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Milho

O fim do princípio

A tecnologia OGM no mercado do milho no Brasil. Leia artigo de pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo.

O fim do princípio

João Carlos Garcia e Jason de Oliveira Duarte
Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo

A introdução de organismos geneticamente modificados na agricultura representa o mais novo patamar tecnológico que, na medida em que se consolida, provoca a reorganização dos sistemas de produção e de transformação dos produtos oriundos do setor agrícola, passando a influenciar o agronegócio que, por sua vez, se adapta às novidades.

Com a colheita da safrinha de 2010, está sendo finalizado no Brasil o plantio da primeira safra em que esta tecnologia tem condições de ser utilizada de forma significativa pelos produtores de milho. As 87 cultivares de milho com resistência a insetos derivada de eventos transgênicos garantiram, ao lado de 225 outras cultivares convencionais, a liberdade de escolha dos agricultores e uma ampla disponibilidade de sementes com esta tecnologia incorporada.

Os dados mais confiáveis sobre a quantidade comercializada de sementes de milho no Brasil são compilados pela APPS (Associação Paulista dos Produtores de Sementes e Mudas), a partir de informações fornecidas pelas principais empresas produtoras de sementes de milho. Deve-se ressaltar que estas informações referem-se a sementes de milho comercializadas. Existe no Brasil uma ampla área de milho, aproximadamente 15% da área cultivada, segundo a Abrasem (Associação Brasileira de Sementes e Mudas), que ainda é plantada com sementes salvas pelos agricultores (cultivares tradicionais, sementes de segunda geração etc) ou com sementes provenientes de programas conduzidos por entidades governamentais ou não governamentais (troca-troca, distribuição direta), situações que podem não ser completamente captadas por estas informações.

A quantidade de sementes transgênicas adquiridas para uso nas duas principais épocas de plantio de milho no Brasil (verão e safrinha) permite algumas análises sobre a aceitação desta tecnologia em diferentes condições e inferências sobre o seu desenvolvimento entre produtores de milho com diferentes objetivos.

A primeira conclusão que se observa é que realmente verificou-se um início bastante promissor em termos de adoção desta tecnologia entre os agricultores que adquirem sementes de milho no Brasil. Na safra de verão, cerca de 35% das sementes adquiridas de milho foram de cultivares com eventos transgênicos e, na safrinha, este percentual atingiu cerca de 42%. Em alguns dos principais estados produtores, as cultivares transgênicas ultrapassaram as convencionais já neste segundo ano de liberação daqueles materiais. Podem ser citados os estados de São Paulo e Bahia na safra de verão e São Paulo e Paraná, na safrinha.

Outra característica que se pode extrair dos dados é a concentração dos transgênicos de milho no mercado de sementes de milho híbrido simples. Em sua esmagadora maioria, as cultivares com eventos transgênicos eram deste tipo de semente, sendo que apenas uma quantidade reduzida de sementes de híbridos triplos foi comercializada, não se verificando a oferta nem de híbridos duplos nem de variedades transgênicas.

Embora os híbridos simples ocupem uma parcela cada vez maior no mercado de sementes no Brasil (nos EUA e Argentina os híbridos simples dominam praticamente todo o mercado), ainda existe um percentual grande de área plantada com híbridos duplos, triplos e com variedades, o que, de certa forma, estabelece um teto para a penetração dos transgênicos. Em âmbito nacional, os híbridos triplos ocuparam, em 2010, cerca de 60% da área plantada com milho no verão e de aproximadamente 65% na safrinha. Entretanto, este percentual varia muito, mesmo entre os principais estados produtores. No verão, o percentual da área plantada com híbridos simples foi de 95% na Bahia (região de Barreiras); 75% em Goiás; 74% em São Paulo; 71% no Paraná; 59% em Minas Gerais; 51% em Santa Catarina e 46% no Rio Grande do Sul. Na safrinha, os percentuais foram de: 88% em Goiás; 70% no Paraná; 65% em São Paulo; 65% em Mato Grosso e 57% no estado de Mato Grosso do Sul. Somente esta dispersão ilustra a forma como tal tecnologia poderá se disseminar entre os agricultores de diferentes regiões. Entretanto, caso a utilização de híbridos simples em determinadas regiões seja relativamente reduzida e se constitua um empecilho para o crescimento das cultivares com eventos transgênicos, a opção pela disponibilização de híbridos triplos transgênicos está aparentemente sendo exercitada pelas empresas. No verão, nos estados do RS e SC, onde os híbridos simples têm menor penetração, nota-se uma maior participação dos híbridos triplos no total dos transgênicos, atingindo um percentual de 12% (nos outros estados esta participação se situou abaixo dos 10%). Na safrinha, época de maior risco climático, de lavouras implantadas com menor investimento e de sementes geralmente mais baratas, este percentual dos triplos sobe para 30% em São Paulo; 26% em Mato Grosso do Sul e 15% nos estados do Paraná e de Mato Grosso. Isto pode indicar que a opção de incorporar eventos transgênicos em híbridos triplos existe e pode ser exercitada na medida em que o mercado dos híbridos simples seja ocupado, ou que seja necessário oferecer uma opção de menor custo.

