O Brasil tem 120 milhões de hectares já degradados pela falta de cuidados na utilização da terra, que no curto prazo poderão ser recuperados e utilizados pela agropecuária nacional, ampliando, assim, a produção sem a necessidade de mais desmatamento. A opinião é do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wagner Rossi, entrevistado pelo jornal DCI. Essas terras equivalem a quase três vezes a área ocupada hoje para a produção de grãos (49 milhões de hectares).
Rossi, que defende os “avanços” trazidos pelo novo Código Florestal “para a segurança jurídica da agricultura”, prevê ajustes no texto aprovado na Câmara dos Deputados, na próxima etapa da tramitação do projeto de lei no Senado, como a supressão do poder dado aos estados para legislar sobre o tema. “A palavra do momento é o equilíbrio.”
“Anunciaremos em breve a criação de linhas de crédito para a recuperação de áreas degradadas, em especial pastagens, além de negociações com setores da economia para garantir o preço mínimo aos produtos agrícolas, dando tranquilidade aos agricultores, principalmente os médios e os pequenos”, conta.
– Um dos argumentos usados pelos ruralistas para defender a flexibilização do Código Florestal é o risco de faltar alimentos no País. O senhor, que apoia a reforma da legislação, concorda com isso?
Wagner Rossi: Posso garantir que o escopo da reforma do Código é garantir segurança jurídica para o produtor rural. Algo necessário. Infelizmente existem radicais dos dois lados: aqueles que queriam uma anistia ampla, geral e irrestrita, inclusive para o desmatamento ilegal, e aqueles que não enxergam a necessidade de eliminar excessos nas regras atuais. Preservar é extremamente importante porque, do contrário, as gerações futuras não terão mais água limpa nem terra para produzir. A palavra-chave que estamos construindo é o equilíbrio. A reelaboração do novo Código não estimula desmatamentos adicionais. A grande questão é regular a situação atual sem anistia. Para quem desmatou na época que isso já era ilegal, vai ter de recompor as áreas imprescindíveis, como as matas ciliares e topos de morros. Mas isso deve ser feito com racionalidade econômica, sem matar a galinha dos ovos de ouro do Brasil hoje, que é a agricultura. Temos de ter o pagamento pelos serviços ambientais, o que ainda vai levar algum tempo. Mas o que o exterior espera de nós é uma injustiça. Eles destruíram seus recursos naturais e agora exigem do Brasil. Temos 55% de nossa vegetação de cobertura original.
– O senhor concorda com a anistia aos desmatadores?
WR: A presidente Dilma Rousseff tem razão quando não aceita tratar igualmente quem desmatou legalmente ou ilegalmente. E nisso nós estamos de acordo. Na ditadura militar, os agricultores eram estimulados a desmatar na Amazônia para receber o título da terra doada pelos projetos de ocupação do governo. Agora esse produtor vai ser penalizado também? Os exageros certamente passarão por ajustes no Senado. O importante é que os avanços permaneçam, sendo o maior deles a segurança jurídica. Um dos pontos que será mais bem equacionado é a autonomia para estados e municípios legislarem sobre o tema. O Brasil é grande e as peculiaridades devem ser levadas em conta, mas também não dá para deixar cada unidade da federação fazer o que quiser. Tem de ter uma norma única, tanto que a Constituição já pede isso.
– Como aumentar a produção sem novas áreas para a agricultura?
WR: Nos últimos 22 anos o Brasil aumentou em 33% o total de terras cultivadas, período em que a produtividade avançou quase 300%, algo sem paralelo no mundo. E estamos avançando na relação entre aumento de produção-produtividade e conservação ambiental. Ano passado lançamos o Programa de Baixo Carbono, que financia, com juros menores e prazos mais largos, as práticas sustentáveis do ponto de vista da preservação da natureza, como, por exemplo, a recuperação de solos degradados. Reservamos R$ 2,5 bilhões para esse objetivo. Além disso, o Brasil tem 120 milhões de hectares degradados, disponíveis no curto prazo. O que precisamos para incorporar esse volume de terras, que é quase três vezes a extensão utilizada hoje para a produção de grãos – este ano ocupamos 49 milhões de hectares – é ter uma política pública para recuperar essas terras. Hoje não existe mais terra fraca ou imprópria, existem terras sem o adubo necessário ou correção de solo. De todos os recursos naturais, terra e água são os mais importantes e escassos. Temos a maior reserva de terras disponíveis e podemos triplicar nossa produção de grãos sem derrubar uma árvore em qualquer bioma. Nós vamos fazer isso compatibilizando com a preservação ambiental. Mas isso demanda recursos.
