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Economia

Produção concentrada e maior

O economista Ricardo Amorim, um dos expoentes brasileiros da economia global e analista dos países emergentes, aponta as tendências para o Brasil na disputa do mercado internacional de commodities.

“Estamos num processo em que a única forma de o pequeno produtor não ser esmagado é ganhando escala”, enfatiza Ricardo Amorim, economista e presidente da Ricam Consultoria, quando responde a uma das perguntas feitas por Avicultura Industrial e Suinocultura Industrial, considerando os tipos de impacto que o movimento das aquisições e concentração da produção entre grandes empresas do agronegócio poderia gerar sobre a indústria das carnes. “Ou estes pequenos produtores se juntam e formam cooperativas, por exemplo, ou eles acabarão perdendo força nos processos de negociação e sendo esmagados”.

Amorim ganhou projeção no cenário econômico brasileiro, quando, no final de 2008, foi um dos poucos em sua área a prever a alta na bolsa brasileira e o papel do Brasil como protagonista no mercado internacional. Após oito anos de trabalho em Wall Street, nos Estados Unidos, Amorim retornou ao Brasil. Percebeu que a economia americana demoraria a se recuperar ao mesmo tempo em que o Brasil começava a assumir o papel de destaque na conjuntura global. Fundou a Ricam Consultoria e hoje integra o time dos principais entusiastas da economia brasileira. Em fevereiro de 2010, foi um dos três especialistas de mercado convidados pela revista Exame para participar de sua edição especial “Onde Investir em 2010”. Com sua perspicácia e experiência na economia, Amorim destacou  que os setores de construção civil e de commodities estão entre os mais promissores do mercado. 

Confira a seguir a entrevista exclusiva concedida por Ricardo Amorim, em São Paulo (SP): 

Avicultura Industrial e Suinocultura Industrial- Há dois anos, na AveSui 2008, você afirmou que o peso dos países desenvolvidos para o crescimento da economia mundial era decrescente. E que a influência dos Bric’s na economia global seria cada vez maior e decisiva. O que mudou nessa dinâmica de lá para cá?

Ricardo Amorim – Esta dinâmica se intensificou. Ela já é mais antiga, tem quase 10 anos. Mais ou menos de 2001 para cá dois terços do crescimento mundial aconteceu nos países emergentes e um terço nos países desenvolvidos. Então, é o contrário do que vem acontecendo desde lá. Se pegarmos o ano passado, por exemplo, todo o crescimento mundial aconteceu nos países emergentes e mais especificamente no Bric. Porque os países desenvolvidos deram uma contribuição negativa para o crescimento do PIB do mundo. E como a economia dos desenvolvidos decresceu, quando se analisa o impacto que eles tiveram no mundo e, se só houvesse esses países, o PIB mundial teria caído. Mas o PIB cresceu e cresceu exatamente por causa dos países emergentes. Então, eu diria que essa dinâmica não só continua, mas ela foi intensificada com a crise financeira. 

AI/SI – Você acredita que a crise financeira mundial aumentou a influência dos Bric’s no cenário global?

Amorim – Sim, porque os Bric´s continuaram tendo um bom desempenho, enquanto que os países desenvolvidos não. Ao contrário, os países desenvolvidos passaram a ter um desempenho pior do que vinham tendo antes. Então, a diferença aumentou e aumentou mais pelo lado ruim, pelo lado de os países desenvolvidos não só não crescerem, mas passarem a ter quedas no PIB, que em alguns países foi bastante significativa. 

AI/SI – Você acredita que os Bric´s podem alavancar e fortalecer a economia mundial?

