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Biotecnologia

Irresponsabilidade na divulgação científica

Em artigo, bióloga condena a obstrução da biotecnologia moderna na agricultura.

Nos últimos 20 anos, o número de aplicações comerciais da biotecnologia cresceu muito em diversos setores industriais. Mas é na agricultura que se apresenta um dos maiores avanços da aplicação da tecnologia: a produção de alimentos GM ou transgênicos.

A transformação genética de plantas é uma ferramenta que permite o aumento da produtividade dos cultivos e a melhoria da qualidade nutricional dos alimentos. Por isso, a biotecnologia foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) como ferramenta estratégica para suprir a demanda mundial por alimentos. De acordo com estimativas da entidade, até 2050 a população mundial chegará a 9 bilhões. Será necessário, portanto, aumentar a produção de alimentos em 70%, o que só será possível com a contribuição das seguras e modernas técnicas da biotecnologia.

Ainda que tais benefícios sejam reconhecidos, a produção de alimentos é um tema complexo, cheio de mitos e crescentes desafios. É compreensível que haja preocupação com possíveis impactos que a engenharia genética na agricultura possa causar. Na história da introdução dessa e de outras tecnologias, o debate é polarizado e confuso, e nem sempre a qualidade da informação é o que prevalece.

No meio acadêmico, é comum o “peer review”, ou seja, a submissão do trabalho científico ao escrutínio de especialistas qualificados que contribuem para a qualidade antes da publicação em periódicos catalogados. Infelizmente, muitas vezes, alguns relatórios são amplamente divulgados de forma prematura, antes da revisão apropriada, e causam medo e desconfiança inadvertidamente.

Um dos casos mais evidentes e conhecidos é o do estudo desenvolvido pela pesquisadora russa Irina Ermakova, que continua a ser utilizado como fonte por algumas entidades contrárias a transgênicos e, sobretudo, ideologicamente opostas a multinacionais. Seus experimentos – cujos dados parciais e preliminares foram apresentados durante um congresso científico, em 2005 – foram revelados posteriormente sem padrões atuais de qualidade e com tratamento impróprio das cobaias. 

Em outro caso, um relatório austríaco sobre o efeito de alimentação prolongada de ratos com uma variedade de milho GM foi prematuramente divulgado. De acordo com o estudo preliminar, não teria havido diferenças significativas na taxa de sobrevivência e nem na reprodutividade nas duas primeiras gerações das cobaias, porém nas terceira e quarta gerações teriam nascido menos ratos no grupo alimentado com esse milho transgênico. Especialistas e outras autoridades, como a European Food Safety Authority (EFSA), a Food Standards Australia New Zealand (FSANZ) e o The Advisory Committee on Novel Foods and Processes (ACNFP) revisaram o estudo, que continha erros de cálculo e outras falhas. A qualidade do trabalho foi comprometida, motivo pelo qual a Áustria discretamente retirou a pesquisa como prova de risco do milho transgênico em questão. 

Esses e outros estudos nos quais, mesmo após revisão, foram constatados resultados insignificantes, pouquíssimo prováveis ou até incorretos, continuam a ser divulgados de maneira sensacionalista – ainda que a vasta maioria de estudos para acessar a qualidade e a segurança de alimentos apontem o contrário e que entidades profissionais científicas reconheçam a segurança dos produtos comercializados, a exemplo da FAO, Organização Mundial da Saúde (OMS) e academias de ciências, entre elas, Sociedade Real de Londres, Brasil, Estados Unidos, União Europeia e Vaticano.

Não há motivos racionais que justifiquem a obstrução da biotecnologia moderna na agricultura, claramente uma evolução da tecnologia, e é fundamental que, sobretudo, tenhamos responsabilidade na divulgação da produção científica, para que sigamos ampliando os conhecimentos e suas aplicações no sentido de aumentar a segurança alimentar, expandir a produção de alimentos, além de evitar o aumento do uso de água e desmatamento.  

Lúcia de Souza é bióloga, doutora em bioquímica e membro da Public Research and Regulation Initiative (PRRI).