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Aclimatação de leitoas e dinâmica de infecção do Mycoplasma hyopneumoniae

Os suínos são considerados os únicos hospedeiros do M. hyopneumoniae e os suínos de todas as idades são suscetíveis à infecção

Aclimatação de leitoas e dinâmica de infecção do Mycoplasma hyopneumoniae

Ao longo dos anos o Brasil tem apresentado vocação para a produção de alimentos, destacando-se principalmente nas cadeias de produção das carnes, tendo a carne suína um crescimento no mercado agropecuário nacional (KRABE et al. 2013). Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é o quarto maior produtor e exportador de carne suína do mundo, tendo produzido em 2019 cerca de 3.983 mil toneladas.  Apesar do aumento de produção, o número de fêmeas alojadas em 2019 foi 1,06% menor que os números de 2018 (ABPA, 2020), representando um expressivo aumento de produtividade por matriz alojada.

Segundo Agriness, 2017, em seu relatório de melhores do ano, nos últimos 10 anos houve um aumento de 3,07 leitões/desmamados/fêmea/ano (LDFA) nas granjas cadastradas no sistema. Quando avaliadas as 50 melhores granjas, esse número mais que dobra, chegando a 6,34 LDFA. Essa proporção exponencial de crescimento está associada às melhores práticas de produção.

Grande parte da melhora dos indicadores está relacionada com melhoramentos genéticos, nutricionais e sanitários realizados e implantados nas diversas granjas brasileiras. Takeuti et al, 2018 resume muito bem a importância das leitoas de reposição nestes dois processos e reafirma a interação entre as leitoas e a dinâmica de infecção do Mycoplasma hyopneumoniae, agente da pneumonia enzoótica dos Suínos que está disseminada por todo território brasileiro e é responsável por grandes perdas produtivas e financeiras aos elos da cadeia produtiva da suinocultura brasileira (SOBESTIANSKY et al, 2001).

Na avaliação de Calsamiglia et al. (2000) demonstram que matrizes mais jovens foram mais prevalentes para M. hyopneumoniae que matrizes com maiores ordens de parto (OP). Mostrando que essa classe de animais é importante na persistência desse agente nas granjas suinícolas.

Pelas características imunossupressoras do M. hyopneumoniae que podem predispor a infecções secundarias (SOBESTIANSKY E BARCELLOS, 2012) surgem preocupações quanto à produtividade das leitoas que são expostas ao agente.

Uma das práticas de destaque na suinocultura brasileira é o melhoramento genético, que ao nível de granja se dá pela reposição de fêmeas de baixo desempenho produtivo as quais são descartadas e substituídas por marrãs de alto valor genético e assim dando sequência na manutenção do plantel produtivo da granja (WENTZ et al, 2011). Atualmente a reposição de matrizes descartes por leitoas é uma prática inevitável para se manter o sistema produtivo atualizado com o material genético, permitindo produzir leitões capazes de superar o desempenho nas fases de creche e terminação de lotes anteriores.

A reposição pode se dar pelo sistema de auto reposição, também conhecido como rebanho fechado, que ocorre através do alojamento de avós em conjunto com o plantel comercial e seleção das fêmeas que incorporarão futuramente o plantel produtivo. Outra forma é a reposição externa, caracterizado pela entrada de leitoas com idade em torno de 150 dias de vida provenientes de multiplicadoras externas, que podem estar anexas ao mesmo sistema produtivo ou não. Como principal gargalo Barcelos et al, 2007 aponta que as altas taxas de reposição, comumente encontradas entre 40 a 60%, podem gerar um alto risco sanitário no plantel de destino, uma vez que os animais de reposição podem ser portadores ou estar em período de incubação de agentes infecciosos não existes na granja de destino e provenientes do sistema de reposição de granjas multiplicadoras externas ao sistema em questão.

Para tanto, Barcelos et al (2007) discorre que a quarentena deve ser o primeiro nível de proteção da granja de destino, deve ser realizada na tentativa de possibilitar a identificação de sinais clínicos em animais que são portadores ou ainda estão em período de incubação de agentes potencialmente perigosos para a granja de destino. Realizada a quarentena se procede para a fase de adaptação, quando os animais recém-chegados são expostos aos agentes existes na granja, possibilitando uma exposição controlada, incentivando o sistema imunológico.

O mesmo autor juntamente com Takeuti et al 2018, reforçam que há dificuldades da realização da quarentena e da adaptação dos animais de reposição, como o alto custo de animais não produtivos, os elevados custos tanto construtivos e de mão de obra qualificada para o correto manejo dos animais, que comprometem a eficiência destas práticas e não viabilizam a sua prática na suinocultura brasileira. Nesse sentido, o método mais encontrado é a reposição de animais advindas de multiplicadoras externas de animais próximos aos 150 dias de vida, que são alojadas internamente das instalações das granjas em conjunto com o setor de gestação, principalmente em baias coletivas sem contato direto com as matrizes multíparas para aclimatação ao novo ambiente.