Amorim – Eles já estão fazendo isso. E em alguns setores até mais do que em outros. No setor de alimentos como um todo, no setor de matérias-primas… Aliás, não só no setor de alimentos, mas também nos setores de metais, minerais e petróleo. Quem determina o que acontece no mundo hoje são os Bric´s e, de uma forma mais importante, mais relevante e por ordem, a China e a Índia. A China já é o maior consumidor mundial de metais em geral. Aliás, mais da metade, por exemplo, de alumínio e de vários produtos (porosos) são consumidos pela China. A mesma coisa este ano deve acontecer com energia. A China, em 2010, deve consumir mais energia do que os Estados Unidos. E a mesma coisa, de uma forma geral, acontece com vários alimentos. No caso específico de aves, nós temos uma situação um pouco diferente, mas ainda assim o principal importador de aves do mundo é um dos Bric´s: é a Rússia. Para o Brasil, o setor de carnes é fundamental para o seu crescimento Brasil e, principalmente, as carnes de aves e de suínos. O agronegócio brasileiro movimenta um PIB muito importante. Em 2000, este valor chegou a US$ 10 bilhões. Em 2008, o PIB do agronegócio brasileiro saltou para US$ 60 bilhões. A nossa vocação está justamente aí: na produção de alimentos. 

AI/SI – Não há uma certa rivalidade de interesses entre os países dos Bric´s? De que forma isto pode influenciar no desenvolvimento econômico do grupo?

Amorim – Sim, há e isso limita muito porque esses países, em várias situações, têm interesses até antagônicos. Na realidade, a grosso modo, dá para dividir o mundo hoje em três grupos de países. O primeiro, onde se encaixam os desenvolvidos e cuja grande vantagem competitiva está em dois pontos: ter muito capital, ter dinheiro – eles ao longo de séculos concentraram boa parte da riqueza mundial – e mão-de-obra qualificada – como o sistema educacional nestes países é melhor eles têm mais mão-de- obra qualificada. O segundo grupo são os países muito populosos e aqui, basicamente, estou falando de Índia e China, que são os dois determinantes. E o terceiro grupo são os países com área muito extensa. Que, de regra geral, são os países que têm vantagens na produção de alimentos, metais, minerais, enfim, matérias-primas em geral. E aqui estou falando de Brasil e Rússia. No caso dos Bric, e também de Canadá, Austrália, Estados Unidos, que são grandes produtores agrícolas ou de metais justamente porque têm áreas extensas. Então, isso cria, de fato, situações antagônicas. Normalmente, a situação mais comum é que as demandas de commodities, de matérias-primas, são definidas por países pobres, que têm muita gente, onde, primeiro, o padrão de consumo é mais baixo. Na China e na Índia, hoje, mais da metade da população ainda está no campo. O que deve acontecer nas próximas décadas é muita gente migrando, ou seja, saindo do campo e indo para as cidades. Para dar uma base, o grau de urbanização da China hoje é igual ao do Brasil em 1950. Então, haverá centenas de milhares de chineses e indianos que vão sair do campo para as cidades. Isso tem duas implicações: a primeira é uma menor produção de alimentos e menos gente trabalhando na produção agrícola. Segundo, maior demanda de alimentos, porque eles passam a ganhar mais quando passam a trabalhar na indústria ou no setor de serviços, e passam a comer mais e melhor. E, em particular, uma maior demanda de proteína animal. A segunda coisa é que é preciso construir as cidades. E aí é preciso construir estradas, rodovias, ferrovias, estruturas de telecomunicações, metrô. A China tem hoje 80 sistemas de metrô em construção. São 80 cidades, cada uma com cinco milhões de habitantes, ou mais, construindo todo o sistema de metrô. O que eles vão precisar de ferro, aço, cimento é uma loucura! E eu citei apenas três produtos que o Brasil é o maior exportador do mundo. E como o Brasil se beneficia disso? O que acontece? Geralmente, o que temos são as demandas chinesa e indiana e aí Brasil e Rússia, ao contrário, são provedores das matérias-primas. No caso da Rússia, uma concentração enorme de petróleo e gás natural. Já no caso brasileiro os produtos são mais diversificados. Especificamente no setor de aves temos uma situação atípica. O grande demandante não é a China e nem a Índia. A China até consome bastante carne de frango, mas também produz bastante. No entanto, o grande importador é a Rússia. Mas essa é uma situação um pouco diferente. 

