A solução para os principais problemas enfrentados pelos agricultores da Região Centro-Oeste passa pelo associativismo. Prova disso são agricultores de Goiás que, mesmo endividados, se reuniram em pequenos grupos e cooperativas para melhor negociar compra dos insumos. Em Mato Grosso também há a experiência bem-sucedida das associações de compra. Aliás, o problema estrutural na compra de insumos é um contrassenso, pois a região é a que mais consome fertilizantes e defensivos agrícolas no Brasil. É claro que esse problema já deveria estar resolvido há muito tempo
As dificuldades para escoamento da safra e a estocagem de grãos a céu aberto, como ocorreu no ano passado, são problemas antigos, do tempo da abertura das BRs 163, 364 e 158. Estes problemas decorrem do individualismo. Em Mato Grosso existe o Condomínio Marechal Rondon, uma iniciativa pioneira bem-sucedida de união dos produtores para compra de insumos, armazenamento e comercialização da safra.
Outro problema recorrente é a falta de recursos para compra de máquinas. Há experiências de consórcios agrários, como em Lagoa de Três Cantos (RS), e no Centro-Oeste, se procurarmos, também vamos encontrar. Produtores rurais cujas máquinas ficam ociosas por uma grande parte do ano têm salvação? Por que não transportar tratores e colheitadeiras para uso em outras regiões? Estes questionamentos são importantes, pois existem os exemplos da Argentina e dos Estados Unidos, onde as operações de máquinas são terceirizadas, com a contratação de prestadores de serviços que têm frota própria.
A ênfase tem sido dada à questão do aumento da produtividade, para colheita de safras recordes. Mas, e a organização dos produtores? É claro que as iniciativas de elevação generalizada de produtividade, de 2,8 mil para 4 mil kg por hectare são importantíssimas. Porém, os resultados seduzem e anestesiam os produtores, que “transferem” para o Estado a tarefa de viabilizar seus negócios. A disseminação de tecnologias para generalizar os ganhos de produtividade no Centro-Oeste, sem uma nova organização da agricultura e uma infraestrutura adequada, tem como consequência a queda de preços.
Muito temos feito pela tecnologia dos cultivos, mas pouco pelas “tecnologias das organizações” e associações de negócios. Há assimetrias entre a tecnologia (agricultura de precisão) e associações de negócios (casos raros e imprecisos). Tecnologia no mundo atual não deve ser um fim em si mesmo. Como agricultores, temos um viés tecnológico, que não é muito bom de ser cultivado. Somos muito eficientes (fazemos certo as coisas), mas não somos lá muito eficazes (não fazemos as coisas certas – não nos associamos). Se formos muito eficientes (tecnologia) e pouco eficazes (não nos associarmos), caminharemos rápido para o empobrecimento. Essa é a esteira de exercícios nas academias: dá a impressão que estamos correndo sem sair do lugar. Cada vez que produzimos mais, a queda dos preços se acentua.
A essa altura do jogo já devemos ter intuído com o que há em comum na solução de todos os problemas mencionados. Por que não fazemos uma “bienal” para discutir formas de organização da gestão do campo? O que temos visto no campo é um quadro diferente – muitas experiências bem-sucedidas que merecem disseminação.
Sem infraestrutura não conseguiremos sustentar os avanços alcançados pelos produtores, até mesmo nas produtividades do Centro-Oeste. O Paraguai era um país mediterrâneo. Deixou de ser com a navegação no Rio Paraguai. Essas hidrovias dos Rios Paraguai e Paraná poderiam ser mais bem aproveitadas por nós. No Rio Paraná, vencida a barreira de Itaipu (mais adiante a de Yacyretá), com tombamento (transbordo) de cargas, podemos atingir portos como Rosário e Nueva Palmira – portos hoje de “grife” por eficiência.
Quando “fechamos” o Centro-Oeste – hoje uma região mediterrânea, apesar de estar muito bem servida de hidrovias -, a tecnologia, que é o maior trunfo que os produtores construíram, tem um efeito bumerangue, se volta contra eles. O mais grave é que, quanto mais se produz com tecnologia, não havendo por onde escoar os produtos, mais os preços caem, dissipando as vantagens comparativas da região. Temos vantagem comparativa, mas a sustentação da competitividade no mundo depende das vantagens competitivas (leia-se, logística). Louvamos os recursos naturais e esquecemos que, se apostamos na redução do isolacionismo e individualismo no campo essa pode ser uma fonte de crescimento do agronegócio da região. A cooperação entre produtores resolveu até mesmo problemas de infraestrutura. Em uma economia aberta, a tecnologia poderia “destruir” estabelecimentos rurais, pelo aumento da produção e queda dos preços, e destruir empregos. Aqui, não há esses impactos graves porque podemos exportar. Mas se a economia for “fechada” por falta de logística, todos esses impactos vão ocorrer. A produção crescerá cada vez mais e ficará represada no interior.
A organização do agronegócio que tem dado certo está lastreada na confiança mútua e na construção de capital social, cujo estoque em uma região ou atividade aumenta, ao invés de diminuir, na medida em que é utilizado. Quanto mais se usa, tanto mais se reproduz, pois atrai compradores, vendedores, clientes, distribuidores; e aumenta o poder de barganha nas negociações. Alguns depoimentos que amealhei no interior demonstram mudanças radicais de posturas. Um que me impressionou foi: “O que podemos fazer juntos que é melhor do que separados”; outro: “A minha prosperidade depende da prosperidade do meu vizinho”. É possível trabalhar construtivamente as diferenças entre os produtores e, com isso, montar um grupo coeso para resolver problemas. Um empreendedor rural está gradualmente deixando de ser um gestor de tecnologia para ser um gestor de relacionamentos e de oportunidades de mercado. Enfim, com alta tecnologia na produção e sem organização associativa na agricultura vamos nos tornar heróis das tragédias gregas, vítimas do nosso próprio sucesso.
Mauro de Rezende Lopes
PÓS-DOUTOR PELO CENTRE D’ ÉTUDES DE LA NÉGOCIATION INTERNATIONALE (GENEBRA, SUÍÇA) E PH.D. EM ECONOMIA AGRÍCOLA PELA PURDUE UNIVERSITY. ATUALMENTE É PROFESSOR E COORDENADOR DE PROJETOS DO CENTRO DE ESTUDOS AGRÍCOLA (CEA) DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ECONOMIA (IBRE) DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV-RJ).