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Economia

A última tentação de Mantega

A decisão da Fazenda de intervir no câmbio para desvalorizar o real frente ao dólar pode ter efeito contrário ao pretendido.

A decisão do Ministério da Fazenda de intervir no mercado de câmbio para desvalorizar o real frente ao dólar pode ter efeito contrário ao pretendido. A depender da intensidade dessas intervenções, o mercado pode fazer arbitragem e, com isso, trazer mais dólares para o país. De olho no real barato, investidores estrangeiros vão se sentir atraídos a comprar ativos no Brasil, o que resultará em mais ingresso de divisas. A lógica indica ainda que, se a Fazenda entrar no mercado comprando moeda americana, o Banco Central (BC) vai diminuir suas intervenções.

Diante do oportuno veto do Congresso, que proibiu a emissão de dívida pública para que o Fundo Soberano do Brasil (FSB) compre ativos, a Fazenda avisou que tem poder “ilimitado” para comprar dólares. Isso porque faria as intervenções com recursos da Conta Única do Tesouro, usada hoje apenas para contingências, como a não rolagem de papéis do Tesouro.

O fato é que, se o governo comprar divisas de maneira excessiva, tornará o dólar mais escasso na economia. Com isso, o custo de financiamento das empresas em dólar no mercado interno aumentará, distanciando-se da taxa Libor. Quando o cupom cambial – a diferença entre o juro interno em dólar e o juro externo em dólar – aumenta, o país atrai mais capital especulativo. Se isso ocorre até um certo limite e temporariamente, não há maiores consequências.

O problema é que o aumento continuado do cupom cambial dá aos agentes um incentivo para arbitrar. Eles tomam dólares no exterior à Libor e emprestam o equivalente em reais aqui dentro, a juros bem mais altos. Paralelamente, compram dólares no mercado futuro para pagar o empréstimo que pegaram lá fora. Esse processo aprecia ainda mais a taxa de câmbio. Há um outro efeito colateral: a elevação do cupom, além de subir o custo de hedge das empresas que se financiam no exterior, incentiva as mesmas a aumentarem sua exposição cambial.

Os mercados olham atentamente as cotações das moedas. Como o Brasil é um grande exportador de commodities, o real se move ao lado de moedas, como o dólar australiano, neozelandês e canadense, de economias igualmente exportadoras desses produtos. Num cenário de baixa aversão a risco, se o real se deprecia mais do que essas moedas, ele aumenta a atração de capitais. Os investidores estrangeiros aproveitam a oportunidade para comprar ativos no país.

É difícil segurar as cotações de uma moeda além da sua tendência de longo prazo. O BC já tem uma política de comprar o fluxo positivo de moeda que ingressa no país. Evita ir além disso para não criar uma demanda artificial por dólar. É como um círculo vicioso: se compra dólares acima do fluxo normal para influir no câmbio nominal, o BC aumenta o cupom, atrai mais capitais por causa disso e é obrigado a comprar fluxos cada vez mais maiores. Como o mercado é maior que o BC, o resultado é mais apreciação cambial.

Há um outro risco. A intenção da Fazenda em conter o real pode ensejar no mercado a ideia de que o governo pretende defender uma determinada taxa de câmbio. Trata-se de uma aposta perigosa, típica dos tempos de câmbio administrado. Para participar do jogo, o governo, mais do que nunca, deve ter uma retaguarda (as contas públicas) em ordem para evitar ataques especulativos contra a economia.

A determinação da Fazenda de usar o FSB para intervenções no câmbio resulta de uma obsessão do ministro Guido Mantega, que não convive bem com o regime de câmbio flutuante. Para o ministro, câmbio bom é câmbio depreciado porque este, em tese, aumenta a competitividade das empresas brasileiras. Num governo comandado por um ex-metalúrgico, falta avisar aos russos que, diante da desvalorização da moeda nacional, o salário real encolhe.

Mantega alega que o Brasil banca o ingênuo ao insistir com o câmbio flutuante, enquanto economias como a chinesa mantêm sua moeda artificialmente desvalorizada. Numa entrevista a esta coluna no fim do ano passado, afirmou: “Ou os países asiáticos mudam o seu regime cambial ou mudamos nós o nosso”. Ocorre que a China tem poupança doméstica de 48,7% do PIB (média anual entre 2002 e 2007) e o Brasil, de 19,7% (média no mesmo período). Sem poupança para financiar o crescimento, o Brasil importa poupança externa e, por essa razão, o câmbio aprecia.

O ministro já defendeu o modelo asiático, aplicou o IOF na entrada de capitais e, agora, ameaça usar recursos da Conta Única do Tesouro para intervir no mercado. Em entrevista ao “Brasil Econômico”, declarou que não há necessidade de forte intervenção neste momento, o que parece um recuo em relação à forte retórica das últimas semanas.

É importante assinalar que mesmo o FSB é uma fantasia. Em praticamente todo o mundo, fundos soberanos são criados a partir de excedentes fiscais. Gastando menos do que arrecadam, muitos países usam o excedente para poupar para o futuro. Como as reservas cambiais rendem pouco, essas nações, em geral grandes exportadoras e/ou produtoras de riquezas finitas como o petróleo, criam fundos para diversificar a aplicação de divisas e, assim, obter maior rentabilidade.

Embora seja um grande exportador de produtos primários e de commodities, o Brasil é um país que ainda tem um Estado perdulário. Depois de 16 anos de estabilização, não zerou o déficit público. Não tem condições, portanto, de possuir um fundo soberano. É como o cidadão que, mesmo endividado, toma empréstimo pagando juros de 10,75% ao ano e aplica o dinheiro, recebendo 2% de rendimento. Não faz o menor sentido.

É curioso que, a esta altura do campeonato, com a economia brasileira dando sinais de que está entrando num período de crescimento longo e sustentado, ainda haja disputa, dentro do governo, quanto ao rumo escolhido. Essa disputa não envolve apenas o regime cambial, mas também os outros dois pilares da política econômica: o equilíbrio fiscal e as metas para inflação.