Uma série de pessoas chegando aos aeroportos com febre ou náuseas e achando que vão morrer, viagens sendo canceladas, contratos deixando de ser fechados, esse é o quadro do momento por causa de um novo agente causal de gripe para a qual a população ainda não possui todas as defesas orgânicas estabelecidas.
Na década de 80, uma séria doença acometia os suínos de grande parte do território africano. De lá passou para Portugal e pulou para a Espanha. Era a peste suína africana, que causou estragos terríveis às economias desses países e apreensão em todo o mundo, por conta da virulência, só contra os suínos, do seu agente causal, para o qual não existia vacina. Ao contrário do que ocorria com a peste suína clássica, nossa velha conhecida, o Instituto Biológico de São Paulo, bem como algumas outras instituições de pesquisa, tinha logrado descobrir vacinas décadas antes, acabanado com os surtos dessa doença em todo o Brasil.
Tudo corria bem com uma granja de porcos (não de suínos) nos arredores do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro que recebia os restos de alimentos dos aviões que lá chegavam, até que um dia, alguns animais começaram a ficar doentes, com febre e morreram praticamente todos. Tinha chegado ao Brasil a tão temida peste suína africana.
Pasmem, foi isso mesmo o que aconteceu, num país civilizado, com leis, organismos de defesa, etc. etc. Enquanto os inspetores do Ministério da Agricultura confiscavam das malas dos viajantes que chegavam, chouriços e morcelas, permitia-se que, pelo portão do fundo, saíssem toneladas de restos de alimentos.
Do foco original da doença no Estado do Rio de Janeiro para uma série de falsos “focos”, que iam do Oeste do Paraná a São Paulo, passando por Minas Gerais e outros estados, foi um pulo. Digo “focos” porque na época, só existia um laboratório que podia fazer o diagnóstico preciso e, desde que a doença foi notificada, todo e qualquer porquinho que espirrava ou ficava doente já se remetia para a peste suína africana. Centena de amostras de animais foram enviadas para esse laboratório na Ilha do Fundão na cidade do Rio.
Atolada em material para analisar, sem poder dar respostas conclusivas a todos, mesmo porque a maioria desse material vinha mal acondicionada ou mal coletada, o laboratório acabava referendando a suspeita, nada podendo fazer.
Assim, nesses anos, dezenas de criações foram erradicadas, muitas delas sem ter a tal peste. Uma dessas criações, em Piracicaba – SP, recebeu uma ordem para que todos os animais fossem sacrificados. Os proprietários não se conformaram, visto que nenhum óbito tinha ocorrido, alem dos leitões que tinham adoecido e sido enviados para o Rio de Janeiro. Entraram com uma liminar na Justiça, o abate foi suspenso e a demanda acabou ganha pelos suinocultores. Na verdade, não havia a doença naquela criação, como não ocorreu na maioria das demais. A granja acabou muitos anos depois, mas, por conta de crises de custos e de preços que ciclicamente rondam todas as explorações agrícolas entre nós.
Nessa época, já havia os “espíritos de porco”. Uma partida de soja foi recusada em entrega na Europa, pois, estavam com medo que os seus suínos pudessem ser contaminados. Muitas donas de casa pararam de comprar carne de porco e muita gente achava que iria morrer com peste suína africana, visto que as notícias eram as mais alarmantes do mundo.
Existia até um tipo de diálogo que ficou comum: a cliente chegava ao açougue e dizia:
– Quero um quilo de carne de vaca e, como não se pode comer carne de porco que está doente, me dá meio quilo de linguiça.
Era o caos da desinformação. Com isso, o consumo ficou muito reduzido, muitos produtores foram à ruína, centenas de granjas fecharam, exposições e certames de melhoramento genético foram suspensos e depois, o consumidor pagou por tudo isso.
Hoje, com a gripe já chamada de Mexicana, acontece a mesma coisa, embora a Organização Internacional da Saúde (OMS) tenha atendido ao pedido de suinocultores de todo o mundo e tenha dado o nome de gripe A (para ficar bem fácil), ainda uma parte da mídia continua a chamá-la de gripe suína.
As notícias são assim:
– Cientistas da OMS dizem que a gripe suína não tem nada a ver com os porcos, não passa para os humanos e que a carne pode ser consumida sem problemas.
Ora, está ocorrendo algo parecido com a dona de casa que não sabia que linguiça é feita, por definição, com carne suína.
Embora a mídia já tenha falado que a transmissão se dá pessoa a pessoa, o fato de que alguma vez o vírus possa ter passado do animal para o homem, não significa que isso continue a acontecer, como não continua a transmissão de HIV de macacos para o homem e sim entre humanos.
A mídia tem destacado que a carne não é afetada, e nem poderia, pelo vírus e que pode ser consumida. Mas a pecha acaba ficando, só pelo fato de se usar o nome “gripe suína”.
Isto ressuscita velhos mitos e tabus que nos chegaram das culturas ancestrais judaico-muçulmanas, e de uma série de outras desinformações.
A situação da nossa suinocultura não é das melhores. Crise globalizada, renda sendo reduzida, compradores cancelando contratos e, agora, uma gripe em gente, que continua a ser chamada de suína. Ninguém merece!
O que não pode ocorre é a desinformação que ocorreu no passado. Não estamos no tempo da ditadura militar, a imprensa pode circular à vontade e é bom que o faça, esclarecendo a todos, em especial aos consumidores.
É bom que desta vez, o suíno não pague o “pato” por causa de meia dúzia de espíritos de porco que acabem por tirar proveito em cima de alguém, quase sempre, o produtor rural.
-Armando Azevedo Portas. Ex-Presidente da APCS.