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FALA AGRO

Brasil: vilão, vítima ou solução? - por Marcos Jank

Agro brasileiro pode mitigar a emissão de gases de efeito estufa e fortalecer sua posição no mercado internacional, onde a demanda por produtos ambientalmente responsáveis está em constante crescimento

Brasil: vilão, vítima ou solução? - por Marcos Jank

Agro brasileiro pode mitigar a emissão de gases de efeito estufa e fortalecer sua posição no mercado internacional, onde a demanda por produtos ambientalmente responsáveis está em constante crescimento

Ao olhar para o futuro do agronegócio brasileiro, o entrevistado Marcos Jank, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global, vê um cenário promissor, mas que exige uma transformação profunda em direção à sustentabilidade.

Na entrevista a seguir, Marcos Jank fala sobre o caminho rumo à sustentabilidade no agronegócio brasileiro. Confira:

Avicultura Industrial – Como a macroeconomia influencia o agronegócio brasileiro? Quais são os principais fatores econômicos que impactam o setor?

Marcos Jank – A macroeconomia influencia o agronegócio por meio de duas grandes variáveis: taxa de juros e taxa de câmbio. Após a pandemia, a taxa de juros aumentou consideravelmente devido ao desajuste fiscal no Brasil. O setor agrícola depende de recursos para operar, principalmente durante a safra. O Plano Safra é o momento em que os produtores adquirem insumos e a taxa de juros desempenha papel fundamental tanto na compra quanto na venda dos produtos.

A taxa de câmbio é uma variável macroeconômica fundamental, pois impacta significativamente os produtos agrícolas comercializados internacionalmente. Isso inclui commodities e insumos importados. A valorização do real em relação ao dólar tem sido uma das principais razões para a queda nos preços observada atualmente,o que afeta tanto os produtos exportados quanto a parte de grãos destinada ao mercado interno.

É importante ressaltar que essas duas variáveis, juros e câmbio, são cruciais na tomada de decisões dentro do setor agrícola. Os produtores precisam considerar cuidadosamente esses fatores macroeconômicos ao planejar suas operações e estratégias de negócios.

Só para esclarecer: quando menciono que a taxa de câmbio afeta o agronegócio, quero destacar que a desvalorização do real em relação ao dólar beneficia os exportadores. Por outro lado, quando ocorre a valorização do real, como é o caso atual, isso prejudica os exportadores e beneficia os importadores. Portanto, todos os produtos destinados à comercialização internacional estão sofrendo uma redução nos preços em real devido à valorização da moeda nacional em relação ao dólar.

AI – Como a Influenza Aviária tem afetado a economia da avicultura, tanto no cenário nacional quanto no internacional? Quais são os impactos econômicos dessa doença?

Marcos Jank – Sobre a Influenza Aviária, ela realmente aconteceu em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Obviamente, caso os plantéis comerciais brasileiros sejam acometidos pela H5N1, nós perderemos o status de país livre de IA. Se isso ocorrer, a solução será fazer a regionalização, ou seja, isolar as áreas que estiverem contaminadas, sem que seja necessário interromper as exportações de todo o Brasil. Como exemplo disso, nós vimos o que ocorreu com os Estados Unidos e com a Europa, que, apesar da grande presença de aves contaminadas em seus plantéis comerciais, não tiveram grandes impactos no comércio ou no consumo de aves. Ou seja, podemos lidar com a situação. Vai ser difícil, mas podemos sobreviver e continuar exportando.

AI – No atual cenário ambiental global, como o agronegócio brasileiro está respondendo aos desafios e demandas por sustentabilidade ambiental? Quais são as ações e iniciativas tomadas pelo setor?

Marcos Jank – Eu acredito que no debate internacional sobre sustentabilidade, o Brasil se destaca em três grandes papéis. Temos um lado que é negativo, que é o problema do desmatamento ilegal, especialmente na Região Norte do país, como no estado do Amazonas. Esse desmatamento, que chega a cerca de 2 milhões de hectares por ano, precisa ser proibido e controlado, pois afeta nossa imagem globalmente em relação ao meio ambiente e às mudanças climáticas. Quase metade das emissões brasileiras está relacionada ao uso da terra e ao desmatamento. Além disso, enfrentamos os efeitos da mudança climática na agricultura, o que exige a adoção de novas tecnologias que sejam mitigadoras ou que permitam a adaptação dos sistemas de produção às mudanças climáticas.

Por outro lado, há aspectos positivos pouco mencionados pela mídia em relação ao meio ambiente. O Brasil desenvolveu diversas tecnologias para uma agricultura de baixo carbono, como a integração lavoura-pecuária-floresta, o uso sustentável da terra e outras práticas inovadoras. Essas tecnologias resultaram em ganhos significativos de produtividade e redução de carbono, como a diminuição da idade de abate dos animais. O setor agropecuário brasileiro deveria ser reconhecido e premiado com créditos de carbono por essas tecnologias utilizadas na região tropical.

Além disso, o Brasil tem uma contribuição histórica importante na área de energia renovável, especialmente na produção de bioenergia. Essa experiência bem-sucedida abrange diferentes tipos de energia, como biomassa, biodiesel e biogás, incluindo o uso de resíduos para geração de energia.

AI – Como a estrutura brasileira impacta o desenvolvimento e a competitividade do agronegócio? Quais são os principais gargalos e desafios enfrentados pelo setor?

