A intensificação do ritmo de aumento dos preços dos grãos no mercado internacional nos últimos meses, que tanto anima exportadores, devolveu a “agroinflação” ao centro do debate global.
Tomando-se como base a bolsa de Chicago, é fato que as cotações de milho, trigo e soja, as commodities básicas para a produção de alimentos mais intercambiadas do mundo, ainda estão abaixo das máximas de meados de 2008, quando a espiral altista dos alimentos gerou protestos em diversos países e fez eclodir uma nova onda protecionista no comércio.
Mas também é verdade que as altas acumuladas em 12 meses justificam a volta do tema aos holofotes. Após uma sexta-feira de novas disparadas em Chicago, os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) do milho passaram a acumular ganhos de 52,75% no intervalo, segundo cálculos do Valor Data. No trigo, a alta no mesmo período chegou a 52,11%; na soja, a 22,82%.
Diferentemente da escalada interrompida em 2008 pelo aprofundamento da crise financeira global irradiada dos EUA, a atual onda altista ganhou envergadura mais por problemas na oferta do que pelo aquecimento da demanda – ainda que no caso da soja as crescentes importações da China sejam vitais para o movimento.
Mas a responsabilidade pela elevação da pressão dos alimentos sobre os índices inflacionários em diversas regiões, inclusive no Brasil, recaiu mesmo sobre os problemas climáticos que prejudicaram a produção de trigo da Rússia e de outros países europeus. Esses problemas alavancaram as cotações do cereal e puxaram também o milho, alternativa usual ao trigo em rações, principalmente na Europa.
Mas há fatores em comum entre as escaladas do biênio 2007-2008 e de agora. Analistas lembram que as projeções de longo prazo de expansão do consumo de alimentos em países emergentes colaboram para uma mudança permanente de patamar dos preços das commodities. Esse cenário ajudou a levar as apostas de fundos de investimentos nesses “ativos” a níveis recordes em 2008, e o apetite voltou a crescer com as adversidades na Rússia, maximizando as curvas ascendentes.
Essa conjuntura dominará a reunião desta semana da FAO, o braço das Nações Unidas para agricultura e alimentação, em Gyeongju, na Coreia do Sul. E um dos principais objetivos do órgão será tentar buscar um equilíbrio maior entre a sede dos exportadores e o temor dos importadores para estancar os aumentos.
“A FAO poderia tentar convencer os países exportadores a não tomarem medidas que provoquem altas desnecessárias. Ao mesmo tempo, poderia pedir tranquilidade aos importadores, para que eles não tenham pressa em comprar”, afirmou Nobuyuki Chino, presidente da Unipac Grain, uma trading de Tóquio, à agência Reuters.
O governo russo, devido à quebra da safra, já anunciou a proibição das exportações de grãos até o início da colheita do ano que vem. A preocupação da FAO, entretanto, é que outros exportadores vejam na redução da oferta global a oportunidade de segurar as vendas para forçar novas valorizações. Ainda que não oficial, a estratégia começa a ser percebida nos mercados de soja e milho de Brasil e Argentina, por exemplo, até porque os reflexos da La Niña na América do Sul poderão amplificar os problemas da oferta.
A escalada das cotações também animou a Federação Agrária Argentina (FAA) a prometer ampliar a pressão para que o governo reduza os impostos que incidem sobre as exportações de grãos e derivados, até para compensar perdas provocadas por essa política no passado recente. É um dos lados da “agroinflação”. O problema é que o outro lado, como costuma destacar a FAO, pode ser o aumento da fome do mundo.