Em operação há sete anos no porto da Companhia Docas do Pará no rio Tapajós, mediante concessão obtida por licitação pública da Companhia Docas do Pará (CDP), o terminal de grãos da Cargill na cidade de Santarém entra este mês na etapa final do processo de seu licenciamento definitivo.
No dia 14 será realizada, no Iate Clube de Santarém, a audiência pública convocada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado como parte da análise do EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental).
Embora ainda sujeito a correções pontuais, o relatório a ser analisado na audiência do dia 14 deve pacificar – conforme expectativa já exposta pela empresa – uma situação de litígio que se arrasta por quase uma década, tendo chegado inclusive ao Superior Tribunal de Justiça em seus desdobramentos na esfera judicial.
“Estamos confiantes no rigor técnico e na qualidade com que o estudo foi desenvolvido”, afirmou esta semana o diretor de portos da Cargill, Clythio van Buggenhout, que assumiu o cargo em novembro do ano passado. Ele considera que “o longo – e por vezes turbulento – processo de licenciamento ambiental da Cargill em Santarém levou a um amadurecimento de todas as partes envolvidas, incluindo ONGs, comunidade local e a própria empresa”.
Algumas decisões relativas a esse processo chegaram a tocar, em alguns momentos, as bordas do nonsense, segundo avaliação de lideranças empresariais de Santarém. Isso aconteceu, por exemplo, quando houve a denúncia do Ministério Público Federal de que a construção do terminal graneleiro teria destruído um sítio arqueológico. A denúncia ignorou a conclusão de estudo realizado no local antes da construção e cujo laudo descartou a existência de qualquer material arqueológico de interesse científico naquela área, ciclicamente sujeita a inundações periódicas nos meses de cheia do rio Tapajós.
A empresa havia iniciado a construção mediante a aprovação, pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, de um PCA, o Plano de Controle Ambiental, como era de praxe na instalação de um terminal de transbordo (sem nenhum processo industrial) num porto público já implantado. E, embora não tenha sido constatado dano arqueológico, foi surpreendentemente condenada a realizar o EIA/Rima que não era objeto da petição original. O assunto ainda depende de decisão do STF, ao qual recorreu a Cargill antes de decidir espontaneamente, em 2007, antecipar a execução do EIA/Rima independente da decisão final para pacificar a sua presença em Santarém.
Ainda de acordo com Clythio van Buggenhout, o EIA/Rima do terminal de grãos, finalizado em setembro de 2008 pela consultoria independente e especializada CPEA, só foi protocolado na Secretaria de Meio Ambiente para análise em fevereiro passado. Durante esse tempo, o estudo foi aprimorado para atender a recomendações preliminares de diversos órgãos, incluindo o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado.
O diretor de portos da Cargill não questiona a ação do poder público no processo de licenciamento, considerando já quase inteiramente superados os problemas que a empresa enfrentou nos seus primeiros anos de operação. “Nós entendemos que as organizações de cunho ambientalista, o Ministério Público e a Justiça têm uma missão importante a cumprir”. De outra parte, considera estar claramente demonstrada, ao longo de todo o processo de elaboração do EIA/Rima, “a conduta socioambiental responsável da Cargill em suas atividades na região, de forma coerente com os princípios éticos e valores da empresa”, enfatiza.
Terminal movimenta um milhão de toneladas por ano
Enumerando pontos relevantes, o diretor da Cargill destaca o cumprimento rigoroso, pela empresa, da Moratória da Soja, como ficou conhecido o compromisso assumido pelas empresas nacionais do setor, em julho de 2006, de não comprar soja plantada em áreas desflorestadas na Amazônia a partir daquela data. A fiscalização da moratória passou a ser feita desde então através do monitoramento permanente das áreas plantadas em toda a região, com uso de imagens de satélite e fotos obtidas por sobrevoo.
