O uso de todo o potencial de produção de biometano do Brasil para no lugar do diesel no abastecimento das frotas de veículos pesados poderia substituir toda a importação do fóssil pela próxima década. Isso representaria uma “economia” de até US$ 137 bilhões ao longo desse período.
O cálculo, feito pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) a pedido do Valor, demonstra que há possibilidade de substituição do fóssil pelo renovável no Brasil, o que reduziria a emissão no curto prazo do metano, o gás mais nocivo para a atmosfera. A mudança também ajudaria a melhorar os resultados da balança comercial do país.
Com base em projeções de diferentes cenários de crescimento da economia, a CBIE elaborou três cenários de evolução do consumo de diesel no Brasil até 2031. Em um quadro mais otimista de avanço do PIB, a demanda por diesel superaria a capacidade de refino prevista e exigiria ainda importações. Só em 2031, o volume chegaria a 35 bilhões de litros, ou o equivalente a 45% do consumo esperado para o ano.
Para substituir essa importação por completo, a indústria nacional de biometano teria que chegar a 2031 com uma capacidade de produção anual de 40 bilhões de litros, ou 112,89 milhões de metros cúbicos de biogás ao dia. Esse volume evitaria o gasto de US$ 137 bilhões com importações no período de 2021 a 2031.
Cenário-base
No cenário-base dos cálculos da consultoria, em que o crescimento econômico seria menos acelerado, o Brasil teria que importar 30 bilhões de litros de diesel em 2031. Com isso, a substituição do combustível fóssil por biometano seria de US$ 124 bilhões.
A projeção de demanda no cenário-base é similar às estimativas para o potencial de produção do renovável feitas por organizações que representam investidores do mercado do biogás. Segundo cálculos da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), o eventual aproveitamento completo do volume de resíduos da agropecuária e do saneamento urbano permitira a produção de até 120,8 milhões de metros cúbicos de biogás ao dia. Com isso, seria possível cobrir a demanda necessária para substituir as importações de diesel no cenário de consumo mais aquecido.
O aproveitamento total dos resíduos, porém, ainda está longe da realidade. O cenário mais provável é de que, em 2030, o país tenha capacidade de produzir 30 milhões de metros cúbicos de biometano por dia, calcula a Abiogás, com base nos investimentos anunciados e outros previstos.
Hipótese sem investimentos
Mesmo considerando essa perspectiva, o volume ao menos estancaria o aumento das importações de diesel até o fim da próxima década. Nas contas do CBIE, no cenário-base, o país teria problemas para abastecer sua demanda de diesel a partir de 2028, se considerando-se que não haveria investimentos adicionais em refino nem em capacidade de importação do combustível fóssil.
Nessa hipótese, a demanda por biometano ficaria entre 15,2 milhões e 29,8 milhões por dia até 2031, um volume que se poderia atender com a capacidade que a Abiogás prevê para o fim da década. O consumo do biometano nesse cenário evitaria importações de US$ 7,8 bilhões de diesel em uma década. As projeções levaram em consideração uma mistura de 10% de biodiesel no diesel até 2023 e aumento progressivo até 2026, quando ela chegaria a 2026.
É verdade que o potencial que o CBIE projeta ainda está distante da realidade. Segundo a Abiogás, o país tem hoje menos de dez unidades, capazes de entregar 400 mil metros cúbicos ao dia – e, dessas dez, apenas cinco têm autorização para operar comercialmente. A maior parte é investimento recente, como da Adecoagro e da Cocal, que usam resíduos da produção de etanol para gerar biogás.
Vários resíduos
Além da cana, também oferecem alternativas de produção as granjas, os confinamentos, as culturas que geram resíduos para biodigestores e os aterros urbanos, onde a promessa de expansão é maior. Mas ainda falta a concretização dos novos investimentos.
Para Bruno Pascon, sócio do CBIE e responsável pelo levantamento, novos marcos legais recém-aprovados podem criar um quadro favorável a um salto. Só neste ano, ocorreu a regulamentação da lei de resíduos sólidos, que pode destravar aportes em lixões, e editou-se o decreto de incentivo ao biometano, que concedeu benefício fiscal a investimentos. Para ele, o plano nacional de fertilizantes e a Lei da Eletrobras, que obrigou a contratação de térmicas a gás natural, também podem contribuir para fomentar o biometano.
“Pela potência do agronegócio, o Brasil tem tudo para ser referência mundial de biogás”, defende. Segundo Pascon, o fato de o Brasil ser uma liderança na produção e exportação de alimentos torna o país uma potencial liderança também em biometano.
A Alemanha tem hoje a maior capacidade instalada de biogás do mundo, seguida de Estados Unidos, Reino Unidos, Itália e China. Desse grupo de países, diz Pascon, americanos e chineses são os que de maior potencial de crescimento justamente porque eles têm grande produção agrícola, que deixa resíduos. “E o Brasil mal começou”, lembra.
Além de evitar gastos com importações de combustíveis fósseis, o biometano também pode “abrasileirar” o custo do combustível, defende Tamar Roitman, gerente executiva da Associação Brasileira do Biogás. “Ao contrário do diesel, o biometano não tem relação com o preço internacional de petróleo nem com o dólar. Ele é atrelado ao real”.
Já na comparação com o gás natural de origem fóssil, o biometano é acrescido de um prêmio “verde”, mas ainda sem padrão. “O preço varia muito. Depende do modelo de negociação e da localidade”, afirma. Mas alguns produtores já comercializam o renovável nas bombas, como a Ecometano e o grupo Urca.