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Agroindústrias

O desafio da JBS no mercado

Empresa ainda tem dificuldades em explicar a analistas questões financeiras e as características de suas cadeias produtivas. Grupo também deve integrar as dezenas de aquisições feitas nos últimos anos, no País e no exterior.

Por que o valor de mercado da JBS orbitou nos últimos meses em torno de seu valor contábil, sem decolar como esperam seus controladores e acionistas? O que falta para o frigorífico brasileiro transferir para suas ações o peso de ter se tornado, no ano passado, a maior empresa de proteínas animais do mundo, com bases de produção em quatro países e presença em todos os mercados do planeta?

Mais do que integrar as dezenas de aquisições feitas nos últimos anos, no País e no exterior, e de tentar harmonizar negócios em cadeias tão diferentes quanto as de carne bovina, carne suína, leite e biodiesel, responder a essas questões tornou-se o grande desafio da diretoria da companhia. Na sexta-feira, quando apresentou os resultados da JBS no terceiro trimestre, o próprio presidente do grupo, Joesley Batista, fez a pergunta aos cerca de 50 analistas presentes. Ninguém respondeu.

O fato é que o valor de mercado da JBS encerrou junho em R$ 19,279 bilhões, apenas R$ 148 milhões acima de seu patrimônio líquido, e fechou setembro R$ 471 milhões abaixo dele, em R$ 18,442 bilhões. Muito longe da relação do fim de março de 2007, logo após a abertura de seu capital, quando o valor de mercado atingiu R$ 6,46 bilhões, 363% superior ao patrimônio líquido. Ou de setembro de 2009, já depois de acelerada a internacionalização, quando o valor de mercado chegou a R$ 12,898 bilhões, 161% acima do patrimônio.

Em entrevista ao Valor, Jeremiah O’Callaghan, diretor de relações com investidores da JBS e principal “embaixador” do grupo juntos aos analistas, concordou com a possibilidade de que o forte e rápido crescimento da companhia nos últimos anos tenha ajudado a confundir o “mercado”. E lembrou que, desde a abertura de capital, o entendimento pleno dos analistas sobre as peculiaridades das áreas de atuação da JBS mostrou-se de fato um grande desafio.

“O segmento de bovinos, por exemplo, é bastante complexo. É uma indústria de desmontagem. Do boi temos vários produtos, cada um deles com dezenas de clientes no Brasil e no exterior. É um modelo peculiar, com muito pouco a comparar”. Desde a abertura de capital, a complexidade identificada por O’Callaghan é apontada como um dos principais fatores para a permanência do controle da gestão do grupo nas mãos da família fundadora.

“É preciso quebrar paradigmas para domar esse negócio. A gestão da JBS é muito experiente, formada por pessoas que cresceram no setor e entendem desde a lógica do abate até as barreiras comerciais e sanitárias no comércio”, afirma. Hoje, analistas reclamam bem menos da gestão familiar. Marfrig e Minerva, os outros dois frigoríficos originalmente de carne bovina de capital aberto, também têm essa marca, e nem por isso seus valores de mercado sofrem com isso.

No caso da JBS, contudo, dúvidas em balanços, dificuldades de compreensão ou mesmo problemas identificados por analistas muitas vezes são associados à gestão. Foi assim no processo de captação, por meio de oferta pública de ações, no primeiro semestre, que resultou em R$ 1,6 bilhão, menos do que a companhia esperava e com parte dos recursos destinados a capital de giro. Ou quando a empresa anunciou, em agosto, que adiaria a oferta inicial de ações da subsidiária JBS USA para 2011, que resultou em multa de US$ 300 milhões a ser paga até o fim do ano ao BNDESPar, que ficou com US$ 2 bilhões em debêntures da empresa conversíveis em ações da JBS USA. Ou diante das devoluções, neste ano, de cargas suas nos EUA pelo uso de um vermífugo em dose acima do permitido pelo país – mas não pelas regras internacionais. Ou mesmo em sua problemática parceria na Itália, inicialmente vista como chance de aprendizado.

Outro foco de rusgas são os problemas ambientais na cadeia produtiva da carne bovina, que só começaram a diminuir recentemente. Só que consumidores e varejo passaram a cobrar dos frigoríficos quaisquer atos de desmatamento ilegal praticados por qualquer pecuarista irresponsável no fornecimento da matéria-prima, o que a empresa considera um exagero. Mas está atenta, e há alguns meses descredenciou um fornecedor no Pará acusado de desmatar.

