A formação de uma nova classe média vem mudando a cara do Brasil. Nos últimos sete anos, 31 milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da pirâmide social e outros 20 milhões saíram da linha de pobreza. Pela primeira vez na história, a classe média passou a ser maioria no Brasil.
Essa evolução social fez explodir o potencial de consumo no País. Para o sociólogo e cientista social Bolívar Lamounier, essa classe média emergente tem tudo para se tornar um importante motor da expansão da economia brasileira nos próximos anos. Para tanto, porém, o Brasil precisa seguir avançando. “Não podemos cantar vitória antes do tempo”, adverte. “Essa mobilidade deveu-se, fundamentalmente, à estabilização da economia, à expansão do crediário e ao aumento da renda e do emprego, estimulado pelo crescimento da economia mundial”.
Bolívar Lamounier é um dos palestrantes do 9º Seminário Internacional Agroceres de Suinocultura, que acontece de 4 a 6 de agosto em Porto de Galinhas (PE). Em parceria com o também sociólogo Amaury de Souza, ele acaba de lançar o livro “A Classe Média Brasileira – Ambições, Valores e Projetos de Sociedade (Editora Campus/Elsevier; 192 páginas)”. Na entrevista abaixo, Lamounier analisa o fenômeno de ascensão social no Brasil, traça um perfil da nova classe média brasileira e avalia os impactos dessa evolução no poder de consumo das famílias. Confira.
Nos últimos sete anos, cerca de 30 milhões de pessoas ascenderam à classe média no Brasil. Como o senhor analisa esse fenômeno de emergência social?
Bolívar Lamounier – Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que se trata de um fenômeno internacional, não só brasileiro. Há processos semelhantes na Rússia, na Turquia, na Índia, obviamente na China, e em vários países emergentes. De fato, as grandes mudanças econômicas do fim do século 20, no plano internacional, e a estabilização da economia, no plano interno brasileiro, colocaram em marcha um enorme processo de mobilidade social.
É possível traçar um perfil dessa nova classe média brasileira?
Lamounier – No livro que fiz em parceria com o cientista político Amaury de Souza [A Classe Média Brasileira” (Editora Campus, 2010)], lançado neste ano, o critério de renda usado foi o sugerido pelo professor Marcelo Nery, da Fundação Getúlio Vargas, de R$ 1.115 a R$ 4.800 de renda familiar mensal. Isso equivale a 40% da população brasileira. Mas também usamos critérios de ocupação, educação e identificação subjetiva, ou seja, classe a que a pessoa julga pertencer. Trata-se, portanto, de um grande agregado social, bastante heterogêneo. Para destacar um fator que torna esse grupo relativamente homogêneo, eu diria a propensão a consumir, o desabrochar de um sentimento de ambição, um desejo de “subir na vida”.
Que tipos de impactos essa evolução social vêm gerando no consumo das famílias e, em especial, no consumo de alimentos?
Lamounier – Eu destacaria os bens e serviços no setor da eletrônica – acesso a computador, internet banda larga, televisão por assinatura – e o automóvel. Ainda entre os serviços, vem aumentando no segmento de classe média a demanda por viagens, shows e outros com que a maior parte dessa camada social antes nem sonhava. No setor de alimentos, se a ascensão da classe C se sustentar, o impacto tenderá a crescer. As famílias que integram essa camada social têm atualmente uma aspiração de consumir mais e melhor. Com o aumento da renda, elas querem ter acesso a produtos melhores e mais diversificados.
O senhor acredita que essa nova classe média será um importante motor da expansão da economia brasileira nos próximos anos?
Lamounier – Sem dúvida, basta lembrar que estamos falando de cerca de 40% da população – pelo critério da renda, antes mencionado-, um conjunto social enorme e com aspirações crescentes. A grande questão é se esse processo é sustentável ao longo do tempo. A sustentabilidade depende do crescimento econômico, isto é óbvio, mas depende também de uma grande variedade de processos microssociais que favoreçam a educação de boa qualidade, o empreendedorismo, a formação de redes sociais e, no limite, até atitudes políticas mais modernas.
Precisamos ter cuidado para não cantar vitória antes do tempo. A mobilidade desencadeada nos anos 90 deveu-se, fundamentalmente, à estabilização da economia, à expansão do crediário e ao aumento da renda e do emprego, estimulado pelo crescimento da economia mundial. Mas a economia brasileira ainda não está preparada para crescer de maneira sustentada por um período longo. Basta ver a infraestrutura. Estradas, portos e aeroportos estão no limite da utilização. Com o crescimento ora em curso, estamos vendo faltar até mão de obra especializada.
Qual a influência dessa nova classe média na eleição presidencial deste ano? Que peso esse novo estrato social terá sobre as políticas econômicas e sociais daqui pra frente?
Lamounier – Um conjunto social tão grande nunca se apresenta como um ator homogêneo na arena eleitoral. E não tem uma inclinação fixa a longo do tempo; lembremos que ela se inclinou decisivamente para Fernando Henrique em 1994, quando a questão central era a estabilização, e para Lula em 2002, na expectativa de políticas sociais mais amplas. Em 2010, acredito que ela se incline um pouco mais para Serra [José Serra, candidato à presidência pelo PSDB], principalmente se ele for percebido como promotor de maiores oportunidades de ascensão social. Ao contrário da classe média antiga, a classe B, a nova terá pouco espaço para se expandir se os rumos da economia forem estatizantes. Para continuar crescendo, ela precisa de empregos no setor privado e de um ambiente favorável ao empreendedorismo, o que estamos muito longe de ter no Brasil. De imediato, uma implicação política importante da ascensão da classe C poderá ser uma maior pressão pela reforma tributária. Com a estrutura tributária atual, dificilmente a parcela da classe média constituída por pequenos empreendedores conseguirá se expandir e desenvolver.