Luca Allegro e Nélson Ribeiro são vizinhos de porteira e se conhecem há mais de 30 anos. No final da década de 90, cada um tinha 40 mil pés de café. Eram pequenos produtores que, sozinhos, não tinham recurso para investir nas lavouras. Foi aí que surgiu a idéia de transformar a amizade em sociedade.
A primeira mudança foi a conversão dos cafezais para o sistema biodinâmico. O segundo passo foi sombrear o café.
Um dos fatores que auxiliam na boa produtividade é que todo o cafezal é irrigado por sistema de gotejamento, usado por até seis meses no ano.
A base da adubação da lavoura é o composto orgânico, que é feito com casca de café, esterco, minerais naturais e os preparados biodinâmicos.
As plantas também recebem uma dose de fosfato natural. A quantidade de cada adubo aplicado na lavoura é baseada na análise de solo, que Nélson faz duas vezes por ano. Na época da colheita, as cascas e a água da lavagem do café também viram alimento para as plantas.
Ao longo do ano, os cafezais também recebem os preparados biodinâmicos, como o Chifre-Esterco. Que depois de pronto é misturado com água e aplicado na lavoura. Nélson direciona o produto para o solo e a quantidade é bem pequena. Lembra uma benzedura.
Uma ferramenta importante para ter sucesso na produção de café orgânico e biodinâmico é a escolha de variedades que se adaptem melhor ao sistema.
A maior parte dos cafeeiros é das variedades catuaí amarelo e vermelho. Nélson também planta dois hectares de obatã, um hectare de acauã e meio hectare de café bourbon. “O catuaí e o obatã (estão indo bem). O acauã no manejo orgânico não está dando certo. Adoece muito”, explica Nélson Ribeiro.
A preocupação com a resistência das plantas a pragas e doenças se deve ao fato de que nesse sistema não é permitido usar veneno.
Como o sucesso do sistema, Nélson e Luca foram aumentando a lavoura. Hoje, eles já têm 160 mil pés de café. Dois terços em plena produção. A produtividade é de 40 sacas de café por hectare, o dobro da média nacional.
Na fazenda se faz café fino, de alta qualidade: o chamado café gourmet. Por isso, é preciso caprichar na colheita. O chão é coberto com uma lona, para evitar o contato dos grãos com a terra.
A colheita seletiva dá trabalho. Em um mesmo pé de café tem grãos em diferentes estágios de maturação. Por conta do sistema de chuvas dessa região, a planta floresce várias vezes.
É preciso mão-de-obra bem treinada para fazer esse serviço. Quarenta pessoas trabalham na colheita. A maioria é de Juciape, cidade que fica há 50 quilômetros.
A colheita do café acontece bem na época da entressafra da mandioca. É uma oportunidade para o pessoal engordar o orçamento.
A fazenda permite que o trabalhador leve até os filhos menores. As férias são na época da colheita e as crianças vão para ficar com os pais e brincar.
Durante três meses, as famílias vivem na fazenda, em um alojamento. Em geral, eles têm dois cômodos privados e dividem tanques e banheiros. A convivência não é difícil, porque todo mundo é parente.
Do campo a produção segue direto para o lavador. Lá os grãos verdes, que passaram pela colheita seletiva, são separados, por que dão bebida de pior qualidade. Os grãos maduros são preparados de três formas: em coco, descascado e despolpado.
Prontos, os lotes seguem pro terreiro, que é todo calçado e coberto com plástico. “Isso é importante porque na época da colheita chove muito”, diz Luca.
As laterais do terreiro são abertas para permitir uma boa ventilação. Além de ajudar na secagem, isso impede que o café fermente. Cada terreiro faz a secagem de um lote diferente de café. Eles são separados por variedade e dia de colheita.
Depois de secos, os grãos seguem para o beneficiamento. Passam por um secador e por um equipamento que retira a pele de cada grão. Em seguida, o café é selecionado por tamanho.
Luca e Nélson montaram até uma sala de prova, para avaliar a qualidade da bebida produzida na fazenda. “A gente acha que é importante que o produtor tenha controle sobre a sua produção. Não só para você saber o que você está fazendo, mudando técnicas e procedimentos e acompanhando o resultado, como na hora da venda. Quem diz se o café é bom ou não é a gente”, garante Luca Allegro.
Só depois dessa prova, a fazenda forma os lotes, que são padronizados de acordo com suas características de variedade, sabor e tipo de bebida.
Os micro-lotes são preparados de acordo com a vontade do comprador e quase toda a produção é exportada para os Estados Unidos e Europa.
A repórter Cecília Malan foi conhecer um dos compradores desse café, que vive em Stafford, na Inglaterra.
A empresa inglesa é uma micro torrefadora. Só trabalha com cafés especiais, comprados pelo mundo afora, em pequenas quantidades.
Stephen Leighton, dono da empresa, é um apaixonado por café, especialmente pelo brasileiro. “Minha primeira experiência, que me fez perceber como um café especial pode ser bom, veio do Brasil, de Minas Gerais. Eu me lembro do momento exato em que tomei aquela xícara e de como eu fiquei animado, quando percebi que dava para sentir até notas de chocolate”.
Stephen conheceu o café de Lucas e Nélson por um amigo em comum. Em 2008 foi conhecer a fazenda na Chapada Diamantina e ficou impressionado com o que viu. “Eu fiquei na fazenda por quatro dias. Luca e Nélson foram incríveis, me perguntaram: ‘o que você quer como comprador. Que tipo de café você quer que a gente faça?’ Por isso, sempre falo que os brasileiros são muito profissionais. Nos outros países produtores você não consegue isso”.
Stephen compra os grãos verdes para torrar e embalar na Inglaterra. Os pacotinhos de 250 gramas são vendidos pela internet e entregues na casa do consumidor.
Os grãos que Stephen compra na Chapada Diamantina são perfeitos para o café expresso.
Os consumidores ingleses são exigentes. Não abrem mão da qualidade, mas também não se importam de pagar por ela. Esses nichos de mercado garantem uma boa renda para os produtores da Chapada.
Para Luca e Nélson, a biodinâmica e o investimento na qualidade trouxeram a chance de competir com grandes produtores em um mercado que anda cada vez mais exigente.