Redação (03/03/2009)- A crise econômica internacional atirou a indústria de etanol dos Estados Unidos numa encruzilhada, interrompendo a expansão vertiginosa observada nos últimos três anos e alimentando dúvidas sobre sua capacidade de sobrevivência sem mudanças nas políticas governamentais que estimulam a produção de biocombustíveis no país.
Pelo menos 23 usinas americanas fecharam as portas nos últimos meses. Instalações capazes de processar 6,4 bilhões de litros de álcool por ano tornaram-se ociosas, o equivalente a um quarto da produção anual das destilarias brasileiras. Uma das maiores empresas do setor, a VeraSun, pediu concordata e pôs à venda cinco das suas 16 usinas.
O consumo de combustíveis está caindo nos EUA, porque as pessoas estão dirigindo seus carros com menos frequência para economizar e enfrentar a recessão. Isso reduziu a demanda por etanol, que as refinarias americanas usam principalmente como aditivo na composição da gasolina. A capacidade instalada nas usinas do país é hoje mais do que suficiente para atender às necessidades das refinarias.
A desaceleração da economia mundial também causou uma queda acentuada dos preços do petróleo no mercado internacional, tornando a gasolina mais barata que o etanol nos EUA e reduzindo o interesse das refinarias pelo combustível alternativo. As refinarias agora têm adquirido apenas o volume mínimo de álcool necessário para cumprir exigências da legislação.
As cotações do etanol no mercado americano caíram 46% desde o pico alcançado em meados do ano passado, de acordo com o economista John Urbanchuk, um veterano consultor da indústria. O milho usado como matéria-prima para fazer etanol nos EUA também ficou mais barato, mas seus preços continuam em níveis historicamente elevados, encarecendo os custos das usinas.
Isso tem comprimido as margens de lucro da indústria, tornando especialmente vulneráveis empresas como a VeraSun, que se endividaram bastante nos últimos anos para aumentar sua capacidade de produção. Investidores que no passado recente apostaram alto no setor agora pensam duas vezes antes de sacar o talão de cheques.
Até grandes grupos como a Archer Daniels Midland (ADM) foram afetados. Suas usinas têm condições de produzir 4 bilhões de litros de etanol por ano e tiveram um prejuízo de US$ 111 milhões no último trimestre. A perda anulou quase todos os ganhos obtidos pela ADM com adoçantes e outros produtos derivados do milho que ela também vende.
"Fomos golpeados por uma tempestade perfeita, uma combinação perversa de fatores adversos", diz Bob Dinneen, presidente da Associação dos Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês), organização que defende os interesses das usinas americanas e realizou na semana passada uma conferência para avaliar o estado da indústria.
Os Estados Unidos produziram 34 bilhões de litros de etanol no ano passado. As metas fixadas pela legislação americana determinam que as refinarias ampliem o consumo para 40 bilhões de litros neste ano, o dobro do que elas consumiram em 2006. Será difícil cumprir a meta se a economia demorar para se recuperar e os motoristas mantiverem seus carros parados nas garagens.
Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde os postos de distribuição vendem álcool e gasolina separadamente e boa parte da frota de automóveis foi projetada para rodar com os dois tipos de combustível, nos EUA não existe a infraestrutura necessária para fazer isso e poucos carros têm motores bicombustíveis, o que restringe o potencial de expansão das usinas americanas.
A indústria está pressionando o governo e o Congresso a autorizar a venda de gasolina com concentrações de álcool maiores do que a permitida pela legislação atual, o que poderia ampliar rapidamente a demanda por etanol no mercado americano. Hoje, a mistura do álcool à gasolina é limitada a 10% nos EUA. As usinas gostariam de ver o limite elevado para perto de 15%.
O problema é que as montadoras de automóveis e os fabricantes de motores resistem a essa mudança. O governo tem feito testes para avaliar o desempenho de vários motores com diferentes misturas de gasolina e álcool. Resultados preliminares sugerem que alguns motores funcionariam mal com concentrações de álcool superiores a 10% e outros romperiam limites estabelecidos pelas leis ambientais para emissão de poluentes.
As montadoras temem ser soterradas por uma avalanche de processos judiciais se a mudança for aprovada. "Precisamos nos proteger contra as ações que virão se os consumidores forem forçados a usar um combustível para o qual os motores de seus carros não foram projetados", afirma Mark Maher, um executivo da General Motors que acompanha os testes em andamento.
As dificuldades da indústria dos EUA sugerem que o Brasil continuará enfrentando barreiras se quiser exportar volumes maiores de álcool para o cobiçado mercado americano. As tarifas que protegem o setor nos EUA encarecem o etanol importado das usinas brasileiras, que extraem o combustível da cana-de-açúcar e são mais competitivas que as destilarias americanas.
O Brasil vendeu mais de 2 bilhões de litros de etanol para os EUA em 2006. Como o petróleo estava em alta nessa época e as usinas americanas ainda não conseguiam suprir sozinhas a demanda interna, os produtores brasileiros conseguiram fazer bons negócios mesmo pagando as tarifas. No ano passado, os americanos consumiram muito mais etanol do que em 2006, mas o Brasil exportou para os EUA apenas 1,7 bilhão de litros.