Consciente de “ruídos” como esses e disposta a tentar silenciá-los, a JBS contratou o executivo Artur Neves, da Amphi – Consultoria em Gestão e Governança, para assumir o cargo de diretor de governança. Neves, que preferiu não conceder entrevista, assumiu em abril, mas três meses depois deixou o cargo. Independentemente das causas que levaram à saída, o fato não colaborou para melhorar as relações com o mercado.

A tarefa voltou a ser capitaneada por Jeremiah O’Callaghan, e ele enxerga avanços. O grupo de analistas que costuma acompanhar os passos da empresa manteve-se mais ou menos o mesmo nos últimos dois anos, e as relações, diz, estão melhorando. Nos encontros periódicos que mantém com analistas, esse irlandês que começou a trabalhar em frigorífico no Brasil há 28 anos, com as oportunidades abertas pelos problemas comerciais enfrentados pela Argentina por causa da Guerra das Malvinas, procura ser direto e didático.

Destrincha dados financeiros, elenca programas ambientais ou com fornecedores, muitos existentes há décadas, mostra que o comércio na área da empresa está mudando de “food security” para “food safety”, apresenta projeções, aponta barreiras tarifárias e sanitárias e apresenta projeções de demanda global crescente por proteínas animais, puxada pelos emergentes. “Teremos 9 bilhões de pessoas no mundo em 2050. Os alimentos estão sendo redescobertos pelos investidores e a posição do Brasil é privilegiada nesse contexto, mas nesse processo haverá problemas pontuais que afetarão as ações das empresas do setor. É preciso entender o nosso negócio no longo prazo”, afirma.

Nesse sentido, a lógica da expansão da JBS pode dificultar a compreensão de quem não está acostumado com seus segmentos. Desde o início, a empresa procurou ampliar suas bases de produção com foco em escala e na diluição de riscos comerciais e sanitários. Atualmente, se algum importador bloqueia os embarques do Brasil, a empresa pode vender a partir da Argentina, dos EUA ou da Austrália, por exemplo. Mas não para qualquer lugar, já que cada um desses países têm permissões para exportar para alguns mercados e são vetados em outros. São as peças de um tabuleiro que tenta evitar medidas protecionistas.

“Só que aí os analistas passam a ter que entender a dinâmica do mercado australiano. E, quando isso acontece, algo muda no mercado de leite ou de biodiesel. E aí o milho sobe e prejudica as margens. É difícil”. Para o executivo, para que JBS e mercado se entendam mais rapidamente, é preciso quebrar dois paradigmas: que a JBS depende de fundamentos brasileiros e que a JBS é uma empresa apenas de carne bovina.

Mas os papéis não reagem e o valor de mercado patina. Após a divulgação dos resultados do terceiro trimestre, analistas realçaram que a companhia tem apresentado fluxo de caixa negativo, por conta da crescente necessidade de capital de giro, questão destacada pela própria companhia em seus comentários e associada às exportações. Perto de R$ 1,2 bilhão do fluxo de caixa no terceiro trimestre foi para capital de giro (R$ 628 milhões) e investimento (R$ 571 milhões). Para a JBS, a dúvida decorre de uma visão simplista, já observada no segundo trimestre.

“A JBS captou R$ 1,6 bilhão e houve um aumento da necessidade de capital de giro na ordem de R$ 1,3 bilhão no segundo trimestre. Essa expansão se relacionou principalmente a um fator positivo para a companhia e o mercado – o financiamento de exportações. Vale ressaltar que os planos anunciados pela JBS para expandir a plataforma de distribuição continuam e que a empresa possui recursos para fazer investimentos nesse sentido. A JBS encerrou o terceiro trimestre com R$ 4,4 bilhões em caixa, o que reforça que possui recursos para viabilizar o projeto de expansão da plataforma de distribuição adiante”, diz a empresa.

São coisas de quem que está aprendendo os atalhos do mercado – e vice-versa. “Os resultados já melhoraram, mas o ano que vem será melhor para o setor como um todo. O comércio vai se soltar mais”, aposta O’Callaghan.