No ano de 2020 inicia uma pandemia mundial “sui generis”, a qual vem provocando um momento conturbado em quase todas as economias com quedas no PIB; fechamentos e/ou perdas de valor de mercado de empresas; elevação do desemprego e o crescimento da inflação.
Não restam dúvidas, também, que em alguns países os impactos negativos foram e estão sendo mais observados, sentidos e demorados de se alcançar uma solução. Não só por falta de ações mais rápidas e coerentes, mas, também, por uma despreocupação com os efeitos e reflexos no bem-estar da sociedade. É o velho ditado de que “na briga entre a onda e o rochedo, quem sofre é o marisco”.
Percebe-se que o mundo passa por um verdadeiro reverso, o qual é sentido em quase todos os seguimentos da economia e camadas sociais, com diferentes níveis de perdas ou de ganhos.
Existem setores, empresários e empresas que estão obtendo, na verdade, grandes ganhos financeiros e aumentos de market share ao contrário da maioria. Um exemplo, seria o segmento dos Planos de Saúde. No relatório intitulado “Saúde Amanhã “da FIOCRUS/MS, são citados aumentos no lucro líquido dos grandes grupos de planos de saúde, entre o primeiro trimestre de 2019 e o período correspondente em 2020, variando de 10,1% a 149,2%.
Scott Galloway, um dos gurus do Vale do Silício e professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, mencionou em evento realizado pelo Bradesco BBI em 07/04/2021 [Extraído da matéria de André Sollitto, de 07/04/2021, intitulada “O segredo sujo da Covid 19, segundo Scott Galloway”, publicada por Neofeed] , “… ao contrário de outras grandes crises, como a Segunda Guerra Mundial, a pandemia não provocou uma resposta efetiva do capitalismo, já que os detentores das maiores fortunas foram beneficiados…levando a um escrutínio sobre o colapso do capitalismo…”. O professor menciona, também, que a pandemia serviu para concentrar a renda nas mãos de poucos e reforçar a dominação das gigantes da tecnologia”. Isso me dá a certeza que passaremos a conviver com mais mercados oligopolizados. Lamentável.
Abro um parêntese nesse momento e chamo atenção que no caso do Brasil a situação pode ser mais preocupante, uma vez que vivemos um outro agravante que seriam as decisões equivocadas tomadas no passado. Estas decisões desencadearam desde 2010 a inflação e a redução dos investimentos do capital privado, as quais repercutem até hoje.
Segundo Rossi e Mello (2017, CECON), “…o Brasil já estava em 2017 atravessando a maior contração de renda de sua história…”. Os autores afirmam que o país já tinha enfrentado outros episódios recessivos ao longo do século XX, mas que nenhum tinha chegado à gravidade que se observava, quando se considerava a contração do PIB (ver gráfico I abaixo).
Gráfico I – Maiores contrações do PIB da história brasileira
Percebe-se uma unanimidade de que a crise de hoje ainda irá perpetuar por um bom tempo e promoverá uma ruptura da tipologia dos figurantes nos mercados produtores e de suas estratégias aplicadas até então. Com certeza, aqueles que não buscarem a inovação como ferramenta de competição, serão vencidos e eliminados. O mundo, representado por um grande quantitativo de países, está mais atualizado.
Temos visto que alguns países ou empresas tem experimentado vantagens para o desenvolvimento e produção de produtos, entre as quais podem ser destacadas as vacinas para o SARS – Cov 2 ou para a criação e produção de equipamentos ou de itens que pudessem vir a contribuir para o controle da pandemia. Essas vantagens, influenciadas pela inovação, certamente favorecerão uma recuperação mais rápida e trarão ganhos financeiros e econômicos àquelas economias ou grupos econômicos.
O resultado de um comparativo entre a variação do percentual do PIB 2020 em relação a 2019 (ver gráfico II) mostra que entre as 13 economias apresentadas, o Chile foi o país que demonstrou o pior resultado e a China, que vem insistindo na inovação, é a única economia que experimentou uma situação de crescimento do PIB [Citado por Taís Laporta no texto “China é o único país que cresce acima do pré-crise; compare os PIBs” – 12/2020].