É claro que o custo financeiro de adquirir sementes transgênicas tem seu peso na decisão dos agricultores. Porém, outro aspecto importante refere-se à gravidade da infestação e dos danos causados por insetos controláveis pelos eventos transgênicos. Em regiões onde estes danos são menos relevantes em relação ao custo da tecnologia transgênica (nesta situação incluem-se também aquelas regiões ou épocas de plantio com menor potencial de produção) ou os insetos-praga são passíveis de serem controlados a um custo relativamente baixo, a difusão das cultivares com características transgênicas pode apresentar menor dinamismo.

Uma forma de verificar esta situação é quantificar nos dados da APPS a percentagem de sementes de híbridos simples (como forma de homogeneizar o ambiente tecnológico em uso pelos agricultores) que apresentam eventos transgênicos, comercializadas em cada estado. No verão, o resultado também varia: 66% em São Paulo; 60% na Bahia (região de Barreiras) e Goiás; 56% em Minas Gerais; 50% no Paraná; e ao redor de 45% no RS e SC. Na safrinha, estes percentuais também variam: 74% em São Paulo e no Paraná; 32% em Goiás; 49% em Mato Grosso e 46% em Mato Grosso do Sul. Nota-se que existe um diferencial entre agricultores de mesmo patamar tecnológico com relação ao uso dos transgênicos. Isto, inclusive, indica a conjunção de forças que atuam em diferentes sentidos, como no caso da safrinha no Centro-Oeste, onde as condições climáticas atuariam no sentido de justificar a adoção de cultivares transgênicas (pelas condições favoráveis para o desenvolvimento de pragas), ao mesmo tempo em que o menor potencial de produção das lavouras nesta época e a crise de preços do milho na região tornam o acréscimo do preço das sementes transgênicas em relação às convencionais menos interessante, em termos econômicos.

Em resumo, três aspectos influenciarão o desenvolvimento futuro desta tecnologia no Brasil (e mesmo em diferentes regiões):

a) o prejuízo potencial causado pelos insetos-praga passíveis de serem controlados com o uso de cultivares transgênicas (isto envolve o potencial de produção das lavouras e a intensidade normal de ataque das pragas na região);

b) o preço do milho no mercado (que, combinado com o item a, conduz ao prejuízo financeiro causado pelo ataque das pragas); e

c) o diferencial de custo entre as cultivares transgênicas e convencionais (pode ser mais vantajoso adquirir uma semente de híbrido simples convencional com maior potencial de produção do que adquirir uma semente de híbrido triplo transgênico com o preço incrementado pelo diferencial do custo do evento transgênico). Este último aspecto está sob o controle das empresas licenciadoras dos eventos transgênicos e já se verificou, na safrinha, uma redução no diferencial de preços entre sementes convencionais e transgênicas dos híbridos triplos em relação ao cobrado no caso dos híbridos simples.

De qualquer forma, a difusão desta tecnologia no Brasil apresenta um desempenho muito superior à verificada em outros países. No caso dos Estados Unidos, este percentual ao redor de 30% somente foi alcançado seis anos após as primeiras liberações e, na Argentina, tal patamar foi alcançado três anos após o lançamento das cultivares de milho transgênicas.