Encerrada nesta quinta-feira (25/3), a Convenção Latino-Americana do projeto Global Sustainable Bioenergy (GSB) destacou, entre outras conclusões, que a produção de bioenergia na América Latina é especialmente eficaz em termos de sustentabilidade e tem grande potencial de expansão sem implicar no comprometimento da segurança alimentar, do meio ambiente ou da biodiversidade.
O evento, realizado na sede da FAPESP, em São Paulo, foi a terceira convenção realizada pelo Projeto GSB, depois de reuniões ocorridas na Holanda e na África do Sul. Mais duas convenções estão marcadas, para junho, na Malásia, e julho, nos Estados Unidos. O objetivo principal é fornecer uma plataforma para oportunidades, desafios e preocupações regionais e transnacionais relacionados à bioenergia.
Na sessão de encerramento, os organizadores manifestaram que o continente latino-americano provou ter potencial para assumir um importante papel no fornecimento de biocombustíveis para a crescente demanda local e global. A produção de etanol no Brasil e de biodiesel na Argentina foram apontadas como experiências bem-sucedidas de uso da bioenergia para um desenvolvimento sustentável.
De acordo com o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, a convenção realizada no Brasil obteve sucesso ao levar à comunidade científica internacional envolvida com o Projeto GSB a visão dos brasileiros e latino-americanos sobre as grandes oportunidades que os biocombustíveis podem representar.
“O Brasil tem uma posição muito especial – tanto no grupo envolvido com o Projeto GSB como no mundo – no debate internacional sobre biocombustíveis, já que é o único país que realizou a substituição em larga escala da gasolina por biocombustíveis. Por outro lado, o GSB cria uma caixa de ressonância para as ideias brasileiras nessa área”, disse à Agência FAPESP.
O presidente do comitê diretor do projeto GSB, Lee Lynd, professor de biologia do Dartmouth College (Estados Unidos), lembrou que o Brasil representa metade da bioenergia produzida na América Latina.
“E o mais impressionante é que o país ainda tem muito a crescer nesse setor. Mas talvez fosse melhor que alguns de seus vizinhos também mantivessem a produção de biocombustíveis para trocar produtos e tecnologias”, afirmou.
Segundo ele, o país tem um papel de liderança na pesquisa, na produção e na implementação de sistemas de bioenergia. “O uso de bioenergia no Brasil e nos Estados Unidos não têm paralelo no mundo. Mas os Estados Unidos são mais defensivos ao analisar mecanismos de sustentabilidade”, disse Lynd.
O comitê responsável pela organização da convenção latino-americana do GSB prepara uma resolução a respeito da importância, do papel e do desenvolvimento da bioenergia sustentável no continente, que será divulgada na próxima semana.
Sustentabilidade estratégica
Segundo os organizadores, o evento em São Paulo foi particularmente enriquecedor para os participantes de outros continentes. Por meio das apresentações, feitas por cientistas respeitados na área, o público presente teve a oportunidade de obter um “raio X do estado da ciência sobre os biocombustíveis no Brasil”, apontou Brito Cruz.
“Membros do comitê organizador do GSB, que são cientistas muito importantes no contexto dos biocombustíveis, manifestaram que aprenderam muito sobre a maneira como o Brasil tem lidado com a questão da bioenergia. Em especial, destacaram a importância e a positividade da sustentabilidade como elemento realmente estratégico do desenvolvimento dos biocombustíveis. Fato que não é comum no mundo dos biocombustíveis, por exemplo, nos Estados Unidos”, disse.
Lynd ressaltou que as reuniões do Projeto GSB estão formando rapidamente uma integração entre os cientistas envolvidos no esforço internacional pela produção de bioenergia em larga escala.
“Há pouco tempo, todo esse projeto era apenas a menina dos olhos de algumas pessoas. Esse círculo crescente de pessoas vai sendo expandido a cada encontro e isso é extremamente gratificante. Não somos uma maioria, em nenhum aspecto, mas as principais mudanças no mundo surgem de um pequeno grupo de pessoas”, disse.
Para Brito Cruz, a reunião contribuiu para responder ao principal desafio proposto pelo GSB: confirmar a hipótese de que é possível substituir 25% do petróleo utilizado no setor de transportes por biocombustíveis, sem comprometer a produção de alimentos e os habitats naturais.
“Isso continuará sendo trabalhado nas próximas reuniões. Em seguida, na segunda fase, vamos organizar o projeto de pesquisa propriamente dito, que fundamentará o oferecimento de respostas para o desafio inicial levantado pelo projeto GSB, a respeito da possibilidade de substituição de 25% da energia que move o transporte no mundo por biocombustíveis sem prejudicar o meio ambiente, a sociedade e a produção de alimentos”, afirmou.
Nas três reuniões já realizadas, a resposta preliminar é positiva, segundo Brito Cruz. “Ao mesmo tempo, as discussões determinaram que essa resposta só será um ‘sim’ definitivo se estudarmos adequadamente a questão da sustentabilidade e criarmos as soluções positivas para isso”, disse.
Dados e análises
De acordo com Marcos Buckeridge, professor do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da USP e um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), uma das conclusões da convenção latino-americana do GSB é que será preciso executar uma meta-análise para fazer o levantamento de quanta bioenergia a América Latina consegue produzir.
Buckeridge, que também é diretor científico do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), explicou que a meta-análise é uma ferramenta estatística muito utilizada na medicina e trata-se de uma grande reunião de dados levantados por pesquisas diferentes.
“Podemos, por exemplo, reunir 10 mil artigos sobre a soja e ter uma perspectiva muito boa sobre seu potencial energético,” comentou o professor. Segundo ele a meta-análise é capaz de economizar um tempo precioso de levantamento de dados necessários para o encaminhamento das pesquisas em biocombustíveis.
Os participantes da convenção latino-americana do GSB também enfatizaram a importância da coleta de dados sobre a produção de bioenergia na América Latina.
“Há muito mais dados sobre o hemisfério Norte do que sobre o hemisfério Sul. O Brasil produz cerca de 50% do etanol mundial e não tem dados precisos sobre quanto dióxido de carbono essa cadeia produtiva produz. Nós temos apenas estimativas”, afirmou Buckeridge.
A convenção destacou também a agricultura de precisão, que pode ter um papel importante na redução da área plantada por meio da melhoria na fisiologia das plantas, por exemplo.
Outro item enfatizado foram as melhorias nas práticas de informação e de educação a fim de evitar mal-entendidos. “A agricultura brasileira sofreu alguns questionamentos internacionais a respeito do uso da terra, isso ocorreu por falta de informações no exterior sobre as características locais”, disse Buckeridge.
A convenção do GSB também concluiu que é necessário investir na transferência de tecnologia e patentes de países ricos aos demais, de modo a auxiliar na mitigação do aquecimento global. Procurar novas fontes de bioenergia foi outro tópico recomendado.
“Se utilizarmos plantas da Amazônia para produzir biocombustível, não precisaremos levar a cana-de-açúcar até lá e ainda vamos ajudar no desenvolvimento econômico e social local”, disse Buckeridge.
As apresentações realizadas na convenção do GSB e mais informações sobre o projeto estão em: www.fapesp.br/gsbt