Outra ação importante, registra, é o trabalho de conscientização dos produtores, que a Cargill começou a fazer em 2004 através do contínuo acompanhamento da conduta dos sojicultores em parceria com a organização não governamental TNC (The Nature Conservancy). Esse projeto, chamado Soja Responsável, mantém permanentemente atualizada uma “lista verde” e prevê a exclusão sumária dessa lista do produtor que eventualmente for flagrado em descumprimento das leis ambientais. Fora da “lista verde”, o produtor não vende seu produto para a Cargill e não recebe pré-financiamento na safra seguinte.
O terminal graneleiro movimenta por ano mais de um milhão de toneladas, dos quais apenas 5% são originários do entorno de Santarém. Apesar do percentual pequeno, esses cinco por cento – cerca de 50 mil toneladas – injetam na economia local algo em torno de R$ 35 milhões por ano, distribuídos por quase 200 produtores.
“O cultivo de soja é, portanto, uma atividade que gera empregos e múltiplas oportunidades, de forma direta e indireta”, acrescenta, observando ainda que mesmo assim a área atual plantada com soja é menos de 20% das terras agricultáveis de Santarém. O plantio de soja está restrito a áreas já desflorestadas em ciclos econômicos anteriores e até 2009, segundo dados do IBGE, o arroz continuava sendo a maior área plantada, mostrando a continuidade da produção diversificada, ao contrário do que se temia, que era a monocultura da soja.
Excetuando-se a pouca soja produzida no entorno de Santarém, o grosso do movimento da Cargill – 95% da carga, um milhão de toneladas – vem do oeste do Mato Grosso, em barcaças carregadas em Porto Velho, Rondônia, com uma enorme redução de impacto ambiental que haveria se toda essa carga seguisse por caminhão até os portos do Sul e Sudeste. “Como amplamente estudado, o transporte hidroviário traz enorme economia socioambiental, já que reduz significativamente os gastos com manutenção de estradas, os acidentes rodoviários e suas consequências, o consumo de combustíveis e as emissões de gases poluentes na atmosfera”, ressalta o diretor de portos.
Cuiabá-Santarém exigirá triplicar capacidade portuária
Estudos oficiais indicam que, com a consolidação da rodovia BR-163 – e tendo como parâmetro o porte do terminal da Cargill – será necessário triplicar a capacidade portuária para o escoamento de grãos na região de Santarém. Nessa projeção, convém ressaltar, considera-se que não haverá desmatamento adicional na Amazônia. Por isso a CDP já está prevendo, no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santarém, a partir de licitação futura, a construção de um novo terminal dedicado ao embarque de grãos, a ser operado por outra empresa.
O uso do modal hidroviário para o escoamento de produtos agrícolas é uma opção logística de interesse nacional e, para isso, são e serão necessários terminais especializados como o operado pela Cargill. O diretor de portos da empresa considera que o tempo ajudou a atenuar os questionamentos e temores iniciais, preocupações que não se justificavam por se tratar de uma obra complementar a um porto federal que já estava em operação desde os anos 1970.
Ressalta que o terminal de Santarém não tem planta industrial, não processa nenhum produto e nem trabalha com insumo químico. Na verdade, comenta, a Cargill possui unidades industriais no interior do país, onde fabrica produtos que muitos consomem nas suas casas, como os óleos Maria e Liza (líder do mercado nacional) sem sequer saberem que são produtos da Cargill brasileira, que não exporta toda a soja que compra – 40% são processados e ficam no País.
Considera ainda que durante esse tempo houve, por parte do poder público, ações altamente positivas para regularizar as questões fundiária e agrária na região, como a definição do Zoneamento Ecológico-Econômico do oeste do Pará, e a adoção obrigatória do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Sema. Também melhorou a disponibilidade de tecnologias de monitoramento por satélite e de georreferenciamento.