AI/SI – O senhor acredita no poder dos Bric’s para sustentar e alavancar a economia mundial? Você concorda com Jim O’Neil (criador do acrônimo Bric), que declarou para a mesma revista que o bloco “é um bom mecanismo para pressionar os países ricos a mudarem seu papel na administração da economia global mais radicalmente?

Amorim – Acredito que em algum sentido sim. Acho que a importância do bloco dos emergentes em geral só vai aumentar. Recentemente, saiu uma notícia que a participação dos emergentes no Banco Mundial vai aumentar em cerca de 3%. A brasileira vai aumentar um pouquinho, a chinesa vai aumentar bastante, e o efeito disso, cada vez mais, é que os países emergentes, em especial os do Bric, vão sim ter mais peso nas negociações. No futuro, a participação dos emergentes em todas as instituições internacionais vai aumentar. Por uma razão muito simples. Hoje, a maior parte das reservas internacionais mundiais, e para ser mais específico 85% delas, está em países emergentes. Isso significa o seguinte: dinheiro para financiar FMI, Banco Mundial, o que for, vai ter que sair dos países emergentes. Metade está nos Bric´s. Acho que até mais do que a metade. O efeito dessa história é que se você não der mais participação para esses países não vai ter dinheiro para essas instituições. O que vai acabar acontecendo é que os países emergentes vão acabar criando o “banco dos países emergentes”, que vai se tornar mais importante que o FMI, que o Banco Mundial. Então, até para evitar que isso aconteça, os países desenvolvidos vão abrir espaço para os Bric´s.

AI/SI – Falou-se até na criação de uma moeda única para os Brics…

Amorim – Eu não acredito na formação de uma moeda. Acho improvável que isso aconteça. O mundo vai enfrentar um grande desafio nos próximos anos. As moedas tradicionais estão todas fracas. Hoje, a mais fraca delas é o euro. A Europa está passando um problema muito complicado e que não vai se resolver tão cedo. As outras moedas europeias como o franco, libra esterlina, não estão melhores, o dólar não é uma boa opção, já que os EUA têm emitido muito dólar e emitido muita dívida e isso significa que a moeda deve se desvalorizar ao longo do tempo. O yen é uma opção pior ainda. Então não sobra nenhuma das moedas tradicionais. O que teria que acontecer é que uma outra moeda deveria ganhar espaço. E esse ajuste não está muito claro. Teoricamente, a mais forte candidata é o yuan, a moeda chinesa, mas hoje ainda há uma série de restrições a negociações com o yuan e não dá para isso acontecer. Tem um pessoal que fala que seria possível usar a moeda do FMI, que na verdade é uma cesta de moedas, que eles chamam de DES – Depósito Especial do Saque. Não está muito claro o que vai acontecer, mas que devemos ter outra, ou outras moedas, ganhando força parece provável.

Hoje, não vejo coordenação para criar uma moeda única dos Bric´s. Até porque existem interesses antagônicos. A China, por exemplo, tem uma política cambial para manter a moeda mais fraca do que ela deveria ser como forma de estimular suas exportações. Moeda comum acabaria limitando isso. Então não acredito que isso vá acontecer. 

AI/SI – Ainda voltando a essa questão da rivalidade. Outro ponto de discórdia entre os Bric, de acordo com a reportagem da revista The Economist, estaria ligada às questões climáticas, uma vez que a Rússia estaria inserida junto às nações industralizadas pelo Protocolo de Kyoto, com obrigações que os outros membros não possuem. Isto realmente confere?

