O Brasil ameaça não endossar as conclusões de uma reunião de ministros de Agricultura na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE) que ocorrerá na quinta e na sexta-feira em Paris, o que certamente abrirá um confronto com países ricos. O que está em jogo é como a produção de alimentos – e as políticas nacionais e internacionais que a regem – terão de se adaptar a novos desafios.
O Brasil, que faz parte de vários comitês na OCDE, reclama que a entidade está direcionando demasiadamente a discussão para mitigação e adaptação do clima na área agrícola, enquanto persistem obstáculos históricos que freiam o desenvolvimento do setor em países em desenvolvimento. Brasília considera que os ricos estão colocando o carro na frente dos bois. E que, primeiro, a comunidade internacional deve negociar um acordo global de combate às mudanças climáticas para depois tratar dos casos de cada setor. Até porque o industrial, com peso nos países ricos, é mais importante para atenuar o aquecimento do planeta.
A OCDE dá ênfase à agricultura como responsável por uma “parte significativa” das emissões de gases de efeito estufa e diz que o setor será “inevitavelmente” chamado a contribuir nos esforços de mitigação. Estima que os emergentes e outros países em desenvolvimento deverão ser os principais fornecedores da produção de alimentos, mas alerta para os riscos ambientais da abertura de novas fronteiras agrícolas.
Em duras negociações preliminares em Paris, os brasileiros apontaram uma série de “equívocos” nos documentos preparatórios e conseguiram incluir questões sobre produção de bioetanol, necessidade de derrubada de bilionários subsídios agrícolas e importância da liberalização do comércio mundial. Também no confronto com os europeus, questionaram a multiplicação de padrões privados, pelos quais supermercados impõem mais exigências para importar com base em supostas preferências do consumidor.
A briga diplomática agora é sobre o comunicado final, que tende a balizar iniciativas dos governos. O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Edílson Guimarães, vai a Paris com a orientação de recusar apoio ao documento, se não houver mudanças. O Valor teve acesso ao esboço do documento-base da OCDE que será discutido pelos ministros. O texto de nove páginas diz que a pressão sobre os recursos naturais está aumentando e que a agricultura deve competir com outros setores da economia por terra boa, fornecimentos de água, minérios e energia. E atribui essa pressão essencialmente ao aumento da população e da renda, à industrialização, à urbanização e a outros fatores que, juntos, causam mais poluição e exploração insustentável dos recursos naturais, segundo o documento.
Conforme a OCDE, terras aráveis adicionais estão disponíveis sobretudo na América do Sul e na África subsaariana, mas que boa parte é protegida ou perto de áreas urbanas. E que “colocar significativas novas áreas de terra em produção tem uma ampla variedade de implicações sociais, consequências ambientais e sobre os recursos naturais, incluindo desmatamento e degradação da floresta em países em desenvolvimento, que é um tema importante nas negociações do clima”.
O documento aponta a escassez de água como particularmente preocupante, e mostra que a agricultura usa 70% da água fresca – 45% nos países da OCDE, os ricos, segundo a entidade. Estima que 36 países com população combinada de 1,4 bilhão de pessoas vão encarar escassez de terras aráveis ou de água fresca por volta de 2025.
Os ministros vão se reunir na capital francesa uma semana depois de a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) ter proposto uma taxa ambiental sobre a pecuária, para compensar estragos ambientais causados na produção de carnes, a começar pela emissão de metano pelos rebanhos. E essa proposta encontra eco também na OCDE.
A entidade dos países ricos sugere que os governos adotem “incentivos corretos” para a agricultura, para que produtores e consumidores decidam com base “no verdadeiro custo e nos benefícios associados ao uso de recursos escassos”. Defende um equilíbrio entre intervenções governamentais e soluções de mercado para tratar da mudança climática e recursos naturais escassos. Como a FAO, a OCDE também defende que “os preços de terra, água, energia e outros recursos precisam melhor refletir todos os custos e benefícios, embora seja extremamente difícil estimar esses valores”. Onde os governos “baixaram ou aumentaram artificialmente ou preços desses recursos, o desalinhamento pode precisar correções”, afirma a OCDE.
A entidade alerta que o impacto da crescente demanda por alimentos e óleos não deve ser subestimado. Prevê que o longo declínio nos preços reais das commodities agrícolas está diminuindo e pode se reverter. E considera “altamente desejável permitir as forças básicas do mercado para estimular as respostas dos fornecedores”. Acha que o consumo em países ricos já atingiu ou está alem dos níveis de saturação em termos de calorias, enquanto a demanda de alimentos cresce rapidamente em vários países em desenvolvimento. Isso vai continuar, mas a OCDE julga que haverá mudanças em direção a outros tipos de dietas.
O documento ministerial considera que o combate a mudança climática trás tambem oportunidades para a agricultura, como a adoção de tecnologias. E que mais investimentos na agricultura dos países em desenvolvimento podem beneficiar muitas das mais de 1 bilhão de pessoas mau nutridas no mundo.