O georreferenciamento entrou definitivamente na pauta dos produtores do país. Originalmente obrigatório na comercialização de imóveis rurais acima de 500 hectares, o mapeamento por GPS de uma propriedade se tornou exigência para obtenção de financiamentos bancários e, a partir do ano que vem, também para a contratação de seguro rural. A medida ainda encontra a resistência de alguns agricultores e esbarra em barreiras burocráticas no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão do governo que dá o aval a esse mapeamento.
A exigência do georreferenciamento – o nome “chique” para a medição topográfica – ganhou força a partir do decreto número 4.449 de 2002, que regulamentou a lei 5.868 de 1.972. A lei escalonou para um período de dez anos a adesão gradual de imóveis rurais de diferentes tamanhos, iniciando com as propriedades de mais de cinco mil hectares, depois para mil hectares e, desde novembro do ano passado, para áreas acima de 500 hectares. A partir de 2011, imóveis rurais inferiores a 500 hectares terão de ser mapeados. Na prática, todas as propriedades rurais do país.
O georreferenciamento é uma ferramenta eficaz para desatar o nó fundiário que ainda existe em grandes porções do Brasil. Por meio do monitoramento por GPS é possível estabelecer os limites do imóvel com relativo alto grau de precisão, identificando as áreas de preservação permanente (APPs), reserva legal (RL), lavouras, pastagens, reflorestamento e também áreas inservíveis ou mesmo com benfeitorias.
Há no país hoje 5,5 milhões de propriedades rurais cadastradas, das quais apenas 13,5 mil foram georreferenciadas, segundo levantamento do Incra. Há ainda uma fila com 24 mil pedidos de análise de georreferenciamento protocolados no órgão. Com a retomada da comercialização de terras no país após o período mais crítico da crise econômica mundial, a fila tende a engrossar.
Isso porque o mapeamento por GPS é exigido pelo Incra no ato de venda ou compra de terras, assim como para o desmembramento e remembramento (incorporação) de propriedades. Transferências de titularidade de imóveis – de pai para filho, por exemplo – também necessitam do mapeamento. “Essa medida permitirá que daqui a uma geração o país conheça a sua malha fundiária”, diz Edaldo Gomes, engenheiro cartográfico e coordenador-geral de cartografia do Incra.
Está na história do Brasil: imóveis rurais jamais eram registrados com referências precisas sobre seu começo ou fim. Documentos antigos sobreviveram gerações referindo-se a “cursos d’água”, “estradas de terra” e “montanhas” como os limites reais das propriedades do país.
“Os limites das áreas urbanas ficaram mais claros somente a partir do início do Século XX. Nas áreas rurais, a situação é mais complicada e não havia nenhuma medida clara até os anos 70”, explica Olivar Lorena Vitale Júnior, advogado especialista em imóveis rurais do Escritório Tubino Veloso, Vitale, Bicalho & Dias.
Se no passado a disputa de áreas ficava restrita à vizinhança, hoje a situação é mais complexa. Vitale Júnior adverte que a retomada das vendas de terras, expressiva antes da crise, pode ficar comprometida se a propriedade não for corretamente mapeada. “Um imóvel georreferenciado pode ter maior valorização, uma vez que está apto a ser comercializado. Ou seja, sem entraves”, diz o especialista. “O perfil desses compradores [estrangeiros] é não fechar negócios quando a documentação não está certa.”
Uma alternativa para driblar essa exigência seria comprar a empresa que possui lotes de terra. “Mas isso implica riscos. O novo proprietário corre o risco de levar uma propriedade com passivos trabalhista e ambiental, por exemplo”, observa Vitale Júnior.
O produtor Luiz Fernando Gonçalves tem uma área de 2.150 hectares em Paracatu, em Minas Gerais, onde planta milho e soja. Gonçalves decidiu fazer o georrefenciamento porque se tornou uma exigência para garantir financiamento, principalmente de bancos estrangeiros. “Estou preocupado com a burocracia no Incra, porque sabemos que o negócio lá é demorado”, afirmou.
E, de fato, o não cumprimento da lei pode se tonar uma barreira. “O instrumento não está vinculado à concessão de crédito, mas tornou-se exigência, sobretudo quando o imóvel é hipotecado”, disse uma fonte ligada a banco.
Procurado, o Banco do Brasil informou que o georreferenciamento se tornou exigência para a concessão de financiamento. “A partir de janeiro de 2010, o georreferenciamento será obrigatório para a concessão de seguro rural”, afirmou José Carlos Vaz, diretor de agronegócios do BB.
Para fazer o georreferenciamento, o produtor é obrigado a contratar uma empresa especializada, que tem de ser credenciada pelo Incra. Fica a cargo do órgão a validação do documento. Weber Pires, diretor da Engemap, uma das empresas aptas a fazer esse trabalho, afirma que o georreferenciamento tira o “raio x” da propriedade, identificando vegetação, minérios e nascentes de rios, muitas vezes ignorados pelos próprios proprietários.
Quem está disposto a fazer o que a lei determina, contudo, esbarra em entraves burocráticos do Incra. A reclamação mais comum é que o processo costuma ser demorado, uma vez que há poucos funcionários destacados para fazer a análise de cada mapeamento. Edaldo Gomes, do Incra, reconhece a falta de técnicos. “É, sem dúvida, um problema”. De acordo com ele, há uma média de quatro funcionários para cada superintendência, mas eles dividem a análise dos mapeamentos com um sem-número de outras tarefas. “O ideal seria ter mais três funcionários por superintendência, dedicando-se exclusivamente a isso”, diz Gomes. Mas a demora na análise dos mapeamentos também reflete a falta de documentação ou de qualidade. “Muitos proprietários optam por contratar o serviço mais barato que não atende às exigências do Incra”, ressalta Gomes.
Darcy Eichelt, produtor de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, aguarda o aval do Incra há um ano. “Demos a entrada no ano passado e ainda não foi liberado. Não entendo porquê”, diz ele.