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A mania de se falar `portunhol`

Nesta crônica, o jornalista Júlio Gama fala sobre a superioridade do brasileiro em se achar capaz de falar espanhol sem nunca ter estudado a língua.

Da Redação 18/09/2003 – Esta crônica chamou-me a atenção, pois além de ser interessante, relata uma situação bastante corriqueira entre as relações comerciais de empresas brasileiras com clientes e fornecedores de países de língua hispânica. O velho e bom portunhol pode nos pregar constrangedoras peças e até acabar com excelentes negócios. Portanto, cuidado! Um pouco de humildade, interesse e um bom dicionário à mão não fazem mal a ninguém.

                                                               Andrea Quevedo

Eu falo portunhol

Ouvi essa história não faz muito tempo. Um pequeno empresário brasileiro dono de uma fábrica de equipamentos de alinhamento e balanceamento de carros quase infartou com o telefonema de um comprador da Venezuela.

Era o dia mais esperado pelo brasileiro, que há algumas semanas embarcara seu primeiro lote de peças para o exterior e já fazia planos para os US$ 400 mil que receberia na transação. Sem contar que se tudo desse certo, o comprador faria mais e mais encomendas.

Seria a internacionalização de seu negócio, mais dólares chegariam, investiria na ampliação de sua empresa no Brasil e, mais importante, estaria protegido das oscilações do mercado doméstico. Até que o telefone tocou.

Decidimos cancelar ahora el pedido – dizia o venezuelano, bem humorado.

O brasileiro suou frio, perdeu a voz, teve taquicardia.

Como cancelar? – perguntou, já imaginando em trazer mercadoria de volta, no tamanho do prejuízo e em como se vingar daquele sem-vergonha.

– Si, vamos a cancelar ahora. No prefieres así?

No, no y no! – respondeu o brasileiro, já descontrolado, aos gritos, antes de passar o telefone a seu gerente, que falava espanhol, e entendeu que cancelar era nada mais que pagar, cancelar a dívida.

Satisfeito com a qualidade das peças e com o cumprimento dos prazos, os venezuelanos haviam decidido pagar adiantado. Por pouco, uma parte dos US$ 400 mil não seria para pagar uma ponte de safena.

Gostemos ou não, o portunhol é o mais perto que o brasileiro chega do idioma dos países que o cercam. E o pior é que parecemos gostar. “Sim, falo portunhol“. A frase quase sempre sai com um ar de superioridade, um quê de esperteza, como se disséssemos “eu me viro, falo uma ou outra frase com a língua presa e no final da tudo certo”. Seja sincero, você conhece algum brasileiro que ao ser perguntado se falava espanhol, tenha respondido que não? Eu disse, seja sincero.

Se o Brasil quiser continuar sendo essa ilha de língua portuguesa cercada de hispanoparlantes por todos os lados, então fica decidido que o nosso portuol é a nossa segunda “meia língua” e não se fala mais nisso. Mas se queremos realmente fazer negócios com os países vizinhos, aproveitar com intensidade esse mercado consumidor de milhões de pessoas à nossa volta (e evitar pré-infartos), então está na hora de parar de brincar de portunhol, de matricular-se em um curso de espanhol, de estudar regras gramaticais, de ler livros nesta língua, de fazer trabalho de casa. Igualzinho fizemos um dia nos cursos de inglês.

O brasileiro precisa parar de pensar que fala espanhol!

O assunto voltou à tona em agosto durante o painel Construindo Multilatinas de Classe Mundial, no evento organizado em julho, em São Paulo, cuja idéia era discutir estratégias, modelos, alternativas de crescimento e integração de empresas latino-americanas. Um dos debatedores, o economista Roberto Teixeira da Costa, um dos líderes empresariais mais conhecidos e respeitados internacionalmente, disse que iria direto ao ponto. E foi “O brasileiro precisa parar de pensar que fala espanhol. Temos de estudar e falar corretamente”, disse Teixeira da Costa, para uma platéia que concordava com um leve balançar de cabeça, como se, até então, não houvesse parado para pensar nesse “detalhe”.

Mas há sinais positivos de mudança. O novo projeto de lei para o ensino de espanhol no Brasil deve obrigar as escolas a oferecer o idioma ao mesmo tempo em que dará liberdade de escolha aos alunos. A lei, ainda em debate, prevê o ensino de duas línguas estrangeiras nas escolas secundárias, das quais a escola oferece uma e o aluno escolhe a segunda.

Há algumas semanas toquei no assunto com o ministro da cultura do Brasil, o cantor Gilberto Gil, durante uma entrevista por telefone ele elogiou a volta do idioma espanhol às escolas brasileiras. “Que o Brasil aprenda espanhol de forma intensiva, em todas as classes sociais é uma coisa fundamental, estratégia para o País”, disse o ministro, que fala espanhol. “A língua espanhola é muito importante nas nossas relações multilaterais e bilaterais com os países da América do Sul”. O próprio Gil lembrou que nos anos 50 estudou não apenas inglês e espanhol, mas também francês e latim. Sim, mas naquele tempo também se acreditava que o Brasil cresceria 50 anos em cinco.” – Júlio Gama, editor-adjunto da AméricaEconomia.