Marcos Jank – Bem, em relação a estrutura, vejo de forma muito positiva os investimentos ocorridos nos últimos anos, sobretudo  recentemente. Acredito que estamos passando por uma mudança radical nos nossos modais de transporte no país. Atualmente, o transporte de longa distância, em especial da produção do Mato Grosso, que está mais distante dos portos, é feito por meio de trens e hidrovias. Embora as rodovias ainda sejam utilizadas e sejam importantes, principalmente para curtas distâncias, o transporte de longa distância ocorre cada vez mais por ferrovias e hidrovias. Temos exemplos como a Ferrovia Norte-Sul, que conecta Santos a Rondonópolis e, em breve, chegará até Lucas do Rio Verde, e o Arco Norte, que é utilizado para escoar a produção do Pará.

Essa mudança tem permitido que transportemos mais de 200 milhões de toneladas de carga, o que não seria possível apenas com caminhões nas estradas. No entanto, ainda enfrentamos gargalos importantes. Primeiro, é necessário ampliar ainda mais a malha viária, o que levará algum tempo, pois o processo de recuperação das ferrovias é recente. Além disso, temos problema de armazenamento de grãos no Centro-Oeste, com uma demanda superior a 1 milhão de toneladas. É preciso fazer mais investimentos em armazenagem e também ampliar a capacidade dos portos brasileiros.

AI – Em junho, a Assembleia Nacional da França aprovou uma resolução contrária ao acordo entre a União Europeia e o Mercosul devido à forma de produção de alimentos no Brasil. Qual é a sua opinião sobre essa resolução?

Marcos Jank – O tema do acordo na Europa é antigo, não é? Há mais de 20 anos que essa negociação está empacada. O governo Bolsonaro parecia que iria concluir, mas surgiram essas exigências novas da União Europeia. Então, pelo o que se observa[1] , a coisa não anda de jeito nenhum e não é de hoje. Atualmente, o que está barrando o acordo são as cláusulas ligadas à questão ambiental e ao desmatamento. A Europa quer que o Brasil se comprometa com metas rígidas de redução de desmatamento e, obviamente, o governo brasileiro resiste, porque o desmatamento é permitido dentro do Código Florestal. Os produtores podem desmatar até 20% da área na Região Norte, 65% na região dos Cerrados (mais ao norte) e até 80% na Região Sul. Essa questão de ingerência da Europa sobre a legislação brasileira é algo que incomoda o governo e eu não sei se vão conseguir chegar a um acordo. Temos visto uma resistência grande da Europa para tratar desse assunto, inclusive a nova legislação europeia, que vai entrar em vigor agora nos próximos meses, o Green Deal (Pacto Verde), que tem relação com desmatamento importado, como é chamado, ou seja, o desmatamento que está presente nos produtos consumidos na Europa, que não quer comprar matérias-primas agrícolas que tenham qualquer traço de desmatamento em sua cadeia produtiva. Então, eu não sei se o acordo vai realmente ser concluído por conta dessas diferenças que existem entre a Europa e o Brasil.

AI – Qual é o papel do agronegócio brasileiro na agenda global de combate às mudanças climáticas e na busca por uma agricultura mais sustentável? Quais são os avanços e contribuições do setor nessa área?

Marcos Jank – O Brasil pode ser um vilão, pode ser vítima, pode ser solução na questão da mudança do clima do meio ambiente. Se conseguirmos mecanismos que valorizem e incentivem uma agricultura mais sustentável de baixo carbono, aliado à questão positiva da matriz energética renovável, acredito que temos um potencial muito maior, muitas possibilidades, mas nós temos um problema de base que é o desmatamento. Se não controlarmos isso, não conseguiremos mudar nossa imagem no mercado externo. Lembre-se que o desmatamento no Brasil é 95% ilegal e outros 65% estão em áreas não controladas pelo Estado, como unidades de conservação, terras devolutas, assentamentos rurais e terras indígenas. Portanto, esse é um dos grandes problemas que precisamos enfrentar atualmente em relação à imagem que projetamos.

AI – Quais são as principais tendências e inovações em termos de práticas sustentáveis no agronegócio brasileiro? Como o setor está incorporando tecnologias e métodos mais sustentáveis em suas operações?

Marcos Jank – Quanto à agricultura sustentável de baixo carbono, temos muitos exemplos de como evoluímos, como o plantio direto, a utilização de técnicas de integração lavoura-pecuária-floresta, melhoria da conversão alimentar até os controles sanitários. Temos controles rigorosos nas granjas brasileiras, pois exportamos para diversos países e precisamos seguir as regulamentações dos países de destino, muitas delas bastante severas. Portanto, acredito que o Brasil tenha uma posição global na agricultura e a forma como produzimos é eficiente, com baixas emissões quando comparada ao restante do mundo. É importante, porém, lembrar novamente que o desmatamento ainda é um problema a ser enfrentado.

AI – Quais são as perspectivas para o futuro do agronegócio brasileiro no contexto da macroeconomia, do cenário ambiental global e da estrutura do país? Quais são os desafios e as oportunidades que se apresentam?

Marcos Jank – As perspectivas do agro são muito boas, com demanda firme principalmente na Ásia. Ainda temos muito espaço para crescer devido aos mercados emergentes. Na questão ambiental, é importante fazer cumprir a lei brasileira e, na parte macroeconômica, obviamente o Brasil tem duas questões importantes, que são as taxas de juro e a taxa de câmbio bastante elevadas. O mercado está inseguro com a flutuação de preços, mas, por exemplo, a queda nos preços do milho e da soja é ruim para o produtor, mas boa para o avicultor. Então, pode-se dizer que há uma compensação de preços para outros setores – e esse é o ponto que considero mais importante: analisar a continuidade dessa jornada em que a agricultura brasileira tem alcançado grande produtividade. Isso continuará acontecendo e o mercado continuará demandante, especialmente nos países emergentes do Oriente. É isso. Obrigado e espero que minhas considerações tenham sido úteis para a sua matéria.