A gordura animal tem sido o patinho feio na história do biodiesel brasileiro. Isso porque até o momento o insumo não recebeu nem de perto a atenção que merece. O governo federal, por exemplo, deixou a matéria-prima em segundo plano no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. Porém, como na história infantil, com o decorrer do tempo o patinho que parecia fadado a permanecer um personagem secundário deve se tornar figura central na produção do combustível no Brasil.
Os hiatos do programa governamental nesse tema são muitos. O primeiro e mais importante é a falta de incentivo fiscal para o produtor. Quem produz biodiesel a partir de óleo vegetal pode receber benefícios importantes se completar os requisitos exigidos pelo governo. Já quem aposta na produção do combustível a partir de matéria-prima animal não conta com essas facilidades e precisa, por exemplo, pagar normalmente PIS/COFINS. Só esses dois impostos representam um adicional de R$ 0,22 no preço por litro de combustível ao final do processo – o que é, obviamente, uma desvantagem comercial significativa para o produtor. “O programa do governo tem falhas de planejamento e as gorduras animais são uma delas”, opina Cláudio Bellaver, pesquisador de nutrição e resíduos animais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Apesar do descaso federal pela matéria-prima, os especialistas acreditam que a gordura animal vai ter uma fatia importante do mercado de biodiesel, além de poder se transformar no elemento-chave para se produzir combustível renovável de origem biológica. “Quem sabe agora se entenda que os insumos de origem animal podem ser a salvação do biodiesel no Brasil”, diz Bellaver.
Com o óleo de soja a R$ 2,00, não há como vender biodiesel a R$1,90. Isso sem considerar os R$0,50 por litro relativos ao custo de fabricação, o que resulta em um preço final de R$ 2,50 para o biodiesel produzido com a oleaginosa. “Mais de 90% dos óleos vegetais produzidos no Brasil vêm da soja e o mercado dessa commodity encontra-se em alta”, explica o pesquisador Renato Roscoe, mestre em agronomia pela Universidade Federal de Lavras e doutor em Ciências Ambientais pela Wageningen University and Research Centre, na Holanda. “Por isso, a busca por gorduras animais tende a aumentar.” Os custos do sebo de origem bovina e de outras matérias graxas animais são tradicionalmente mais baratos do que os vegetais. Conclusão? “Se mudarmos os preços das matérias-primas, muda a história”, arremata.
O crescimento da procura pelo sebo para a produção de combustíveis foi um impulso extra para os pecuaristas – que tiveram a chance de somar ao preço final dos negócios algo que muitas vezes chegava a ser considerado um mero rejeito. “Até meados de 2006, o sebo vinha sendo comercializado a valores em torno de R$ 550,00 a tonelada. Ao final daquele ano, as cotações haviam dobrado e os preços permanecem em alta até hoje”, diz Roscoe.
Mesmo com a elevação do custo, a diferença de valores ainda é significativa em favor da gordura animal. “Historicamente, o sebo tem um preço menor que os óleos vegetais”, afirma César Abreu, diretor industrial da Bertin Biodiesel. A indústria, instalada em Lins, no interior de São Paulo, afirma ter a maior capacidade instalada do mundo para produção de biodiesel de origem bovina.
Abreu, porém, alerta que nem tudo são flores. O sebo bovino é mais barato, mas exige um tratamento diferenciado, o que pode equilibrar os valores em relação ao material de origem vegetal. “É uma matéria-prima que tem particularidades quanto a recebimento, tratamento e manuseio. Uma usina que está preparada para trabalhar somente com óleos vegetais certamente terá problemas ao utilizar o sebo, pois é uma gordura sólida em temperatura ambiente, diferente da maioria dos óleos vegetais”, afirma. Para ele, a relação custo/benefício é melhor quando se usa o sebo, mas o investimento em instalação industrial nesse caso é superior – o que pode deixar o jogo empatado entre os dois lados.