Gráfico II
Por outro lado, estes resultados satisfatórios alcançados pela China, são atribuídos à contenção rápida do avanço da pandemia dentro da fronteira e a retomada dos investimentos. Os ganhos obtidos com a venda ao mundo de produtos associados à pandemia foram outros fatores que movimentaram fortemente a economia chinesa durante o lockdown mundial.
Em termos de Brasil, que ficou atrás somente de China, Coréia do Sul, Suécia e EUA, eu diria que os resultados menos sofríveis na economia nacional foram obtidos devido à manutenção do consumo das famílias, o aumento no preço e volume vendido ao exterior, além de maior demanda externa por bens originários da nossa indústria de transformação.
Não tenho dúvidas que a permissão de saque do FGTS e o auxílio emergencial concedidos a 67 milhões de brasileiros pelo governo federal, contribuíram para recompor a renda da população e amenizaram as consequências econômicas e financeiras advindas com a pandemia.
Além do que, a permanência da renda daqueles que prosseguiram com as suas atividades em home office ou em suas empresas, bem como a insistência de alguns empresários e a criatividade de outros, que aproveitaram a crise e promoveram mudanças de paradigmas em seus negócios, mantiveram a economia em movimento e contribuíram com o Estado para exercer o seu papel na retomada da economia. Teoria é uma coisa, prática é outra.
O mundo tem percebido que decisões e ações passadas em alguns países foram equivocadas e trouxeram uma fragilidade e problemas de ordem econômica e social, que para serem revertidas tem exigido grandes mudanças. De nada vai resolver não olhar para P,D&I ou visualizar somente C&T e não considerar que Inovação faz parte do processo ou vice-versa.
A discussão e o investimento devem focar e serem direcionados, cada vez mais, para um modelo que tenha como critérios maior seletividade em áreas de conhecimento, em temáticas, e por segmentos que aquele país ou empresa detenha alguma vantagem ou que se vislumbre como de um potencial para solução de problemas. É fato que não se deve desfazer da oportunidade de uma tentativa e exploração da estratégia da diferenciação de produto.
Temos visto que uma estrutura científica e tecnológica em muito tem contribuído para se desenvolver, testar a eficácia e a segurança; aprovar a produção, o uso e, finalmente, lançar a vacina para o SARS-Cov2 em um tempo recorde de, aproximadamente, dois anos (de 2019 até 2021). Espero que os resultados de uso das vacinas produzidas sejam promissores e os percalços removidos. Pois desenvolver e produzir um medicamento é por demais complexo.
Quando falo em tempo recorde para desenvolver uma vacina é por ter acompanhado a situação do Ebola que, segundo a instituição Médicos Sem Fronteiras (o qual sou contribuinte) ter o seu vírus surgido em 1976, em surtos simultâneos em Nzara, no Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo, em uma região situada próximo do Rio Ebola, que dá nome à doença.
Na ocasião, a “…Merck & Co. Inc. licenciou os direitos globais de P&D e fabricação da vacina de Ebola de fase I da Newlink Genetics Corp. em 2014. O ingrediente ativo da vacina Ervebo da Merck é o vírus vivo da estomatite vesicular, no qual sua proteína de superfície foi substituída pela da doença do vírus Ebola do Zaire (EVD)…”. Ou seja, 38 anos após o primeiro surgimento do vírus.
Com certeza as experiências vividas pela humanidade com pandemias levaram Bill Gates em 2015 alertar, em um evento TED Talks, que “… o mundo deveria se preocupar mais com um vírus infeccioso do que com uma guerra nuclear…”. Parece que estava adivinhando. Será isso um alerta para as famosas guerras biológicas, sempre mencionadas na mídia? Isso eu não saberia responder.
