O ministro da Fazenda, Guido Mantega, praticamente decretou ontem a morte da Rodada Doha, a negociação para liberalização do comércio mundial, e apontou os Estados Unidos como os culpados. Doha foi lançada há dez anos, está no impasse há dois e a Organização Mundial do Comércio (OMC) espera que o G-20 dê um novo “impulso político” para sua conclusão no ano que vem, antes de reformas das políticas agrícolas nos EUA e na União Europeia.
Mantega acha, porém, que a negociação, na qual mais o governo Lula apostou para abrir mercados para as exportações brasileiras, “não tem grandes chances” de terminar. Sua convicção foi formada quando ouviu o presidente americano Barack Obama falar sobre a negociação na cúpula do G-20 em Toronto, em junho.
Na ocasião, Mantega, representando Lula, defendeu a última chance de fechar Doha, nas condições que os países já tinham negociado, e avisou que o Brasil não aceitava a introdução de novas exigências de abertura de mercado. Obama retrucou que os EUA não tinham condições de aceitar o acordo agrícola, industrial e de serviços pela insuficiência de acesso aos mercados para os produtores americanos. “Ou muda ou onde está não dá”, teria afirmado Obama, buscando acesso adicional nos emergentes mais dinâmicos, como Brasil, China e Índia.
O Valor apurou ontem que os EUA estão exigindo agora também que, como parte de Doha, o Brasil aceite participar do Acordo de Tecnologia da Informação (ITA, sigla em inglês), pela qual os países-membros se comprometem a eliminar as tarifas de importação de 180 produtos, como semicondutores, computadores e equipamentos de telecomunicações.
As atenções da cena comercial estão concentradas em Seul para o que dirá Obama desta vez. Mas a política americana é de multiplicar as exportações em cinco anos para criar mais empregos e recuperar a economia. Para isso, precisa insistir em demandas que os emergentes julgam inaceitáveis.
Seja o que sair de Doha no G-20, amanhã, parece já sem credibilidade. Mantega colocou mais um prego no caixão da negociação. Só falta a coragem política dos países fazerem o enterro formal.