Segundo Bennenmann et. al., 2013, uma adequada adaptação da leitoa é um fator fundamental para atingir uma boa produtividade e longevidade da matriz. Comumente na execução das práticas de adaptação ou também chamada aclimatação das leitoas, essas são expostas a animais descartes ou com elevadas ordens de partos, também ocorre a exposição frente a animais com sinais clínicos ativos, como por exemplo, quadros de dispneia, de tosses, de espirros ou quadros de diarreia, tanto de leitões como de matrizes. O objetivo desse contato a outros animais ou até mesmo a material orgânico (fezes, secreções, placenta) possibilita que as marrãs entrem em contato com os agentes existentes na granja, aclimatando os animais o mais rápido possível para que quando atingirem a idade de cobertura possuam condições para focar sua energia na função reprodutiva.

Outro ponto indispensável para a aclimatação das marrãs é o programa de vacinas, que contempla a proteção desses animais às principais doenças, entre elas a circovirose dos suínos, pneumonia enzoótica e parvovirose. Ressalva às situações de necessidade de vacinas para outros agentes como os da pleuropneumonia suína, doença de Glasser e pasteurelose. Devido à idade da chegada desses animais a vacinação é imediata à chegada das marrãs na granja, pois a estimulação do sistema imune exige algumas semanas para a soro-conversão e garantia de proteção.

DINÂMICA DA INFECÇÃO DO Mycoplasma hyopneumoniae

Sabe-se que a realidade brasileira frente ao agente causador da pneumonia enzoótica é bem crítica, pois atualmente a doença está disseminada por todo o território nacional e portanto em muitas situações os animais são expostos à essa doença causada pelo Mycoplasma hyopneumoniae, que é também responsável por grandes perdas produtivas em sistemas intensivos. Sobestiansky et al (2001) apontam em seu estudo que há perda por pneumonia enzoótica de 2,1 suínos em cada 100 suínos abatidos, provenientes de granjas do estado do Paraná.

Sobestiansky e Barcelos (2012) classificam o M. hyopneumoniae como uma bactéria sensível às condições naturais e que em situações de ausência de fatores de risco, tanto a transmissão como a expressão da pneumonia enzoótica é atenuada. Por esse motivo os ambientes frios, úmidos e com muita poeira podem favorecer a ocorrência do M. hyopneumoniae. Essas características do M. hyopneumoniae favorecem o aparecimento de sinais clínicos a nível de campo uma vez que o controle ambiental dos fatores predisponentes seja pobre, ou por erros de manejo por parte do cuidador dos animais.

Os suínos são considerados os únicos hospedeiros do M. hyopneumoniae e os suínos de todas as idades são suscetíveis à infecção, a difusão é considerada lenta e o curso da doença é longa (SOBESTIANSKY E BARCELLOS, 2012). A principal forma de transmissão é pelo contato direto entre os suínos positivos e negativos chamada de transmissão horizontal, neste ponto se destaca a importância das paredes das baias compactas em sistemas de crescimento e terminação e respeitar a densidade de 1 suíno/m2 de piso, dificultando que ocorra o contato direto entre os animais.

Pieters (2012) considera a transmissão pelo contato direto entre a matriz e sua leitegada o principal motivo da perpetuação do M. hyopneumoniae em sistemas de produção segregada. Este preceito é reforçado por Sobestiansky e Barcelos (2012) que se referem à matriz como a principal fonte de infecção para a sua leitegada. Considera-se que quanto mais leitões positivos ao desmame maior será o impacto da doença no sistema de produção e portanto revela a severidade da transmissão vertical entre matriz e leitão.

Takeuti et al (2017) apontam que muitos trabalhos demonstram a importância da transmissão entre matrizes e leitões, considerando que os leitões nascem livres e logo após ao parto se tornam suscetíveis a contaminação por matrizes positivas e excretoras do agente no ambiente da maternidade (PIETERS,2012 ; SOBESTIANSKY et al, 2012). É aceito que os animais mais velhos sejam mais resistentes ao M. hyopneumoniae (SOBESTIANSKY E BARCELLOS, 2012).

Pijoan (2003) em estudo de 44 matrizes de diferentes OP e utilizando diferentes técnicas laboratoriais reitera que matrizes com OP menores foram mais prevalentes ao M. hyopneumoniae que matrizes com OP maiores, quando utilizado NPCR (NESTED PCR) em swab bronquial. Já utilizando Microscopia Eletrônica de Varredura, em fragmento de traqueia da região de Bifurcação Bronquial, este verificou uma diminuição das estruturas compatíveis com o M. hyopneumoniae quanto maior fosse a OP. No mesmo estudo ainda foi utilizado ELISA para detecção de anticorpos para M. hyopneumoniae em amostras de sangue que demonstrou tendência de diminuição dos níveis de anticorpos conforme aumenta a idade e OP das matrizes, ainda segundo autor este fato pode justificar falsos negativos para sorologia de animais mais velhos.