– Existe algum risco de faltar alimentos no Brasil?
WR: A grande janela de oportunidade do momento é a agropecuária. A FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação] prevê a necessidade de ampliar em 50% o volume de alimentos no mundo nos próximos 20 anos, sob pena de algumas regiões passarem fome. Isso significa aumentar muito a oferta de alimentos no mundo, e quem pode fazer isso é o Brasil, a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai. Apesar de situações ainda onerosas, como o câmbio e a infraestrutura ainda deficiente, as perspectivas do agronegócio brasileiro são excelentes. Este setor difere da indústria e dos serviços porque sofreu menos com a crise de 2008 e conseguiu superar os obstáculos. A previsão de safra para o ano que vem é de 160 milhões de toneladas de grãos, algo impossível de prever dez anos atrás. Quando chegamos a 100 milhões de toneladas já foi uma euforia. Nesses últimos 12 meses nós exportamos US$ 81 bilhões – no ano passado o volume foi de cerca de US$ 73,4 bilhões – e importamos apenas US$ 13,4 bilhões.
– O processo vai até onde?
WR: O agronegócio é fantástico porque ele gera recursos, exporta muito e importa pouco. Fizemos US$ 60 bilhões de superávit comercial do agronegócio. Isto quer dizer o seguinte: estamos com dificuldade com a concorrência. Estamos apanhando na indústria e em serviços, que têm déficits comerciais. E o agronegócio pagou o déficit e ainda gerou um superávit comercial de US$ 20 bilhões.
– Com relação à China: quem os alimentará? O Brasil será o principal fornecedor de alimentos para os chineses?
WR: O Brasil é o país que possui o maior potencial para ampliar a produção de alimentos. Os Estados Unidos têm grande capacidade tecnológica, mas não dispõem de recursos naturais para ampliar sua produção. A Austrália está no limite dos seus recursos naturais e já tem boa capacidade produtiva. A Nova Zelândia, que é grande produtora de lácteos, também não tem muito como ajudar. Já a Argentina tem capacidade para ampliar a sua produção de alimentos, mas está com um notório problema de relacionamento com o setor produtivo.
– Alguns países querem controlar o preço das commodities, isto será um problema?
WR: O presidente da França [Nicolas Sarkozy] fez a proposta de controle de preços internacionais de commodities e a contenção da volatilidade dos alimentos, e eu me revoltei, pois por 30 anos sofremos com os nossos preços deprimidos. Muita gente perdeu fazenda, vendeu o que tinha para pagar dívidas. Durante esse período nunca vi ninguém dos países ricos cogitar em reorganizar os preços dos produtos agrícolas para que nosso produtor tivesse o mínimo resultado.
– Nossas exportações beneficiam o produtor hoje?
WR: Hoje a relação de troca é diferente do passado, quando era muito oneroso produzir bens primários porque a reposição de preços era muito mais forte por parte dos países ricos, que tinham seus produtos industriais com preços elevadíssimos e compravam nossa matéria-prima a preços baixos. Hoje não é assim, temos condições de colocar preços em nossas mercadorias. Outra coisa que mudou o patamar na agricultura foi a diversificação de mercados. Ficávamos cativos dos EUA e da Europa. Aumentamos muito a nossa eficiência: temos preços, produtos de qualidade e o fazemos com muita desenvoltura e de forma crescente.
