Nildemar Secches, presidente do conselho de administração da Perdigão, está visivelmente satisfeito. Ele encontrou tempo em sua agenda ontem, no meio do processo de negociação para compra da Sadia, para uma apresentação sobre a história de governança da companhia.
A disponibilidade do executivo – embora o compromisso com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) estivesse marcado há muito tempo – chamou atenção. Não é para menos, diante dos comentários de que está à frente das conversas com a concorrente. O negócio fechou, então? Mas Secches não quis falar se a satisfação demonstrada ontem vinha da possível conclusão da compra da Sadia. Respondeu todas as perguntas, menos aquelas sobre o negócio. Não disse palavra sobre o assunto. Apenas sorria, enquanto um grupo de jornalistas tentava tirar qualquer sinal sobre a situação da transação, que se tornou pública há uma semana.
A própria Perdigão assumiu ter voltado à mesa após disparadas das ações da Sadia. Mas o executivo também não tinha nada para negar. O tempo de Secches, que é a cara da Perdigão desde a saída da família Brandalise do negócio, combina com os comentários de que as conversas para união estão avançadas, com as linhas gerais da operação já traçadas – como quanto atuais controladores da Sadia terão na empresa resultante em participação e poder, já que deve ser uma transação paga em ações.
Porém ainda falta costurar os detalhes – que ultrapassada a definição das linhas mestras não são tão pequenos assim. Na prática, significa colocar no papel a relação de poder dos sócios, em especial dos novos: as famílias Fontana e Furlan, hoje donos da Sadia. E o tema tem espaço para muitas divergências a serem solucionadas.Ingrediente que combina ainda mais com esse cenário é Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, afirmar à agência de notícias Reuters ontem que o BNDES criará uma linha de crédito de até R$ 3 bilhões para melhorar o capital de giro das indústrias de frango.
Conforme já noticiou o Valor, o negócio entre Perdigão e Sadia contará com apoio do BNDES, que deverá capitalizar a companhia resultante para que possa fazer frente aos vencimentos trazidos pela Sadia pelos prejuízos com derivativos. A dívida bruta somada das companhias, considerando a posição de dezembro, era da ordem de R$ 14 bilhões – 60% da Sadia.
Para a Perdigão, a compra da rival, que até 2007 sempre esteve à sua frente, será mais do que um negócio que dobrará a companhia de tamanho. Significará a vitória de um modelo de gestão, instalado em 1994, quando os fundos de pensão, junto com a WEG, assumiram a empresa da família Brandalise, praticamente quebrada. “Gastamos 60 dias, quando os fundos me chamaram, para saber qual seria o plano para a companhia”, contou Secches no evento do IBGC. “A ideia era transformar a empresa num exemplo do que os fundos achavam que uma companhia aberta deveria ser. Mas nessa época ainda não existia esse nome de governança corporativa.”Em 14 anos, até o fim de 2008, a Perdigão multiplicou por 26 a receita líquida e por 37 o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (lajida). O valor de mercado ficou 35 vezes maior.
A empresa, que tinha 12 mil funcionários em 15 unidades saltou para 60 empregados em 42 unidades produtivas, sendo três delas fora do Brasil. Será que esses números seriam a explicação da satisfação de Secches? Ou será que encerrar sua atuação na história da Perdigão da recuperação à compra da rival é que animam o executivo? Mas nem comentar a carreira, com esse olhar, Secches aceitou. “Não adianta. Não vou falar sobre isso”, respondeu, mantendo o bom humor. Caso a negociação chegue a bom termo, como tudo indica, seria criada uma companhia geradora de 120 mil empregos e com faturamento líquido anual superior a R$ 22 bilhões, conforme os números de 2008, e exportações próximas de R$ 11 bilhões.
A empresa resultante disputará com a Oi, após a compra da Brasil Telecom, o terceiro lugar entre as maiores companhias de capital aberto por receita líquida – certamente atrás de Petrobras e Vale do Rio Doce. E estará entre as dez maiores do país. Secches atribui o desempenho da Perdigão, ao longo dos últimos 15 anos, ao planejamento estratégico da companhia e a cultura e ética da administração.
No mínimo a cada três anos e no máximo a cada cinco, a Perdigão revê todo sua estratégia de longo prazo. “A pior coisa para governança é a surpresa.” Por isso, todas as grandes linhas gerais do nosso plano estão lá. O último plano é do começo de 2006, pouco antes da decisão da empresa de ir ao Novo Mercado e pulverizar o controle. De acordo com Secches, no documento a companhia já deixava claro o interesse no mercado de lácteos, em atuar com bovinos e ter uma unidade de produção na Europa. “Ficou faltando a presença na Ásia. Essa vai ficar pro Fay”, disse, referindo-se ao seu sucessor na presidência executiva da empresa, José Antonio do Prado Fay, no cargo desde outubro do ano passado.
O próximo planejamento de longo prazo começa a ser pensado em julho deste ano e deve ficar pronto até abril de 2010. Até lá, há tempo para saber se a Sadia será somada aos negócios. A companhia das famílias Fontana e Furlan tem até junho para encontrar uma saída financeira. Tudo indica que já encontrou. Mas quem participa do processo de negociação não descarta surpresas de última hora. A companhia resultante da possível união será do Novo Mercado. Secches acredita que a governança traz valor.
Desde que começou o processo, em 2005, que culminou com o segmento especial da bolsa, o giro diário médio com as ações da empresa subiu 538%, para US$ 27 milhões ao dia, enquanto que o volume transacionado na bolsa subiu 362%. Desde que aderiu ao espaço especial, a empresa investiu R$ 2,6 bilhões e agregou R$ 5,2 bilhões ao faturamento. Foram sete aquisições no período. “O risco para quem cresce com aquisições é a perda de identidade. É preciso cuidado nesse processo.”