A demanda por bem-estar animal na produção agropecuária defronta os produtores com um dilema que torna-se cada vez mais comum. Usar recursos financeiros neste tipo de tecnologia é “custo” ou “investimento”?
A frase de uma das maiores autoridades do marketing mundial, Philip Kotler, expõe a questão de um ponto de vista original, que pode ajudar os gestores a decidir: “Dá-se muita atenção ao custo de se realizar algo e nenhuma ao custo de não realizá-lo”.
No caso do bem-estar na suinocultura, muitos fatores devem ser considerados, como o mercado-alvo, os compradores, as demandas sociais, o tempo de retorno, as tendências do mercado, o suporte técnico, as linhas de crédito, os movimentos dos concorrentes, o diálogo com o governo, entre outros.
O professor titular de planejamento estratégico e cadeias alimentares da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo), Marcos Fava Neves, sugere os elementos mais importantes para uma análise acertada quando a pergunta se investir em bem-estar animal na suinocultura é “custo” ou “investimento”.
“Depende do mercado-alvo. Se for para segmentos que não têm alta exigência e não valorizam o bem-estar animal, é uma estratégia que não agrega valor. Mas acredito que este segmento irá diminuir de tamanho no futuro, com uma tendência dos consumidores valorizarem mais estes aspectos”, pontua.
Apesar de o consumidor brasileiro ainda ser pouco exigente quanto ao tema, a preocupação sobre como os alimentos são produzidos cresce em importância e encontra ampla repercussão em formadores de opinião, na mídia em geral e, igualmente, em organizações não governamentais.
Se o consumidor brasileiro seguir o exemplo de outros mercados mais adiantados a respeito desta temática, como o europeu ou o norte-americano, a exigência por níveis mais altos de bem-estar animal será imposta em um futuro não tão distante. E, em última análise, a produção deve satisfazer os clientes.
No caso europeu, a sociedade pressionou até que a Comissão Europeia estabeleceu leis que, por exemplo, proíbem o uso de gaiolas individuais para matrizes suína e exigem o uso de baias coletivas desde 2013. Atualmente, a produção fora destes padrões é considerada irregular e sofre sanções.
No exemplo dos Estados Unidos, a sociedade influenciou grandes redes de supermercados e restaurantes até que as baias coletivas passaram a ser requisito cada vez mais comum e já é realidade em mais de 23% das granjas naquele país, ainda que não haja leis federais sobre o tema.
A suinocultura brasileira, inserida no mercado mundial ainda que as exportações demandem tão somente 15% da produção, também dá passos neste sentido. Produtores independentes já utilizam o modelo de baias coletivas e outros parâmetros de bem-estar animal, assim como a BRF, uma gigante do setor que responde por cerca de 25% das matrizes no país, fixou prazo de 12 anos para adaptar sua cadeia produtiva.
Mas porque tais produtores e empresas decidiram elevar o nível de bem-estar animal praticado em suas granjas se a agregação de valor não é garantida no mercado brasileiro? Segundo Fava Neves, a resposta pode ser resumida em três pontos. “Acesso a mercados, produtividade e seu próprio bem-estar”, enumera o professor.
Quanto ao tópico “acesso a mercados”, um produto com níveis mais elevados de bem-estar animal sempre será melhor aceito seja para compradores do mercado interno, como do mercado externo. Pois, além de evitar eventuais problemas com a opinião pública, abre perspectiva de diferenciação frente ao consumidor final e tende a apresentar melhor qualidade.
Segundo o mestrando em zootecnia do Grupo de Estudo Ético da Unesp, Filipe Antonio Dalla Costa, as diferentes técnicas de bem-estar animal nas diversas fases refletem na qualidade da carne, seja no aproveitamento de carcaça como, eventualmente, na aparência e sabor do produto. “Isso tem efeito na dor e na qualidade de carne”, destaca.
Sobre produtividade, produtores brasileiros que adotaram o sistema de baias coletivas relatam haver ganhos. Segundo o proprietário da Granja Miunça, Rubens Valentini, alguns índices produtivos na gestação coletiva são favoráveis como, por exemplo, o número de animais por funcionário, o peso de nascimento e a longevidade das porcas. “Posso dizer com segurança que o sistema tem vantagens técnicas e econômicas sobre o convencional. Tanto acredito que estou transformando toda a granja para gestação coletiva, hoje temos cerca de um terço, além de ampliá-la um pouco”, cita.
Finalmente, o bem-estar dos produtores e dos funcionários das granjas pode ser identificado durante o manejo, seja em melhores condições de ambiente, como, também, em menores níveis de estresse de toda a equipe. Mas, se a principal preocupação é ganhar no preço, também há esta possibilidade.
“Para isso, é só entender os segmentos existentes no mercado e direcionar as ofertas, posicionando adequadamente. Estratégias de segmentação, seleção de mercados-alvo e posicionamento são fundamentais neste caso”, acrescenta Fava Neves.
Ainda assim, o gestor pode entender que empregar recursos financeiros em bem-estar animal é um custo. Neste caso, o cenário mais provável é de um mercado interno e externo em diminuição para um tipo de produto menos aceito já que cada vez mais concorrentes estarão em posição de vantagem.
Mas o mercado para o modelo de produção convencional pode acabar? Quando? Enfim, parafraseando o guru do marketing, Philip Kotler, pagar para ver a diminuição desse mercado pode ter um custo ainda mais alto, ainda que não se saiba precisamente quando ou se ele deverá ser pago.