Todos esses fatores, na sua avaliação, contribuíram para tornar mais eficaz o controle sobre a regularidade da atividade agrícola no entorno de Santarém, conferindo-lhe maior segurança jurídica e permitindo identificar com precisão e rapidez os produtores que cumprem (ou deixam de cumprir) as leis. “Empresas social e ambientalmente responsáveis, como é o caso da Cargill, têm hoje a tranquilidade necessária para excluir aqueles que operam na ilegalidade e escolher exclusivamente os fornecedores aptos”, assinala.
Nesse cenário favorável, o diretor da Cargill se mostra confiante na pacificação da situação do terminal da empresa em Santarém a partir da audiência pública do dia 14. “Acreditamos que o definitivo licenciamento ambiental é do interesse de todos os que esperam e trabalham por opções logísticas mais viáveis para o Brasil e por alternativas de desenvolvimento econômico e social para a região oeste do Pará”, finaliza.
MPF lista pelo menos 25 impactos socioambientais
O Ministério Público Federal, fonte principal dos questionamentos feitos ao terminal da Cargill em Santarém desde o início da implantação da obra, considera “extremamente insuficientes” as medidas de mitigação propostas pela empresa no seu EIA/Rima aos impactos socioambientais. O MPF, que vem há mais de um mês estudando a documentação apresentada pela empresa, com o apoio técnico de um grupo de consultores, disse que vai expor na audiência pública todas as inconsistências no estudo ambiental.
“Os dados de que já dispomos não são nada animadores. A avaliação feita pelo Ministério Público, com endosso dos consultores, é de que eles são muito superficiais e o quadro de mitigação não é compatível com a grandeza dos impactos causados”, afirmou nesta sexta-feira o procurador da República Felício Pontes Júnior. Ele deixou claro que o EIA/Rima será duramente contestado na audiência pública, na qual prevê a presença de aproximadamente quatro mil trabalhadores rurais, representantes de sindicatos de todos os municípios da região, inclusive os da Transamazônica, a partir de Altamira.
Felício Pontes Júnior disse que o MPF tem já devidamente analisados 25 impactos socioambientais decorrentes da implantação do terminal. Mas bastam dois, conforme frisou, para dar uma ideia precisa da fragilidade do estudo apresentado pela Cargill. O primeiro: como impacto, a empresa prevê o aumento do número de produtores de soja na região oeste do Estado. E, para efeito de mitigação, acena com o programa “Soja Legal”, uma iniciativa que, na avaliação do MPF, só vai agravar o problema, atraindo para a região novas levas de sojicultores.
Isso é particularmente grave, frisa Felício Pontes Júnior, quando se leva em conta que, em Santarém e nos municípios vizinhos, a agricultura familiar responde por cerca de 70% da produção de alimentos que abastecem os habitantes da região. Com o estímulo à produção de soja, a consequência inevitável, segundo ele, é a supressão de áreas destinadas ao plantio de culturas tradicionais e a consequente redução da oferta de comida para consumo da população local.
Outro exemplo citado por Felício Pontes Júnior foi a obliteração completa da praia Vera Paz, na orla do rio Tapajós, para construção dos galpões da Cargill. Como mitigação, pelo desaparecimento daquela que era, segundo o procurador, a mais concorrida praia urbana de Santarém, a empresa propõe como efeito mitigador a construção de uma pracinha. “Enquanto Belém tenta abrir janelas para o rio, Santarém está agindo no sentido inverso. Os galpões da Cargill estão tapando a visão do Tapajós e fechando em Santarém a orla mais bonita que temos na Amazônia, com cinco quilômetros de área livre à frente da cidade”, disse ele. E acrescentou: “Do ponto de vista urbanístico e também turístico, os prejuízos ali são muito grandes”.
Já a Secretaria de Meio Ambiente do Estado, que convocou a audiência pública, prefere não se manifestar por enquanto sobre o assunto. “A Sema desempenha neste processo o papel de magistrada, e como tal vai ouvir todas as partes interessadas para somente depois se posicionar”, afirmou a sua assessoria. “Antes da audiência, a nossa posição é de absoluta neutralidade”.