– O País poderia ser mais ativo na busca de novas oportunidades
WR: Após a crise de 2008, a Europa praticamente cortou, com alegações sanitárias que na verdade eram uma ação mercadológica, seus compromissos comerciais. As exportações de carnes brasileiras, por exemplo, caíram 85%. As pessoas não entenderam as decisões do presidente Lula. Não era uma questão política e ideológica ter uma relação com o Irã, pois este país passou a ser um dos nossos maiores parceiros. Assim, conseguimos compensar a perda da Europa com outros mercados do Oriente Médio, e quando eles começaram a voltar não perdemos esses novos parceiros. Hoje é diferente, muita gente quer nosso produto, nós temos a quem vender, temos alternativas e uma relação de troca em outro patamar. É claro que queremos também agregar valor: é melhor vender refeições prontas do que carne in natura.
– A política externa pode abrir um novo cenário para o Brasil?
WR: Sofremos quando a Europa tirou vários de seus pedidos e tivemos de correr atrás para vender. Foi um grande aprendizado. Conseguimos abrir novos mercados. Estávamos muito subordinados. Hoje não temos subordinação a ninguém, a nenhum país do mundo. Todos vimos o protagonismo pessoal do presidente Lula e o respeito que a presidente Dilma tem recebido. Pode mudar de governo e o Brasil vai ter um patamar de respeito que nunca teve antes. Tanto que hoje podemos dirigir grandes instituições internacionais. Na nossa área temos, na FAO, a candidatura de José Graziano da Silva [ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome no início do governo de Lula] e Robério Silva [diretor do Departamento do Café da Secretaria de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura], que deve ser o próximo diretor executivo da OIC [Organização Internacional do Café].
– O Brasil é grande produtor de alimentos, a desindustrialização é um caminho sem volta?
WR: A nossa indústria tem de encontrar o seu caminho e se posicionar no mercado internacional. E esperamos que ela faça isso para ganharmos mais espaço no setor industrial e de serviços. Não dá para manter o discurso do passado, com preconceito contra o campo. A sociedade brasileira era urbana e litorânea, não tinha vocação para a interiorização. Quem começou isso foi Juscelino Kubitschek. Quem podia imaginar que o cerrado seria o grande celeiro do mundo em termos de grãos? É claro que em 20 anos o Brasil pode evoluir muito no setor industrial. Então, ser produtor de alimentos é uma janela de oportunidades.
– O País está à frente também em infraestrutura; e a logística para armazenar e escoar a produção?
WR: Hoje temos, através do PAC, as obras de ampliação e construção de ferrovias que trarão vantagens, pois sair pelos portos do norte, onde o frete é mais barato, muda totalmente a logística. Hoje o milho do Mato Grosso é levado a todo o Brasil de caminhão, reduzindo o valor agregado da carga. No passado, fizemos uma opção errada pelas rodovias, mas não tínhamos alternativa. O importante é incorporar uma intermodalidade que nos conduza a preços médios. Hoje existe uma grande liquidez no mercado internacional em busca de oportunidades de investir em infraestrutura no Brasil.
– Onde o Brasil pode crescer mais: em produtividade? Em área?
WR: Nosso crescimento é baseado em um tripé. Primeiro, o Brasil possui produtores altamente aplicados, que são capazes de mudar os processos produtivos, incorporar ciência e tecnologia. Ao lado disso, temos um sistema de apoio à pesquisa que é muito importante. A Embrapa é o símbolo disso, adaptou sementes e criou novas tecnologias. Além dos investimentos de multinacionais. E o terceiro é a lógica econômica do governo frente a agricultura. Todos os últimos governos atuaram com o objetivo de não fazer subsídio, mas apoiar com financiamento, garantia de preço mínimo, entre outras ações. Embora longe do ideal, são medidas efetivas e legais.
– Como os subsídios praticados em alguns países?
WR: Exatamente. O fato de termos alcançado tanta eficiência no agronegócio chama a atenção lá fora, tanto que os EUA fizeram uma pesquisa para verificar por que damos tão certo sem usar subsídio, como eles dão, e ainda nos acusaram de fazer o mesmo. Nós ajudamos, sim, mas sem subsídio.