativa Agropecuária Mourãoense, tornou-se um dos maiores complexos agroindustriais do país. Hoje, chama-se Coamo Agroindustrial Cooperativa.
Quem resume essa história é o próprio presidente da Coamo, Aroldo Gallassini. “Começamos com 79 agricultores, plantando trigo e soja, que não havia na região [de Campo Mourão]. Nos anos 80, iniciamos a industrialização da soja. Nos anos 90, fomos uma das poucas cooperativas a não sofrer com a crise, tanto que nem precisamos dos recursos do Recoop [programa de refinanciamento das dívidas, lançado em 1998 pelo governo federal].”
Neste início de milênio, a cooperativa é referência no processamento de grãos, sobretudo soja. E esse foco tende a ser mantido, conforme as palavras de Gallassini. “É a nossa vocação. Não temos vocação para frangos, suíno, leite.” Os próximos investimentos devem se concentrar na ampliação da capacidade de estocagem da cooperativa – dos atuais 3,9 milhões de toneladas, alcançar 5,5 milhões de toneladas.
Casa do bilhão
Sozinha, a Coamo responderá por quase 20% do faturamento de todas as cooperativas paranaenses, estimado em R$ 30 bilhões para 2011: a cooperativa de Campo Mourão projeta receitas da ordem de R$ 5 bilhões. Outra que alcançará a casa do bilhão é a Cocamar: R$ 2 bilhões, um quarto a mais que os R$ 1,6 bilhão de 2010.
“Importante destacar que a Cocamar foi a primeira cooperativa do Paraná a investir em estruturas industriais para agregar valor à produção dos seus cooperados”, recorda o superintendente de operações, Arquimedes Alexandrino. “Começou com soja; hoje tem indústria de fios, de madeira, de sucos, de café.