O estresse, definitivamente, não é um problema que acomete apenas os seres humanos. Aves criadas em gaiolas apertadas, sem espaço suficiente para expressar os comportamentos típicos da espécie — como ciscar e bater as asas, por exemplo —, também podem sofrer com a doença, que pode torná-las agressivas ao extremo ou até mesmo deprimidas. Preocupados com essa situação, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) descobriram que a adição de medicamentos fitoterápicos — camomila (Matricaria chamomila), valeriana (Valeriana officinalis) e passiflora (Passiflora alata) — à ração de codornas conseguiu amenizar os sintomas de maneira geral. Dessa forma, as aves ficaram mais calmas e apresentaram redução significativa nos níveis de estresse.
Além das codornas, frangos e porcos podem ficar com o comportamento e a saúde comprometidos quando não são criados de maneira adequada. Porém, de acordo com os especialistas da Unesp, os fitoterápicos não são os únicos responsáveis pela redução do estresse. “As codornas apresentam comportamento agitado naturalmente. Acondicioná-las em gaiolas apertadas faz com que o estresse aumente. Na minha pesquisa, coloquei 12 indivíduos em cada espaço, em vez de 14. Pude notar uma redução aparente do comportamento agressivo, resultando num menor número de aves feridas”, destaca Janaina Silva, uma das responsáveis pelo estudo.
De acordo com ela, a debicagem — procedimento cirúrgico rápido de corte e cauterização do bico — é a prática utilizada para evitar que as aves se machuquem. “O bico é aparado com uma lâmina quente que corta e já cauteriza. Ela evita o canibalismo, o desperdício de ração e a destruição dos ovos pelos próprios indivíduos. Apesar de rápido, porém, o procedimento pode gerar estresse”, explica, lembrando que, segundo leis de bem-estar animal divulgadas pela União Europeia, tanto a debicagem quanto as gaiolas devem ser banidas na Europa até 2012.
Durante os experimentos com as substâncias naturais, os pesquisadores notaram redução da imobilidade tônica, um comportamento de fuga de predadores que ocorre normalmente quando as aves são criadas na natureza, no qual elas ficam imóveis. “Ainda observamos menores níveis plasmáticos de corticosterona (hormônio) e menor relação entre os linfócitos e heterófilos (células do sangue conhecidas como leucócitos), que também são indicadores de estresse em aves”, acrescenta Vera Moraes, professora da Unesp e orientadora da pesquisa. No primeiro trabalho, os pesquisadores tiveram que definir a quantidade ideal de passiflora, pois o fitoterápico em excesso acabava deixando as aves muito calmas, prejudicando a produção de ovos. “Pretendemos, a partir de agora, unir os três fitoterápicos em um único experimento, assim como é feito nos tratamentos aplicados em com seres humanos”, afirma a professora.
Sofrimento
Uma forma de confinamento rigorosa conhecida como “intensiva” é aquela que faz uso de gaiolas para a criação de animais. De acordo com o consultor da ONG Sociedade Humanitária Internacional (Humane Society International) Guilherme Carvalho, não são somente as codornas que sofrem com a falta de espaço. As galinhas também costumam ficar em ambientes que chegam a ser menores que a dimensão de uma folha de papel. “Uma galinha poedeira pode ficar até um ano e meio confinada nesse espaço minúsculo. No Brasil, hoje, chega a 80 milhões o número de galinhas comerciais”, informa. Em termos de bem-estar animal, conforme o consultor, tal prática se resume a uma verdadeira tragédia. “As galinhas não conseguem esticar as asas, construir o seu próprio ninho e muito menos ciscar”, diz.
Assim como para as codornas, as consequências do confinamento rigoroso para as galinhas são inúmeras. “As galinhas preferem locais mais reservados para botar seus ovos. Porém, sob estresse, elas acabam mudando de planos devido à falta de espaço e ficam bastante frustradas”, diz. Segundo ele, falta fiscalização por parte do governo. “A debicagem, por exemplo, chega a ser encarada como uma medida de bem-estar. Porém, na nossa visão, a prática é uma mutilação”, afirma. Carvalho diz, ainda, que as porcas reprodutoras também são vítimas de maus-tratos. “Em geral, esses animais são criados em locais tão apertados que mal conseguem se virar dentro da gaiola, apenas se deitar e levantar. Como são mamíferos, apresentam comportamentos diferenciados, como mastigar sem a existência de nenhum alimento na boca ou morder as barras de ferro das gaiolas, como manifestações do estresse”, afirma.
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o governo fiscaliza e acompanha o uso de produtos como vitaminas e antibióticos, empregados na produção ou adicionados à ração dos animais. O órgão também observa se os registros desses medicamentos existem e se as doses corretas estão sendo utilizadas. “Até o fim deste ano pretendemos estabelecer normas de bem-estar animal para avicultura de corte. Dependemos, também, do setor produtivo e a adesão vai ser voluntária”, ressalta o secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do órgão, Márcio Portocarrero.
Conscientização
Já a União Brasileira de Avicultura (Ubabef) esclarece por meio de sua assessoria que tem promovido uma série de ações para a conscientização e a capacitação da cadeia produtiva avícola em prol do bem-estar animal, como a elaboração de protocolos de “boas práticas de produção” e “bem-estar para frangos e perus”. “As informações contidas nesses protocolos estão sendo repassadas por meio de cursos ministrados aos integrantes das empresas associadas. Além disso, a união possui uma parceria com a Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA, na sigla em inglês para World Society for the Protection of Animals) para a realização de cursos de capacitação”, enfatiza.
Para a Ubabef, a debicagem é um procedimento que pode sim gerar estresse, mas quando realizado por pessoal qualificado e na idade adequada do animal, o efeito negativo é menor. Sobre a pesquisa da Unesp, a união afirma que toda prática de bem-estar animal é vista com bons olhos pela cadeia produtiva, entretanto, é preciso verificar a viabilidade da aplicação em larga escala, considerando o gigantesco plantel da produção avícola nacional. “Para se ter uma ideia, em 2009, a avicultura brasileira produziu 5,2 bilhões de cabeças de frangos, além de um plantel médio de 78,2 milhões de poedeiras no mesmo período”, finaliza.