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Economia

País resiste à proposta americana para Doha

EUA defendem, na prática, um modelo negociação bilateral de tarifas, o que esvaziaria o G-20.

O Brasil recebeu com “´reservas”´ a alternativa defendida pelos Estados Unidos para retomar e acelerar a Rodada Doha, e que está no centro da agenda do novo negociador comercial americano, Ron Kirk, em sua primeira visita, hoje, ao circuito comercial em Genebra.

Washington defende que os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) “saltem” a negociação das chamadas “modalidades” dos acordos agrícola e industrial e comecem a negociar bilateralmente as reduções de tarifas que lhes interessam. A presunção da proposta americana é que já concedeu muito na rodada e para continuá-la precisa receber bem mais sem pagar nada adicional, avaliam negociadores de países emergentes.

As “modalidades” definem quanto será o corte de tarifas e de subsídios, o prazo para isso ocorrer e outros detalhes, como fixação de cotas. Mas não dizem quais produtos terão as baixas de alíquotas. Isso virá na lista de cada país, detalhando seus compromissos específicos na negociação. Essa lista deve ser então examinada e aprovada pelos parceiros antes de um acordo ser concluido.

Pelo pacote de “modalidades”, que até agora não obteve consenso, os países desenvolvidos devem fazer cortes de 50% a 70% nas tarifas agrícolas, e os países em desenvolvimento dois terços disso. Os EUA devem limitar a US$ 14,4 bilhões os subsídios que mais distorcem o comércio agrícola, redução de 70% em relação ao que é permitido hoje. A União Europeia corta 80%, ficando em US$ 29 bilhões.

Na área industrial, os países desenvolvidos não poderiam impor tarifa acima de 8%. As nações em desenvolvimento têm três opções – por exemplo, tarifa máxima de 20% -, além de proteger vários setores industriais considerados sensíveis.

Essas cifras são baseadas numa proposta feita pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, mas os países não conseguiram chegar a um acordo até agora. Uma das razões é que os EUA sempre reclamaram que existem exceções demais à liberalização, que os acordos eram desequilibrados e não permitiam a Washington ver os ganhos para seus exportadores em mercados como Brasil, China e Índia.

Agora, a nova administração americana jogou um “balão de ensaio” que caiu como uma bomba nos círculos da OMC. Defende a fixação de uma data definitiva para apresentação da lista de compromissos de cada país, com ou sem acordos de “modalidades”. Até o fim do ano, os países deveriam dizer quanto e onde cortam suas alíquotas de importação, com base na interpretação que cada um dará às “modalidades” na mesa de discussão. E em janeiro começaria a grande barganha bilateral.

Indagado sobre esses desdobramentos, o embaixador brasileiro junto à OMC, Roberto Azevedo, foi incisivo: “Levar a negociação nessa direção não é um mero ajuste técnico, mas uma mudança de paradigma politico da Rodada Doha, com sérias implicações. Não estamos minimamente convencidos de que isso facilite ou acelere o desfecho da rodada”.

Negociadores apontam vários problemas na proposta americana. Primeiro, como as “modalidades” não seriam mais o ponto de chegada, e sim o ponto de partida do pacote final, não há limites para concessões. A presunção americana é que há ainda muito espaço para negociar corte de tarifas. Na área industrial, por exemplo, insistem em maior abertura do mercado brasileiro de químicos. Já os emergentes dizem que estão no limite do que podem conceder.

Segundo, a Rodada Doha se transforma numa negociação bilateral na prática. Significa a sentença de morte de grupos como o G-20, liderado pelo Brasil, e o G-33 da Índia e China, que não negociariam mais juntando forças, o que foi uma marca da rodada até agora, apesar dos problemas de cada grupo. Os EUA se tornam o único gorila na sala, negociando com cada país separadamente, usando sua força para arrancar mais abertura para seus exportadores. Terceiro, Washington concentra o foco em acesso ao mercado (tarifas, cotas), minimizando a negociação sobre corte de subsídios. Isso quando todo mundo sabe que subsídio só pode ser efetivamente negociado numa rodada multilateral.

Essa visão seletiva de negociar faz sentido do ponto de vista americano, de queimar uma etapa e apresentar ao Congresso e ao setor privado um pacote completamente fechado. Mas a nova ideia tem até agora o apoio explícito apenas do Canadá e uma envergonhada simpatia da Suíça. A União Europeia está contente com o modelo da negociação. China, Índia, Egito e outros grandes países em desenvolvimento também não querem nem ouvir falar de negociação bilateral.

A verdadeira posição do presidente Barack Obama na área comercial ainda não está clara. De um lado, não quer começar uma guerra comercial, e busca cooperação dos principais parceiros para reativar a economia mundial. Mas de outro lado, não consegue apagar as dúvidas sobre a prioridade que a Casa Branca dará para retomar Doha, justamente em plena crise econômica.