Amorim – Há várias fontes de atritos e diferenças. O frango é um bom exemplo. A Rússia tem uma posição completamente oposta à brasileira. Os interesses são antagônicos. O exemplo do Protocolo de Kyoto é um bom exemplo. Mas há outros como o Conselho de Segurança da ONU. Você tem a China, a Rússia e não tem a Índia e o Brasil. Países nucleares: você tem Índia, China e Rússia, mas o Brasil não é uma potência nuclear. Então, sob cada um dos aspectos há diferenças. Acho que especificamente o Protocolo de Kyoto, a grande dificuldade é que temos uma situação na qual a maior parte da poluição do mundo hoje é feita nos países ricos e não nos pobres. Simplesmente porque o consumo é maior e gera mais poluição. Os países ricos, por outro lado, corretamente dizem que não incluir os países desenvolvidos na luta contra a devastação ambiental e a poluição não vai funcionar. E eles estão corretos, porque o que vai acontecer é que o crescimento dos países emergentes vai aumentar o consumo e isso vai tornar os desafios ecológicos ainda maiores, ainda mais prementes. Então, a sensação que tenho é que é difícil chegar num acordo porque ambos os lados têm razão. E especificamente neste caso, a Rússia está entre os desenvolvidos. Então acho que vai ser uma situação muito complicada. A China, por exemplo, já é a maior emissora de gás carbono mundial. Então, você não incluí-la é um absurdo. Por outro lado, os chineses dizem, e com razão, que a geração per capita de gás carbônico na China é imensamente menor do que nos EUA e que o limite deveria ser per capita. E acho que os chineses estão certos. O problema é que para colocar um limite per capita seria necessário ter uma imensa redução dos países ricos. Coisa que parece não ser politicamente viável. Então, para ser franco, do lado de sustentabilidade eu sou extremamente otimista em um dos seus parâmetros que é o social. O que está acontecendo é que os países que mais crescem são os mais pobres e você vê isso dentro do próprio Brasil. Então, a situação social no mundo está melhorando e acho que vai continuar a melhorar. A contrapartida disso é que a situação ecológica vai piorar. Porque muitas pessoas que não tinham acesso ao consumo agora têm e, por extensão, passam a poluir mais do que poluíam antes. Então, eu me preocupo muito com essa questão ecológica. 

AI/SI – O senhor tinha falado um pouco sobre sua volta ao Brasil. Eu queria que você falasse um pouco sobre a situação dos mercados…

Amorim – Minha volta ao Brasil aconteceu há um ano e meio, na virada de setembro/outubro de 2008, basicamente porque eu acreditava, na época, e continuo acreditando, que a perspectiva para os próximos dez anos, um pouco mais, um pouco menos, enfim, para os países ricos é muito ruim. Eu não acredito que a crise dos países ricos tenha acabado. Eu acho que essa recuperação que aconteceu vai ser abortada. A recuperação dos países ricos pode ser comparada a um foguete que tem três estágios, aquela história de lançamentos de satélite. O primeiro estágio é o estímulo monetário e fiscal. Quer dizer, enchem a economia de dinheiro e tenta dar uma segurada. Esse estágio passou. Funcionou. Num primeiro momento, as empresas ficaram com medo, pararam de produzir, só que a queda de vendas tinha sido tão maior que o nível de estoques cresceu. O que aconteceu num segundo momento foi, depois que o nível de estoques cresceu, as empresas pararam de produzir por tanto tempo, a demanda com o estímulo monetário e fiscal voltou, e eles conseguiram acabar ou reduzir esses estoques. Então, essa redução de estoques é o meu segundo foguete. É você conseguir crescer e vender o que já tinha feito antes. Agora vem o terceiro estágio, que é esse que não vejo sustentar, que é a demanda dos países ricos voltar a crescer de forma que estimule a produção e a venda. Isso eu acho que não vai acontecer. E acho que não vai acontecer pelo seguinte: o que se tem nesses países hoje é que os consumidores estão sem emprego. O emprego não voltou a crescer, as pessoas estão endividadas e sem crédito. O crédito nos EUA, por exemplo, desde que a crise começou, já sumiu da oferta de crédito mais de US$ 1 trilhão. Tudo isso leva as pessoas a “apertar o cinto” e gastar menos. E ao gastar menos o país volta para a recessão. Então eu não acredito que essa recuperação vai ser sustentada. 

AI/SI – Há um processo de internacionalização de empresas brasileiras. O Brasil chegou à conclusão de que ele não vai poder produzir tudo aqui e exportar, ele vai ter que produzir lá fora também. Como você vê esse processo?

