Um estudo inédito elaborado pela Universidade de São Paulo em parceria com a Universidade de Chalmers (na Suécia) aponta que, mesmo que todos os produtores rurais regularizassem suas terras e obedecessem ao Código Florestal, ainda sobrariam 100 milhões de hectares de vegetação não protegidos ambientalmente e que podem, portanto, sofrer desmatamento. A área equivale a quatro vezes o Estado de São Paulo.
O grupo de pesquisadores criou um mapa e demonstrou que existem 537 milhões de hectares de vegetação natural no Brasil (cerca de 60% do território nacional). Para chegar ao resultado foram usados os dados mais recentes de fontes, como o Programa Nacional de Meio Ambiente (Probio, do Ministério do Meio Ambiente), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
“Foi um esforço braçal. Trabalhamos com cerca de 200 mapas digitais diferentes”, explica Gerd Sparovek, professor do departamento de solos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP. O material levou um ano e meio para ficar pronto.
Boa parte dos 100 milhões de hectares desprotegidos não é adequada para a expansão da agricultura, ressalta Sparovek. “Cerca de 74 milhões de hectares têm aptidão baixa para atividades agrícolas.” O receio, porém, é que a pecuária possa tentar ocupar essas áreas de floresta.
O pesquisador defende que, enquanto as terras com vegetação não são protegidas, um pacto de “desmatamento zero” deve ser firmado pelos setores produtivos no Brasil.
A agricultura tem como possibilidade, segundo ele, ser expandida para 60 milhões de hectares onde hoje é feita a pecuária extensiva ? que têm solos e clima adequados à produção agrícola. “A pecuária brasileira tem um boi por hectare. É como ter um homem para cada quarteirão.”
Déficit verde. O levantamento mostra o estrago já feito em áreas que teoricamente deveriam ser preservadas. Segundo o estudo, 11% da vegetação natural restante no Brasil estão em Áreas de Preservação Permanente (APPs), como encostas e margens de rios ? o que totaliza 59 milhões de hectares. Porém, o correto seriam existir 103 milhões de hectares ? o que significa que há um déficit de 43 milhões de hectares, que já foram desmatados por algum motivo.
A reserva legal, área que o proprietário rural é obrigado a deixar com vegetação dentro do terreno, também tem situação complicada. Seria necessário ter, de acordo com o Código Florestal atual, 254 milhões de hectares de vegetação como reserva legal, mas faltam para fechar a conta 43 milhões de hectares. Na Amazônia, a reserva legal deve ser de 80% da propriedade. No Cerrado deve ser de 35% (nos Estados da Amazônia Legal) e, no restante do País, de 20%.
Nas Unidades de Conservação (como parques e reservas), o problema é menos grave. O estudo indica que 32% da vegetação natural está em UCs e que o déficit de verde é de 3% (ou 5 milhões de hectares). “Nas UCs o controle do Estado é muito maior”, diz Sparovek. Pela lógica observada no estudo, a medida mais eficiente para preservar a vegetação nativa é manter UCs e Terras Indígenas, onde há poucas atividades ilegais, como a pecuária (eficiência de 97%).
Compensação. Atualmente existe um embate entre ruralistas e ambientalistas em relação ao Código Florestal. Produtores acusam as leis ambientais de frear a expansão do agronegócio e querem alterar a lei.
Uma forma de enfrentar o desafio do déficit de APPs e reserva legal no Brasil é permitir que os proprietários compensem a área desmatada com a proteção de vegetação em outros terrenos.
Segundo Carlos Scaramuzza, superintendente de conservação da ONG WWF-Brasil, a compensação não pode ser tão flexível (como permitir que seja feita em qualquer lugar do País). Porém, também não deve ser rígida demais (pode não haver estoque de terra disponível nas proximidades).
Mario Mantovani, da Fundação SOS Mata Atlântica, elogia o estudo. “Não temos controle sobre as nossas áreas. O maior problema ambiental brasileiro é a questão fundiária. E existe um atraso muito grande do poder público.”
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e a ONG WWF-Brasil apoiaram a realização da pesquisa. Os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, além da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), foram procurados, mas não se manifestaram.