Calsamiglia et al (2000)  encontraram 52,4%, 38.9%, 35.3% e 0%, de matrizes positivas para M. hyopneumoniae comparando primíparas (OP1) e matrizes com OP 2-4, OP 5-7, 8-10, respectivamente, demonstrando que matrizes jovens possuem maior chance de excretar M. hyopneumoniae no período de lactação.

Pieters et al (2009) ao inocularem experimentalmente o M. hyopneumoniae, acompanhando o período que os suínos continuavam infectados, chegaram a resolução total em 254 dias após a infecção, quando nenhum suíno foi positivo ao PCR. Entretanto, neste mesmo trabalho, se verificou que entre os 80 e 200 dias após a infecção estes animais estavam transmitindo o agente para outros suínos sentinelas, com ou sem a presença de sinais clínicos, principalmente de tosse.

Portanto, considerando que fêmeas mais jovens são consideradas as portadoras excretoras de M. hyopneumoniae deve-se tomar algumas medidas de biossegurança para essa classe de animas a fim de amenizar a transmissão vertical e diminuir o impacto negativo em suínos de terminação. De acordo com Takeuti et al (2018) a exposição precoce de leitoas ao M. hyopneumoniae deve ser realizada logo após a entrada desses animais na granja, pois o processo de infecção pelo M. hyopneumoniae é lento e concomitante com seu longo período de incubação (SOBESTIANSKY E BARCELLOS, 2012), alguns trabalhos recentes comprovam que o período de excreção do agente após contaminação pode chegar a 214 dias, podendo resultar em matrizes jovens excretando o agente na maternidade.

Motivados por essas questões da dinâmica da infecção do M. hyopneumoniae, rotineiramente as agroindústrias e cooperativas motivam seus integrados/cooperados para adotar práticas de exposição das leitoas ao M. hyopneumoniae com a finalidade de reduzir o impacto do agente, tais práticas exigem a exposição forçada das leitoas ao M. hyopneumoniae, introduzindo marrãs de lotes anteriores entre as mais jovens. Ousando um pouco mais em sistemas mais tecnificados, as leitoas são expostas a aspersão de conteúdo liquido contendo o agente a fim de garantir o contato precoce de todos os animais que adentrarem no sistema de produção da granja.

IMPORTÂNCIA DO PRIMEIRO PARTO

O desempenho reprodutivo de uma matriz suína é determinante para o equilíbrio da atividade suinícola, uma vez que quanto mais leitões desmamados por matriz ano mais renda é obtida por unidade produtiva. Nesse sentido a preparação de marrãs para o início da vida produtiva é fundamental para que se atinja as metas de produção, sendo considerado a quantidade de nascidos vivos ao primeiro parto o divisor entre o manejo bem realizado e o risco de baixa produtividade. Rillo (2000) compilando trabalhos de vários autores afirma que existe correlação positiva entre a produtividade das matrizes com o número de leitões nascidos no primeiro parto. O mesmo autor discorre que o número de leitões nascidos no primeiro parto está relacionado com a precocidade da puberdade da leitoa, combinado com a cobertura ao terceiro cio após a chegada à granja, mais aspectos anatômicos do aparelho reprodutor, relacionados ao desenvolvimento corporal e peso da matriz.

Aparicio et al (2015) analisando dados de 125 granjas dos países da Espanha, Portugal e Itália, que compreenderam 715.939 coberturas, 476.816 partos e 109.373 matrizes em seu período produtivo, entre os anos de 2008 e 2010 demostram (Figura 1) a mesma correlação entre o número de leitões nascidos no parto com a longevidade e produtividade superior destas matrizes.

Portanto, o desempenho da matriz ao primeiro parto é fundamental para garantir alta produtividade nos partos subsequentes e isso está totalmente relacionado ao processo de aclimatação adotado a cada granja bem como os manejos de incentivo ao cio e peso a cobertura. Para tanto, perdas são justificadas quando o lote de marrãs é acometido por desafios sanitários, que possam exigir desvios de energia do organismo para as defesas imunitárias impedindo que a melhor performance seja atingida na parte da reprodução. Temos que considerar que o manejo de aclimatação tem a sua importância, ao mesmo tempo que é um manejo dinâmico e que portanto pode sofrer alterações ao longo da evolução sanitária dos planteis. Nesse sentido temos que estar atentos as mudanças e adaptarmos nosso sistema produtivo sempre em busca de melhores condições de saúde e consequentemente maior produtividade.

 

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Roberto Hilgert é médico veterinário com especialização em saúde e manejo sanitário de suínos, atua como Assessor Técnico de suínos na Vaccinar.