Quero crer que os equívocos cometidos no passado por alguns líderes de Governo e empresários, que não viram a Inovação como importante peça neste jogo, ou que simplesmente abriram suas fronteiras sem suas economias estarem consolidadas e sem elementos e ferramentas que impedissem oligopolizações de mercado, mudem suas linhas de pensamento e remodelem suas políticas econômicas. O sonhado benefício de abertura da fronteira levou a uma forte dependência de importações e fragilidade econômica e social. Um freio de arrumação se faz necessário.
Além do que, precisa-se ficar alerta que o mundo passa há um tempo por verdadeiras revoluções. São as famosas ondas, que nos dias de hoje estão mais curtas e eu destacaria a indústria 4.0 e a tecnologia 5G.
Entretanto, mesmo com essas tecnologias, o fracasso na contenção de um vírus na origem foi suficiente para se colocar a vida do ser humano em risco e estremecer a economia mundial. Precisa-se visualizar e buscar o futuro, mas de uma forma responsável no presente.
Isso, tem me levado a pensamento constante com relação ao que o mundo (Brasil faz parte, não nos esqueçamos) terá que fazer daqui para a frente para poder minimizar o surgimento e avanço de novas doenças zoonóticas [vírus zoonótico são os transmitidos aos seres humanos por animais selvagens].
Hoje se fala muito em economia circular, mas na verdade, o mundo vive num círculo vicioso o qual descrevo da seguinte forma: população cresce, precisa de espaço para moradia e mais alimento e água, a área urbana se expande para área rural, que por sua vez põe fim ao habitat de animais silvestres e de plantas importantes, ocorre um abalo no ecossistema, aumenta a poluição, partes de biodiversidade (que é a fonte de princípios ativos para novos medicamentos) são mortas, e novas doenças surgem.
De forma complementar, eu diria que o crescimento da população tem levado a uma maior demanda por proteína animal, que por sua vez necessita expandir a produção. Com isso, aumenta-se a probabilidade de animais infectados estarem mais próximos do homem o que, certamente, trazem e trarão novos surtos e novos vírus.
Com certeza, é realidade o Brasil nunca ter considerado P,D&I e C&T como um dos principais instrumentos para o desenvolvimento, como deveria. Penso eu que os resultados positivos da balança de pagamentos, advindos da exportação de commodities, sempre foi um influenciador. Apesar da ciência, da tecnologia e da inovação estarem acopladas às culturas e promoverem os bons resultados.
Um fator que podemos usar como confirmador da minha opinião, seria o “Índice Global da Inovação – 2020”. Conforme imagem I.
Percebe-se que o Brasil, que é classificado como sendo um país de renda média-alta, pode até ter apresentado um desempenho em inovação dentro das expectativas para o nível de desenvolvimento, mas, lamentavelmente, não se mostrou estar entre os melhores, nem na América Latina.
Na minha opinião, quatro pontos podem justificar esta participação modesta (ainda) da inovação no Brasil como uma importante ferramenta de competição e posicionamento no mercado e de crescimento sócio econômico. Estes seriam:
Imagem I – As três economias com melhor desempenho em matéria de inovação por região
Fonte: Universidade Cornell, INSEAD e OMPI
1 – O país possuir um mercado produtor e transformador composto, majoritariamente, por micro empresário individual (9,81 milhões de MEI), seguido de 6,59 milhões de micro, pequenas e médias empresas – as quais são mais vulneráveis do que as grandes, frente a uma crise [Alta carga tributária e taxas no Brasil compromete uma considerável fatia do faturamento do empreendedor];
2 – predominância do Setor de Serviços (7,55 milhões) e Comércio Varejista de Artigos do Vestuário (1,10 milhões), cuja taxa de sobrevivência é de pequena expressividade [alimentação fora do lar e moda e varejo tradicional vem experimentando uma quebra considerável];
3 – os resultados de projetos de P, D&I se darem, na sua maioria, no longo prazo, exigindo da empresa uma disponibilidade de ativos financeiros de alta liquidez de modo que não necessitem dos recursos aplicados/investidos no projeto, frente à falta de estabilidade financeira mundial ou do país. O que é difícil;
4 – a elevada carga tributária existente no país impactar negativamente na disponibilidade de recursos nos orçamentos das empresas para mudarem a sua rotina e fazerem investimentos dessa natureza;
Após a citação destes 4 pontos, acredito que algumas mudanças e ajustes precisariam ser realizadas, tanto pelo lado das empresas, quanto pelo do Governo.