Amorim – Na verdade é uma consequência natural as empresas brasileiras se tornarem maiores no mercado internacional. Como nosso mercado começou a crescer muito rápido. É aquela história da participação no crescimento mundial, nosso estímulo ao crescimento mundial começou a ficar maior e a consequência disso é que as nossas empresas começaram a ficar maiores. Hoje, existem várias empresas brasileiras que são líderes mundiais. Essa é uma situação nova para o Brasil. Podemos usar o exemplo do próprio setor agropecuário. Se analisarmos o segmento de carnes e laticínios, a primeira empresa do mundo é brasileira, é a JBS-Friboi, e a segunda empresa do mundo também é brasileira, é a Brasil Foods. Acho que desde o ciclo da cana-de-açúcar não tínhamos duas empresas no topo do ranking de algum setor da economia mundial. E aí não eram nem duas grandes empresas, eram duas capitanias hereditárias. E é possível citar vários outros exemplos, a Ambev é hoje a maior cervejaria do mundo. Os próprios bancos. Há três anos, não havia nenhum banco brasileiro entre os 25 maiores do mundo. Hoje já são quatro bancos: o Itaú, o Bradesco, o Banco do Brasil e o Santander Brasil. Podemos pegar também o setor de informática, que é um setor que no Brasil parece que não tem nada competitividade, hoje a Totus é a sétima empresa do mundo em informática. O ponto é: essas empresas são grandes líderes no mercado brasileiro, o processo natural de expansão é para fora. E é isso que está acontecendo. A Brasil Foods é um bom exemplo, eles exportam para mais de 100 países. Então, se tem uma situação em que cada vez mais as empresas vão olhar para fora. Já que eu falei de bancos, o Itaú que é o oitavo maior banco do mundo, oitavo ou sétimo, não me lembro bem, já tem uma presença importante na América Latina. Então esse é um movimento natural. 

AI/SI -O próprio Banco do Brasil acabou de comprar o Banco Patagônia, da Argentina…

Amorim – O Itaú comprou, há uns três anos, as operações latino-americanas do Bank de Boston. O grupo BTG Pactual comprou as operações do Lehman Brothers, quando a Lehman quebrou nos EUA, há um ano. Há uns seis meses, eles compraram as operações brasileiras do UBS. O UBS é o maior banco da Suíça, lugar de banco por excelência. Quando se tem um banco suíço vendendo uma parte do negócio para brasileiro e não o contrário, o mundo está de cabeça para baixo. 

AI/SI – O Brasil adiou para daqui a dois meses a aplicação das retaliações comerciais contra os Estados Unidos autorizadas pela OMC. Em sua opinião, o Brasil deve e vai retaliar os Estados Unidos? Quais os reflexos que essa decisão pode trazer para o comércio entre os dois países?

Amorim – O que acho que o Brasil deve fazer – e aparentemente foi o que ele fez – é que ele tinha que retaliar, mas não com o objetivo da retaliação. A retaliação era a única forma de forçar os EUA a acabar com o processo de subsídios que estava acontecendo. Coisa que, aliás, inicialmente ocorreu. O subsídio do algodão foi retirado e, naquele momento, o Brasil também parou o processo de retaliação. Só que o subsídio já voltou. Portanto, o que acho é que, infelizmente, o poder de barganha que o Brasil tem é com a ameaça de retaliação. Agora, não é interesse brasileiro, de fato, impor tarifas mais altas de importação para produtos americanos, até porque isso é ruim para os EUA, mas também para nós. Os produtos vão chegar mais caros, a inflação aqui vai ficar mais alta e vamos acabar tendo taxas de juros mais altas e um menor crescimento local. Então, isso não é um bom negócio. Agora, o Brasil tem que ameaçar uma retaliação para conseguir que os subsídios lá, de fato, deixem de acontecer. 

AI/SI – O protecionismo de maneira geral, mas os subsídios concedidos aos agricultores americanos e europeus pelos seus respectivos governos, em particular, prejudicam o avanço do agronegócio brasileiro no mercado internacional. Qual o tipo de subsídio é mais prejudicial ao Brasil: o americano ou o europeu? Por quê?

