O acordo comercial parcial alcançado entre Estados Unidos e China na semana passada pode ser um alívio para produtores norte-americanos prejudicados pela disputa entre os países, mas o otimismo do setor vem sendo atenuado por ceticismo em relação às metas ambiciosas de negociadores dos EUA. Negociadores norte-americanos afirmam que a China se comprometeu a elevar as compras agrícolas a pelo menos US$ 40 bilhões – e talvez até a US$ 50 bilhões – anualmente nos próximos dois anos. Se o máximo da meta for cumprido, as vendas dobrariam em relação ao pico de antes da guerra comercial.
“Eles precisam de carne suína dos EUA e de soja dos EUA. Mas eles precisam de US$ 50 bilhões em produtos agrícolas? Absolutamente não”, diz o conselheiro de marketing agrícola da First Choice Commodities, Dave Marshall.
Há poucas dúvidas de que a China pode aumentar suas compras, que hoje estão em torno de US$ 10 bilhões por ano. A produção de carne suína do país asiático foi dizimada pela peste suína africana e o país ainda não consegue alimentar sua população de quase 1,4 bilhão de pessoas apenas com ofertas domésticas. O controle do governo sobre a economia também facilitaria o processo. Mesmo assim, em quase duas décadas de exportações agrícolas volumosas dos EUA para a China desde que o gigante asiático entrou para a Organização Mundial do Comércio (OMC), nunca houve um período com crescimento na escala projetada pelo acordo. Outro motivo para ceticismo é a falta de um acordo escrito, formal, que oficiais afirmam estar em fase de rascunho e sob revisão.
De acordo com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, o maior valor das exportações agrícolas dos EUA para a China foi de quase US$ 25 bilhões em 2013 e 2014. No entanto, analistas afirmam que uma razão importante para as exportações alcançarem níveis tão elevados era o preço mais alto das commodities. Em 2013, futuros de soja eram negociados a aproximadamente US$ 13,50 o bushel – mais de 30% a mais do que o valor do fechamento de terça-feira. Futuros de milho e trigo estavam aproximadamente 100% mais altos em 2013 do que hoje.
Uma das formas como os EUA podem alcançar a meta seria expandindo vendas de outros produtos agrícolas. O acordo também vai retirar barreiras para aditivos de ração animal e biotecnologia agrícola que impediam agricultores norte-americanos de explorarem por completo o mercado chinês, afirma o gabinete do representante comercial dos EUA. Em novembro, a China permitiu a entrada de carne de frango norte-americana no país pela primeira vez em quatro anos, algo que pode levar a vendas de mais de US$ 2 bilhões. Os EUA afirmam que outras carnes, frutos do mar, arroz, lácteos e até comida para pets terão acesso ao mercado chinês. Mas ainda não está claro como isso poderia chegar, rapidamente, a US$ 40 bilhões ou US$ 50 bilhões em compras por ano.
Derek Scissors, acadêmico na American Enterprise Institute, afirma que as compras agrícolas podem acabar sendo a parte mais fácil do acordo. Parte do que foi acertado, segundo os EUA, é que a China concordou em aumentar as importações gerais dos EUA em US$ 200 bilhões, dividido pelos próximos dois anos, com metas especificadas para cada ano. O representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, disse que serviços também estão incluídos no acordo. Se incluídos os serviços, a China importou cerca de US$ 186 bilhões/ano dos EUA em 2017, antes de a guerra comercial começar. Scissors calcula que, em vez de somar US$ 100 bilhões por ano a esses US$ 186 bilhões por dois anos, as exportações de bens e serviços podem ser elevadas gradualmente, para US$ 246 bilhões no ano que vem e US$ 326 bilhões em 2021 – um crescimento anual de mais de 30% por dois anos consecutivos, muito além do que já foi alcançado por exportadores norte-americanos na história.
Depois da agricultura, a maior exportação dos EUA para a China é no setor de aviação comercial, categoria que será prejudicada ao menos temporariamente em decorrência da suspensão da produção dos jatos 737 MAX pela Boeing. “Mesmo se a agricultura alcançar essas metas, o que já é improvável, e mesmo que se venda volumes enormes de aviões, ainda faltam US$ 130 bilhões ou US$ 140 bilhões”, diz Scissors. “Todo o resto (que os EUA exportam para a China) é em volumes baixos.”
Chris Rogers, analista de pesquisa da Panjiva, unidade da S&P Global Market Intelligence, afirma que a meta do governo norte-americano pode, em tese, ser alcançada se os EUA enviarem 100% da soja exportada nos últimos 12 meses para a China, 100% das exportações de petróleo e 100% do gás natural liquefeito. A única forma de se conseguir isso seria transferindo grandes volumes de exportação norte-americana de outros países para a China, o que poderia causar reclamações das outras nações.
Como as metas são para uma janela de dois anos, não ficará claro até depois das eleições presidenciais dos EUA, no ano que vem, se a China deixar de cumprir o acordo. “Eu poderia concordar verbalmente em comprar US$ 40 bilhões, mas não significa que eu irei”, diz o fundador da Summit Commodity Brokerage, em Iowa, Tomm Pfitzenmaier.