É bom lembrar, que a onda da transformação digital já chegou e traz importantes aplicativos, softwares e ferramentas como Inteligência Artificial, Internet das Coisas e o Machine Learning, que já fazem parte do cotidiano [São sistemas que apreendem sozinhos coletando dados, analisando-os e cos comparando com outros e transformando-os em conhecimentos, informações e ferramentas para decisão]. Isso sem contar com outros itens que compõem a indústria 4.0, nome dado à quarta revolução industrial. A solução? ou a empresa se adequa ou é eliminada.
Gisele Morilha cita em seu artigo, intitulado “Indústria 4.0 e transformação digital: saiba como uma coisa leva à outra” [publicado em 20/01/2020, na página da Objective.com.br], que “…alguns estudos indicam que até 2025, 40 % das empresas tradicionais, independente do porte ou do modelo de negócio, deixarão de existir em função da incapacidade de se adaptar à era digital…”.
Esta necessidade de adaptação à nova era, não diz respeito somente ao segmento da indústria (tenhamos bem em mente). É fato que agropecuária e serviços deverão fazer parte deste contexto digital. O campo e o setor terciário [O setor terciário não e mais conceituado como residual ou complementar. Hoje é mais complexo e diversificado], já estão tomados pela tecnologia em todos os processos. Exigindo inovações constantemente.
Gráfico III
Fonte: Boa vista [empresa de informações de crédito. Gráfico extraído do trabalho “Em tempos de incertezas, as micro e pequenas empresas precisam se manter firmes e fortes. Entenda a importância delas para a economia brasileira” de Denise Giordano, 2019]
Neste contexto, não tão futurista, mas realista, deve ser destacada a necessidade de investimentos por parte das empresas, seja através de capital próprio ou através de recursos públicos, reembolsáveis e/ou não reembolsáveis [incentivos fiscais (Lei do Bem – 11.196/05) diretamente à empresa, estabelecendo incentivos fiscais que as empresas podem usufruir de forma automática, desde que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. Deve-se destacar, ainda, o apoio através de subvenção econômica, que é concedida via Chamada Pública].
Com certeza, o capital privado terá que buscar mais eficiência em gestão, planejamento e investimentos para modernização, diversificação e inovação. Ao passo que o Governo precisará incrementar e incentivar constantemente e de forma crescente a concessão de recursos para os investimentos em projetos dessa natureza. O gráfico III, demonstra que até as micro empresas já se conscientizaram da necessidade e da importância da tecnologia em suas ferramentas de competição. Vamos investir.
Não tenho dúvidas que a concessão pelo governo ao capital privado de recursos com condições atrativas, de modo a incentivar o investimento em P,D&I ou para modernização, não só minimizará o problema que aventei no item 3 anteriormente, como, também, fortalecerá a economia para a sua recuperação da crise atual. Crise que vem se desenrolando desde o segundo trimestre de 2014, segundo o Comitê de Datação do Ciclo Econômico (CODACE) da Fundação Getúlio Vargas[i], e que foi agravada pela pandemia.
Neste contexto da importância e da necessidade do apoio do capital público para a recuperação da economia e para o fortalecimento das empresas, posso destacar o trabalho realizado pelo governo federal, através da Finep [empresa pública, vinculada ao MCTI, e exerce o importante papel de Secretaria Executiva do FNDCT. A Finep atua em toda a cadeia da inovação].
Confira o artigo complementar em: O que o Governo Federal vem fazendo para alavancar o Brasil e incentivar a inovação