Amorim – Depende de cada área. Na parte agrícola como um todo, existe volumes maiores e estilos de subsídios mais complicados. Porque boa parte é um subsídio não financeiro ou restrições fitossanitárias, ou determinação de limites de cotas. Mas depende do produto. Por exemplo, temos a determinação de cotas na questão do algodão americano. Então, isso varia um pouco. O impacto dos subsídios no final das contas é que ele é ruim para todo mundo, menos para aquele produtor que o está recebendo. O efeito do subsídio é reduzir a produção mundial da seguinte forma: o produtor brasileiro pode produzir algodão a um custo inferior ao americano. Só que o americano recebe um subsídio que faz com que o produto brasileiro chegue mais caro naquele mercado. Nessas condições, o produtor brasileiro não tem por que produzir, ao menos para aquele mercado. A consequência é que com menos oferta de algodão no mundo o preço fica mais alto. Moral da história: o resultado final do subsídio é menos produção no mundo e inflação mais alta. Ruim dos dois lados e para o mundo como um todo. Só quem saiu ganhando foi o produtor específico que recebeu o subsídio. 

AI/SI – O setor mundial de carnes atravessa um momento de forte concentração e as empresas brasileiras têm sido protagonistas nas aquisições. Que tipo de impacto esse movimento pode trazer par ao mercado?

Amorim – São vários impactos. O primeiro deles é que se tem um ganho de escala que facilita o processo de distribuição, inclusive fora do Brasil. Esse eu diria que é o ponto positivo. Mas há dois pontos negativos importantes. O primeiro é para o consumidor. Corre-se o risco de empresas tão grandes, tão fortes como ficaram, manipularem preços por falta de concorrência. O segundo é para o produtor de carne diretamente. O que aconteceu nos últimos tempos é que as empresas que fazem à comercialização de todos os derivados de carnes e de lácteos ficaram imensas. Isso força o produtor a ganhar escala, senão ele fica muito fraco na negociação. Então, uma das consequências que acredito que teremos é uma concentração no setor de carnes na parte dos produtores. Isso leva também à mesma coisa na parte de baixo, quer dizer, o produtor que planta milho e soja. 

AI/SI – Isso representa o fim do pequeno?

Amorim – Basicamente, sim. Estamos num processo em que a única forma de o pequeno não ser esmagado é ganhando escala. Ou eles se juntam, ou formam cooperativas. A dificuldade da cooperativa é todo mundo falar a mesma língua. Então, o que acho é o seguinte: o pequeno produtor que não se juntar, que não ganhar força no processo de negociação tende a ser esmagado. 

AI/SI – Quer dizer, esse movimento de concentração acaba sendo mais positivo para a indústria do que para o produtor…

Amorim – O que acho que tem um potencial lado positivo para o produtor é que essas grandes empresas brasileiras tendem a conquistar espaço lá fora.

Se analisarmos com mais atenção, todo processo de produção de proteína animal no final das contas é o seguinte: soja e milho é água processada. No fundo, para produzir, é preciso espaço e água doce. Carne é soja e milho processado. Portanto, é natural que a gente verticalize toda essa produção. Aliás, isso já está acontecendo. O Brasil é hoje o segundo maior exportador de soja, o maior produtor mundial de soja é brasileiro. Aí temos o segundo passo, que ainda não vi acontecer, no setor de carnes ainda está mais separado, mais diversificado. Agora os setores são grandes. O Brasil é o maior exportador de carne bovina e de aves e o quarto de suínos. Então, há um processo em que toda essa cadeia é vantagem competitiva brasileira. Como cadeia é ótimo. Agora, o problema que vejo hoje é que o produto do meio não tem a mesma escala que o de cima e nem do de baixo, então ele vai ser esmagado. É basicamente esse o problema que vejo acontecer. 

AI/SI -A atual cotação do dólar prejudica muito a competitividade de setores exportadores como a avicultura e a suinocultura brasileiras. Há um consenso nesses setores de que o marco regulatório do câmbio é do tempo em que o Brasil precisava atrair recursos externos. O oposto ocorre agora, e é preciso avançar, alterar, inovar. Como você vê essa questão?

Amorim – Essa é uma história complicada. Complicada no seguinte sentido: é bom o produtor e exportador de suínos e aves ter clareza do seguinte: ele nunca vai ter as duas coisas. Refiro-me a preço bom e câmbio bom. Por uma razão muito simples, o Brasil é um exportador tão importante de commodities como um todo que quando a demanda externa por commodities está forte e os preços sobem, e é exatamente o que aconteceu ao longo do último ano, as exportações brasileiras aumentam e o câmbio despenca. Então, o que o produtor e exportador têm que aprender a fazer é administrar essa disparidade. Quando a coisa está ruim, basicamente o câmbio vai estar lá em cima, só que ele não vai ter nem demanda, nem preço. Essa é a hora de ele travar o câmbio, e dá para fazer isso nos mercados futuros. Quando acontece o contrário, como agora, o que ele tem que aproveitar e travar o preço. Porque acho que vem uma crise na Europa e os preços não vão se sustentar, o câmbio vai lá para cima. Basicamente, o produtor tem que operar essas duas coisas e são nos momentos contrários. Nunca vai ter as duas coisas boas nessa direção. 

AI/SI – Você falou em uma crise na Europa…

Acredito que essa história da Grécia é só o começo dela. Existem vários outros países em situação tão frágil quanto à da Grécia. Portugal, Inglaterra, Irlanda, Itália, Espanha. Acho que vamos ter calote, país europeu dando calote na dívida e, basicamente, vem uma segunda rodada da crise mundial. Quando isso acontecer vamos ver o dólar acima de R$ 2,00. Talvez, chegando perto de R$ 2,50 como aconteceu da primeira vez. Acho que o dólar não vai chegar aos R$ 2,50, exatamente porque não se tem uma alavancagem tão grande de empresas exportadoras fazendo operações cambiais que foi um grande problema nessa última rodada. Acredito que isso não vai acontecer. Mas vejo o dólar subindo bastante. Só que a contrapartida para exportador que achar que isso está ótimo é que o seu preço vai despencar. É será porque ele venderá menos e a preço mais baixo que o dólar vai subir. Hoje, está sobrando dólar aqui, o dólar cai. 

AI/SI – O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles afirmou recentemente que o real não faz mais parte do grupo “vulnerável” de moedas, e sim do conjunto de países exportadores de commodities. A valorização do real frente ao dólar ‘veio para ficar’?  

Amorim – Para mim no longo prazo vai. É preciso separar dois momentos. Os próximos seis a 12 meses, em que acredito que vem mais uma nova rodada da crise externa. E essa nova rodada da crise vai significar queda dos preços de commodities, alta do dólar e alta dos juros. Esse é o movimento de curto prazo que vejo acontecer, nos próximos seis a 12 meses. Para os próximos cinco anos, vejo exatamente o contrário disso. Se os emergentes se tornam cada vez mais importantes e os desenvolvidos cada vez mais frágeis, as moedas dos desenvolvidos vai valer cada vez menos. O dólar vai despencar. Acho que vai abaixo daquele um e meio que vimos em 2008. Talvez muito abaixo disso. E aí a contrapartida, o dólar vai cair, tudo que é importando fica mais barato no Brasil, a inflação cai e o juros também. O juro brasileiro ainda é muito alto para o padrão internacional. Então acho que temos que separar esses dois momentos, porque eles são exatamente opostos. Por que o dólar sobe quando tem crise? Porque o pessoal foge, da Europa, por exemplo. No caso, leva o dinheiro para os EUA, compra dólar e o dólar sobe. Esse é um momento de aversão a risco grande. Quando ocorre o contrário, a economia do mundo está boa, é o dólar que sofre. E, principalmente, num cenário em que os EUA estão perdendo importância, a China, Brasil, e todo o Bric ganhando importância.